quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

DA - Capítulo 17

~ 17 ~

Robert

“Já eu, era assim antes que você chegasse, caminhava pelas mesmas ruas, comia as mesmas coisas. Inclusive, antes que você chegasse, eu já estava apaixonado por você, e sentia saudades, como se já soubesse que você me fazia falta.”

Julio Cortázar

Eu me livrei das minhas roupas encharcadas pela água da chuva ao adentrar o meu quarto, largando-as pelo chão de qualquer modo e assistindo enquanto as gotículas se acumulavam numa poça.

Fatigado, tomei um banho quente, demorando-me tempo demais sob a ducha, e logo em seguida fui aproveitar uma noite insone sob meus cobertores.

Linda havia me dito não. Um sonoro não, sem o menor sinal de arrependimento. E eu que pensei que estávamos progredindo! Estava visivelmente equivocado, ao que parece. Ela não se casaria comigo... não era isso o que ela queria. Mas me ofereceu uma noite de sexo, a qual eu recusei, porque... porque estava tentando não ser um cafajeste? Porque apesar de excitado, aquilo não era o que eu realmente precisava?

Eu não sabia ao certo, mas havia algo sobre a condição de Linda que me fez conseguir raciocinar um pouco. Bom, ela era virgem, e eu seria o primeiro homem da vida dela e, se Linda esperou tanto tempo por sua primeira vez, isso só poderia significar que se tratava de algo importante para ela. Por pior que eu fosse como ser humano, eu não me aproveitaria de Linda daquele modo. Não que tivesse que me preocupar tanto com isso, é claro, porque, no fim de tudo, foi ela quem demonstrou interesse. Ainda assim, eu estava certo de que ela só o fizera porque, na sua cabeça, meu pedido de casamento foi um meio para um fim. Ela não estava de todo errada, entretanto, o fim que eu desejava não era o que ela supunha. Eu queria que ela aceitasse se casar comigo, e não me satisfazer sexualmente. Esse último seria mais como um bônus, e não a parte central do pacote.

Suspirei, cansado. Seria uma noite muito longa, na qual eu pensaria em Linda e no quanto gostaria de tê-la feito minha.

***

― Rose realmente sente muito, Sr. Blackwell, mas ela não tem a menor condição de ir ao escritório hoje.

Ótimo. Perfeito. Era tudo de que eu precisava!

Respirei fundo, tentando ao máximo soar condescendente e nada ou pouco rude. Poderia ser pior. Rosalie poderia simplesmente não ter aparecido sem maiores explicações, mas não. Ela pediu ao marido que me deixasse de sobreaviso, e eu ao menos ficaria ciente de que estava embarcando numa missão impossível: administrar o meu tempo na empresa sem uma secretária.

― Está tudo bem, Sr. Russel, eu entendo perfeitamente. Rosalie está num estágio avançado de gestação, eu já deveria estar preparado para uma eventualidade assim.

― Obrigado por compreender, Sr. Blackwell. Rosalie sempre me disse o quanto o senhor pode ser condescendente.

Ela disse?

― Tudo bem... humm... será que ela pode me dizer onde guarda minha agenda, pelo menos?

― Ah, claro! Eu já estava me esquecendo... ela disse que está com a assistente dela, Melody. Ela vai auxiliá-lo durante esses dias que Rose está de atestado.

Dias... ― minha mente fez questão de me lembrar.

― Certo ― eu murmurei em compreensão para o homem do outro lado da linha.

De fato, eu teria um grande dia.

***

As coisas no escritório estavam um verdadeiro caos. Sem Rosalie por perto, e com uma substituta que não conseguiria organizar minha agenda nem mesmo se eu fosse um colegial, estava impossível me concentrar nos contratos que eu precisava analisar. Talvez um dos motivos fosse que eu nem mesmo sabia onde estava a maior parte deles, e hoje eu me sentia um caco humano.

Depois de ter pedido Linda em casamento ― e de ela não ter aceitado ― eu a deixei em casa e simplesmente caminhei por uma hora inteira, sem me importar com a chuva torrencial que caía sobre mim. Depois dirigi a esmo com minhas roupas ensopadas, e isso parecia ter trazido efeitos colaterais, além é claro da minha noite insone.

Eu nunca havia me sentido tão cansado em toda a minha vida. Era como ter sido atropelado por um trator de esteira repetidas vezes. Minha garganta estava dolorida, e eu mal conseguia engolir minha própria saliva. O suor escorria por minha testa e já havia até mesmo encharcado as minhas roupas. Preferi não checar minha aparência, porque sem sombra de dúvidas ela estaria horrível.

Sentado na sala de reuniões, o rumo que aquilo estava tomando não me deixava nada satisfeito, o que só piorava tudo. Se eu ao menos tivesse tido tempo o suficiente para analisar a pauta! Se eu ao menos tivesse uma secretária competente para analisar aquela maldita pauta! Rosalie era tão hábil, como ela pôde contratar justo alguém como Melody, que não sabia fazer nada além de gaguejar e se atrapalhar com os papéis que tinha nas mãos?

Isso era algo que eu precisava perguntar a Rosalie com urgência! Na verdade, eu precisava que ela voltasse com urgência, enquanto eu ainda era são. Se é que eu ainda era realmente são.

Cansado daquela discussão ao redor da mesa, que não me levaria ao lugar onde eu queria chegar, eu dei a reunião por encerrada, peguei os papéis sobre a mesa à minha frente e rumei para minha sala. Nada seria resolvido enquanto eu precisasse dispersar minha atenção entre o que eu estava fazendo e entre o que Melody deveria estar fazendo, porque eu sabia que, de fato, ela não estava fazendo nada.

― Sr. Blackwell ― ela pronunciou nervosamente, assim que me viu sair do elevador e caminhar em direção à minha sala.

― Agora não, Melody ― eu a cortei, sem interromper minha caminhada. ― Eu preciso que você organize alguns documentos para mim em ordem alfabética, e tenho que checar alguns relatórios, agora.

― Mas é que a senhorita Calle, ela...

― O que tem Linda? ― eu inquiri me virando abruptamente para fitar o rosto nervoso de Melody.

― Ela... bom, ela esteve aqui há pouco... procurando pelo senhor.

Uma olhadela no meu relógio de pulso me informou que já se passava das quatro e meia da tarde. É claro que ela veio me procurar! Eu estava mais de três horas atrasado para o nosso almoço!

― Eu falo com ela depois ― decidi enquanto voltava a caminhar.

― Acontece que isso não é tudo, Sr. Blackwell. Há também...

― Melody, eu não quero saber! Faça o que eu mandei e já me dou por satisfeito.

― Mas...

― Melody! ― eu chamei exasperado. ― Faça. O que eu. Mandei ― eu lhe ditei firmemente, virando-me para encará-la.

Ela concordou com um aceno leve de cabeça, e então voltou para a mesa que Rosalie costumava ocupar, e que eu desejava, com todas as minhas forças, que ocupasse outra vez.

Massageei minhas têmporas com uma das mãos enquanto me dirigia à minha sala, sentindo a dor de cabeça se espalhar e acentuar-se. Algumas passadas mais e eu já estava no interior do meu escritório. Mas não sozinho.

Havia a última pessoa que eu desejava ver, confortavelmente acomodada numa das cadeiras estofadas em frente à minha mesa.

Mas que droga!

― O que diabos você faz aqui? ― cuspi entre dentes.

Ele se virou para me fitar, com um sorriso preguiçoso brincando em seus lábios finos, e aquilo apenas me irritou ainda mais.

― Sr. Blackwell ― ele cumprimentou amigavelmente. ― É sempre um prazer vê-lo.

Ele queria ser dissimulado, então? Eu costumava ser muito bom nisso!

Lancei a James meu melhor sorriso amistoso, ou melhor dizendo: o falso sorriso amistoso.

― E a que devo a honra da visita? ― inquiri, ao passo em que depositava os documentos guardados num envelope de papel pardo que tinha nas mãos sobre minha mesa. Eu não me sentei. Talvez isso o fizesse ver que ele não era bem-vindo.

― Bom, eu vim como advogado do seu pai, mas também vim como amigo da família.

― Estou ouvindo ― afirmei numa voz inflexível.

― Eu poderia dizer muitas coisas ― ele começou, fazendo um gesto abrangente com uma das mãos. ― Mas tudo culmina em um único fato ― ele fez uma pausa sugestiva, como se a obviedade que ele via pudesse ser observada a quilômetros de distância.

― Que seria? ― encorajei-o de forma impaciente. Eu estava cansado, com dores por todo o corpo, e sem a mais remota paciência de aturá-lo com seus enigmas e suspenses patéticos.

― Você está desperdiçando seu tempo ― ele falou casualmente, como se comentasse sobre o clima. Apertei meus olhos em sua direção, sem realmente acreditar no que estava ouvindo. ― Já se passou um mês desde a leitura do testamento do seu pai, Robert, e você não parece tê-lo levado a sério!

Maldito! Ele não sabia nada sobre isso! Absolutamente nada! Não sabia o peso que aquelas palavras tiveram, tampouco o que me impulsionaram a fazer. Ele não fazia ideia de que Linda havia dito não ao meu pedido de casamento, ou talvez tenha sabido, sabe-se Deus como, e resolveu que seria divertido vir até aqui e apontar esse fato.

― Você está enganado, James ― eu o adverti, tentando empregar alguma calma à minha voz. A calma que eu não conseguia encontrar dentro de mim. ― Eu levei o testamento de Frederick com toda a seriedade que ele exigia, esteja certo disso.

Um sorriso de canto brotou nos lábios de James e ele se levantou, caminhando em minha direção e batendo em meu ombro como um velho amigo costuma fazer ao parabenizar o outro.

― Eu sabia que o bom senso acabaria falando mais alto! ― ele exclamou com um estranho tom de animação na voz. ― Dispensar aquela garota foi a coisa mais inteligente que você já fez! Agora nós precisamos agilizar os trâmites do casamento, e então...

― Ei, ei, ei! ― articulei, visivelmente tentando fazer com que ele se detivesse e me escutasse. ― Em momento algum eu disse que iria me casar, James! ― eu o lembrei.

Seu semblante, antes divertido, assumiu uma seriedade quase desconcertante. Ele me encarou boquiaberto e confuso por um momento, tentando articular algo minimamente coerente.

― Mas... você... o tempo está acabando, Robert! ― ele exclamou exasperado.

― Sei disso, James! ― assegurei-lhe.

Mas é claro que eu sabia. Ninguém estava mais ciente disso do que eu. Um mês inteiro fora perdido, e haviam sobrado apenas dois. Linda já havia dito que não se casaria comigo, então o que eu deveria fazer? Apontar-lhe uma arma, ou arrastá-la até o altar? Por favor! Eu deveria saber que com Linda as coisas não seriam fáceis desde o começo, mas não!... Fui insistente, e aqui estou! Eu não conseguiria convencê-la a se casar comigo dentro do prazo, e estava ciente disso. Essa foi a razão pela qual devolvi a Elizabeth o anel que tentei dar a Linda. O tão estimado anel de noivado que minha irmã disse que eu não deveria simplesmente comprar! Ele já não servia para mais nada agora, e eu ainda tive que ver o semblante de decepção estampado no rosto de Elizabeth quando lhe disse que não haveria casamento algum.

Nesse caso, como eu iria administrar meu relacionamento com Linda? Ela não seria minha esposa e esse era o objetivo desde o início. Agora que tudo tinha ido por água abaixo, como eu iria simplesmente terminar com ela? Logo depois de praticamente ter feito malabarismo para que ela me desse uma oportunidade!

― Então por que não está fazendo nada? Você perdeu o juízo? ― James questionou me trazendo de volta dos meus devaneios.

― Quem você pensa que é? ― exigi entre dentes cerrados. ― Meu psicólogo? A voz da minha consciência? ― escarneci.

― Eu sou um amigo tentado ajudar!

― Você tentou ajudar quando Frederick lançou essa cláusula ridícula no testamento? ― quis saber. ― Você tentou impedi-lo, James?

― Eu não posso impedir que os meus clientes distribuam seus bens como queiram! ― defendeu-se. Seu rosto assumindo uma pigmentação avermelhada. ― Mas eu estou aqui agora! Tentando ajudá-lo a ver qual o melhor caminho a ser seguido!

― Para o inferno com essa sua ajuda de merda! ― cuspi para ele.

As constatações fizeram com que as dores que eu tinha espalhadas pelo corpo se alastrassem ainda mais e estava terrível ter que suportá-las. Meu corpo queria descanso e protestava pelo tempo em que eu o vinha obrigando a manter-se de pé. O suor voltou a acumular-se em minha testa, minha visão estava nublada como se tivessem películas sobre os meus olhos e um calafrio me abateu.

Aquele era um caminho sem volta. Estava tudo perdido, inclusive a casa de Alexandra, da minha mãe... eu a estava perdendo para Paige! Justo a amante inescrupulosa! Por que Frederick precisava ser tão doentio e controlador? Por que ele precisava querer me moldar a seus gostos até mesmo de sua tumba? Como se nada do que eu já fiz até hoje fosse bom o bastante, como se nada fosse suficiente!

― É por causa da sua subordinada, não é? ― James testou, novamente interrompendo minha linha de pensamento. ― Mas que coisa, Robert! Você não pode abrir mão da sua herança por um par de pernas!

Cegamente eu me aproximei ainda mais de James. Minhas mãos agarraram as lapelas do blazer cinza que ele usava e eu o ergui para que meus olhos ficassem à altura dos seus.

― Por que toda essa obsessão por Linda, hã? ― eu exigi saber. ― Qual o seu interesse em que eu me afaste dela?

― Eu não sei o que quer dizer... ― balbuciou.

Sorri falsamente para James, aumentando a pressão que minhas mãos faziam no tecido de seu blazer.

― Não se faça de desentendido, James! ― esbravejei. ― Você sabe perfeitamente bem o que eu quero dizer! Acha que eu não percebi seus olhares furtivos em direção a Linda quando estivemos na casa da Elizabeth? ― instiguei. ― Agora me diga: você realmente acha sua filha melhor do que ela, ou está apenas tentando me tirar do páreo? ― eu sorri incredulamente para ele, meneando a cabeça de um lado para o outro, evidenciando o quão ridículo ele era por pensar que isso seria possível. ― Depois de tê-la analisado com tanto afinco, acha mesmo que um velho asqueroso feito você teria alguma chance?

Então ele sorriu. De um modo escarninho que fez meu estômago revirar. Através da minha visão turva, eu discerni os dentes miúdos de James aparecendo, enquanto ele desdenhava do que acabara de ouvir.

― Sua teoria então é de que ela está com você por causa dos seus olhos verdes e do seu corpo atlético? Ou talvez porque, de algum modo, ela o convenceu de que você é algum tipo de deus do sexo? ― ele testou sardônico. ― Por favor, Robert! Não faria a menor diferença se você se parecesse com o corcunda de Notre Dame! ― zombou. ― Contanto que você carregasse o sobrenome Blackwell e todos os atributos que ele implica, ela ainda esquentaria a sua cama!

Por um momento, eu me esqueci de todas as possíveis razões pelas quais eu não deveria bater em James. Tudo o que eu conseguia pensar era em como ele merecia sentir meu punho contra sua mandíbula, e no quanto eu apreciava ofertar às pessoas aquilo que elas mereciam.

Minhas mãos largaram as roupas de James mecanicamente. Meus dentes trincaram e minha mão se fechou em punho. O sorriso presunçoso que o homem à minha frente possuía era extremamente irritante e eu ansiava por tirá-lo de lá. Ergui meu punho, direcionando-o a James, e foi quando um grito extremamente agudo e desesperado, que era uma versão distorcida do meu nome, soou pelo ambiente. Meu corpo foi lançado na direção oposta ao de James, e débil, cambaleou para trás, encontrando minha mesa, onde pude me apoiar. Fitei um rosto apavorado e reprovador, e olhos preocupados me fitando.

― O que está acontecendo aqui? ― ela inquiriu quase esganiçando. ― O que vocês julgavam estarem fazendo? ― sua respiração era ofegante e seus olhos transitavam entre mim e James, buscando uma explicação.

Uma olhadela para James me fez notar que sua mão pressionava sua mandíbula, esfregando o local com força exacerbada, e não pude evitar que um sorriso triunfante nascesse em meus lábios.

Linda não havia sido tão rápida assim.

― Ela controla você agora? ― a voz grotesca de James soou irritadiça enquanto ele olhava de Linda para mim. ― Você fala do seu pai, mas está se mostrando tão patético quanto ele!

Impulsionei meu corpo em direção ao maldito Smith, mas Linda, dessa vez, foi mais rápida. Ela colocou seu corpo em frente ao meu, entre mim e meu alvo.

― Mas o que é isso? O que houve aqui? ― ela exigiu saber.

― O que você faz aqui? ― sibilei para ela. ― Saia. Isso é algo que eu tenho que resolver com James!

― Por que ela não pode ficar? ― ele provocou. ― Frágil demais para que possa assistir a uma discussão mais acalorada?

― Isso não era uma discussão acalorada! ― Linda interveio um pouco exaltada. ― Vocês estavam se esmurrando!

― Os Blackwell e sua inaptidão de lidar com a verdade! ― James cuspiu em desdém. ― Isso sempre os deixa exaltados! Saber que eles não são o centro do universo.

― Cale a boca, James! ― ordenei entre dentes. Se ele mencionasse qualquer coisa referente ao testamento de Frederick na frente de Linda, eu não responderia por mim.

― O que foi? ― questionou fingindo-se de desentendido. ― Ela não pode saber o que nos levou a isso? ― incitou gesticulando com seu dedo indicador de mim para ele.

― Eu já mandei calar a porra da boca! ― esbravejei.

Com um sorriso zombeteiro grudado nos lábios, James analisou Linda rapidamente. Cerrei minhas mãos em punhos e ele fixou seus olhos em mim.

― Tão clássico! ― ele falou de modo teatral. ― O patrão se envolve com a empregada e então se torna possessivo com relação a ela! Como ela consegue isso, Robert? Qual é a técnica empregada?

― Dobre a língua para falar da minha mulher, seu maldito! ― eu vociferei, tentando empurrar Linda para um lado, a fim de alcançar James. Mas ela não me permitiu. Seus braços circundaram minha cintura firmemente e, aliando sua determinação com minha infeliz debilidade, eu me mantive firmemente preso em meu lugar.

― Não faça isso! ― ela sussurrou para mim. ― Não brigue por minha causa. Não dê ouvidos a ele... eu... eu não me importo! ― garantiu-me. Contudo, sua voz se quebrando em cada maldita palavra me fez saber que sim, ela se importava. Muito.

― Eu me importo! ― retorqui. ― Esse verme não tem o direito de falar assim com você!

― Por que não? ― protestou com uma fajuta expressão de ofensa no rosto. ― Só porque é você quem tem o prazer de se aconchegar entre as pernas dela?

O aperto de Linda ao redor da minha cintura se intensificou e ela resfolegou com a surpresa. Será que alguma vez na vida alguém já a tinha ofendido tanto? Mas eu não bateria em James novamente. Ele era tão sujo que não valia o esforço. Ainda.

― Você fala de Linda como se ela fosse igual à leviana da sua filha! ― as narinas de James inflaram, e seu semblante escarninho deu lugar a um que denotava pura cólera. ― Mas Linda está muito acima de Britney, James, e se você não engolir qualquer maldita palavra que ainda queira dizer, eu faço questão de fazer com que engula cada misero dente que carrega dentro dessa boca imunda! ― eu o adverti. ― E se eu decidir fazer isso, a única coisa capaz de me fazer parar vai ser o próprio Deus descendo do Céu e se colocando à sua frente!

Eu não sei o que James viu nos meus olhos, mas foi verossímil o bastante para que ele decidisse deter a enxurrada de palavras que vinha proferindo. Como que para ajudá-lo em sua decisão, uma Melody esbaforida adentrou minha sala, acompanhada por dois dos seguranças da empresa. Eles se dirigiram a James, mas este foi mais rápido e se precipitou até a saída.

Com um leve aceno de cabeça, eu garanti aos seguranças que estava tudo sob controle e, junto com Melody, eles se retiraram, deixando-me a sós com Linda. Foi quando eu me permiti desabar. Os braços de Linda caíram flácidos ao seu lado e eu me apoiei sobre o tampo da minha mesa. Meus dedos apertaram as bordas de madeira com força exacerbada, até que as juntas ficassem completamente sem cor. No ímpeto, eu bati cegamente nos objetos sobre a mesa e não percebi que grunhidos escapavam da minha garganta até ser tarde demais para tentar colocar minha máscara de autocontrole. Minha cabeça latejava e minha visão estava ainda mais turva. Eu estava prestes a desfalecer, mas os braços de Linda novamente ao meu redor me trouxeram algum apoio.

― Meu Deus... ― ela murmurou mais para si mesma. ― Você está ardendo em febre, Robert! Precisa ver um médico!

― Isso não é nada! ― assegurei-lhe.

―Você pode até não querer ir ao hospital, mas precisa ir para casa descansar.

―Não posso... tenho muita coisa para fazer aqui.

― Isso não é algo discutível. Você vai para casa! Se você não consegue encerrar seu expediente, eu faço isso por você! ― decidiu.

Meus olhos turvos buscaram seu rosto, e mesmo que a dor lancinante nas minhas têmporas nublasse minha visão, eu ainda conseguia ver a ponta de tristeza no rosto de Linda. Não apenas tristeza, mas também dor, pelas palavras de James.

― Não conte a ninguém ― sibilei. ― Mas eu duvido muito que consiga caminhar até o meu carro.

Forcei um sorriso em sua direção, e ela me retribuiu por entre as lágrimas que ameaçavam deixar seus olhos.

― Apoie-se em mim e eu prometo que esse vai ser o nosso segredinho ― devolveu.

E foi o que eu fiz. Passei um braço sobre os ombros de Linda e os dela continuaram firmes ao redor do meu corpo. Forcei minhas pernas moles a exercerem seu papel e com a ajuda de Linda saí da R Blackwell Corporation.

***

Uma chuva fina e insistente caía e, ao senti-la sobre mim, foi quase impossível não perceber os efeitos catastróficos que e o contato trouxe.

Eu mal conseguia enxergar um palmo diante do meu próprio nariz, e foi por isso que Linda decidiu que ela assumiria o volante. O pânico de ter que estar dentro de um veículo com uma mulher dirigindo não era maior que a minha inaptidão para fazê-lo, no momento, então eu não tive muitas alternativas. De fato, eu nem mesmo estava seguro de que conseguiria encontrar o caminho de casa sozinho naquelas condições, e agradeci imensamente por ter Linda ali, comigo.

Alguns minutos depois ― depois de eu ter adormecido, provavelmente ― percebi que Linda estacionava em frente ao seu prédio. Meu lado racional queria questioná-la, saber o porquê de ela não ter me levado para casa, mas o meu corpo fatigado só queria um lugar onde pudesse descansar um pouco. Talvez ela tivesse preferido me levar até lá para esperar que a dor de cabeça se esvaísse, e então eu poderia ir para casa sozinho.

Abri a porta do carro e, antes mesmo que pudesse colocar um pé para o lado de fora, Linda já estava ao meu lado, me auxiliando. Eu parecia ser pesado demais para que conseguisse me sustentar sozinho, e acabei apoiando peso demais sobre os ombros de Linda, mas ela não reclamou. Com sua bolsa ajustada sobre o ombro ― que Melody buscou para ela enquanto seguíamos para a garagem, já que Linda estava ocupada demais comigo para ir até o seu posto buscá-la ― ela me ajudou a romper a distância que nos separava do seu apartamento. As escadas foram a parte mais crítica e, ainda assim, Linda não reclamou.

Já dentro do seu apartamento, ela me ajudou a me sentar num dos sofás e desapareceu pelo ambiente minúsculo, voltando segundos depois com uma toalha nas mãos.

― Aqui ― ela falou estendendo a toalha em minha direção. Como não me movi, ela a colocou sobre meus joelhos. ― Você precisa de um banho frio para fazer a temperatura baixar ― explicou.

― Banho frio? ― inquiri em desgosto, franzindo o cenho. ― Quer que eu tenha uma hipotermia? Por que não me dá uma daquelas coisas que as pessoas tomam quando ficam nessa situação? ― sugeri.

Ela me sorriu num misto de incredulidade e condescendência antes de falar.

― Aquelas coisas são remédios ― ela me lembrou. ― E essa situação chama-se resfriado, e pessoas normais ficam assim pelo menos uma vez por ano! ― ela me advertiu.

Uma vez por ano? Por que eu não me lembrava de já ter ficado nessa situação lastimável então? De acordo com as minhas contas, a última vez em que me senti tão mal, foi a minha mãe quem cuidou de mim. Eu espantei o pensamento e encarei Linda ainda de pé, à minha frente.

― Não posso simplesmente tomar algum remédio, então?

― Eu vou te dar um analgésico, um antitérmico e um anti-inflamatório, mas antes você precisa de um banho frio! ― explicou. ― Você não teria, por acaso, alguma roupa limpa no seu carro?

― Costumo sempre ter alguma coisa no porta-malas, sim, para alguma emergência.

― Tudo bem... eu vou buscar, enquanto isso você toma o seu banho ― decidiu.

Não era uma sugestão. Ela mais parecia uma enfermeira zelosa e experiente, que não admitia ser contestada. E eu estava cansado demais para contestá-la também. Linda me deixou em frente ao toalete, me apontando a porta de seu quarto que era quase em frente, dizendo que, assim que eu terminasse o banho, poderia ir até lá para me trocar. Eu concordei num meneio de cabeça e me forcei a ficar de pé enquanto me despia e deixava a água fria escorrer pelo meu corpo. Meus dentes batiam uns contra os outros freneticamente, mas eu me mantive ali. Ensaboei o corpo demoradamente, ciente de que aquele era o mesmo sabonete que deslizava pelo corpo de Linda, e não pude evitar os pensamentos impróprios. Com algum custo ― talvez graças à indisposição ― consegui reprimi-los. Fechei a ducha, agarrei a toalha que Linda me dera, me sequei e fui em direção ao seu quarto.

Pude escutar enquanto ela mexia com algum metal no cômodo que eu sabia ser a cozinha ― ela já tinha cozinhado para nós dois antes, ali. Adentrei o quarto cambaleante e, quando o fiz, o perfume de Linda me atingiu em cheio. Não havia a menor dúvida de que aquele era o espaço dela, porque tudo a denunciava. A cama de casal simplória, mas aparentemente confortável, convidava meu corpo dolorido a descansar ali. Os lençóis possuíam algumas flores azuis desenhadas e eram indiscutivelmente limpos. Acima da cabeceira, uma janela aberta me permitia ver a chuva fina que caía lá fora.

Havia um guarda-roupa numa das paredes, uma escrivaninha com um computador e uma penteadeira modesta. Tudo comedido, mas extremamente aconchegante. Eu nunca me senti muito à vontade em lugares estranhos, mas aquele lugar não me era estranho, porque ele me lembrava de Linda e ela não era uma estranha para mim.

Minha roupa estava sobre a cama, onde Linda a pusera, obviamente, e eu a vesti. Enfiei-me na calça e na camiseta de algodão, e me sentei à beira da cama, que me pareceu muito mais convidativa agora.

Não sei quanto tempo fiquei ali, sentado, com os cotovelos sobre meus joelhos, e a cabeça apoiada nas mãos, mas foi uma batida leve na porta que me despertou da minha letargia.

Linda tinha uma tigela fumegante em uma das mãos e um copo com água na outra. Entre seus dedos, havia algumas cartelas com comprimidos. Ela os colocou sobre a penteadeira e caminhou até mim.

― Pensei que já estivesse dormindo ― ela murmurou enquanto suas mãos examinavam meu rosto e meu pescoço. Dormindo? ― repeti para mim mesmo enquanto ela franzia o cenho. ― A febre cedeu um pouco, mas acho que isso não vai durar muito.

Caminhando de volta à penteadeira, ela pegou os comprimidos e a água e me fez tomá-los. Formou um amontoado de travesseiros contra o espaldar da cama e disse para eu me acomodar, o que fiz de bom grado, me dando conta de que a cama não apenas parecia confortável. Ela era confortável. Então Linda me daria remédios, comida, e me deixaria descansar um pouco antes de me mandar para casa? Era tudo de que eu precisava, e muito mais do que eu esperava.

― Minha garganta está doendo muito ― eu reclamei após a primeira colherada da sopa que Linda havia preparado. O sabor estava fenomenal, mas estava acabando com a minha garganta. ― Sinto como se tivesse uma bola de fogo aqui dentro...

Ela inclinou a cabeça para me analisar melhor e eu pensei que ela fosse soltar alguma piadinha sobre eu estar sendo dramático demais, mas não foi o que ela fez. Linda pressionou seus lábios macios levemente contra os meus e seus dedos acariciaram o meu queixo.

― Eu sei que está ― murmurou, condoendo-se. ― Mas você precisa comer, está bem? Para adquirir forças... Só um pouquinho ― ela pediu, colocando o polegar e o indicador direito paralelos um ao outro, com pouca distância entre eles, ilustrando o que dizia.

Concordei com um leve aceno de cabeça e Linda tratou de encaminhar uma segunda colherada de sopa até minha boca. Eu realmente estava faminto. Enquanto ela me falava sobre coisas banais, intercalava suas palavras com uma colherada de sopa destinada a mim, e eu acabei comendo tudo sem ao menos perceber.

Linda apanhou uma muda de roupas de dentro do móvel, e então me deixou assistindo a um programa qualquer pela internet, através do computador sobre a escrivaninha, e foi tomar um banho. Pelo tempo que ela passou fora, eu calculei que estivesse lavando a louça antes do banho e quando ela voltou ao quarto, com os cabelos molhados e vestindo uma calça larga e uma blusa de alcinhas folgada, ela não poderia parecer mais atraente para mim.

― Como você está se sentindo? ― ela quis saber, inclinando-se em minha direção para depositar um beijo demorado sobre a minha testa. O movimento fez com que sua blusinha folgada revelasse uma parte considerável dos seus seios, e eu pude vislumbrar a pele suave sob suas roupas, desejando tocá-la avidamente.

― Um pouco melhor ― consegui balbuciar.

Linda se sentou ereta, ao meu lado, provavelmente sem se dar conta da visão privilegiada que acabara de me proporcionar, seus olhos atentos sobre mim e um sorriso singelo no canto de seus lábios.

― A febre cedeu bastante ― ela me informou. ― Aposto que amanhã você já vai estar bem melhor...

― Espero que sim ― desejei num suspiro. ― Não ter Rosalie por perto tem sido um martírio, e estou atuando como CEO e secretária ao mesmo tempo.

― Você não vai trabalhar amanhã.

― Mas é claro que eu vou! ― protestei.

― Nem por cima do meu cadáver! ― ela provocou num sorriso, levando seus lábios aos meus.

― Isso não é nojento? Há uma porção de vírus em mim, à procura de um novo hospedeiro ― murmurei antes que sua boca tomasse a minha.

― Eu não ligo ― admitiu com seus olhos castanhos presos aos meus. Linda depositou um beijo demorado em minha bochecha e eu senti como se aquele beijo fosse o mais íntimo que eu já havia recebido na vida. Por um instante eu congelei, assistindo-a me analisar.

Havia muitas coisas que eu queria perguntar a ela, e outras tantas que eu queria dizer, mas eu estava exausto e, quando acordasse antes de ir para casa, ela e eu poderíamos conversar sobre algumas delas.

Deslizei sobre os lençóis, me aconchegando mais aos cobertores, e troquei os travesseiros pelo colo de Linda. Seus dedos passearam pelos meus cabelos repetidas vezes, da mesma forma como minha mãe costumava fazer comigo: afagando, acariciando, confortando...

A letargia trazia uma sensação extremamente prazerosa, e eu estava a um único passo da inconsciência quando Linda manipulou meu corpo para que eu mudasse de posição. Eu me deitei de bruços, enterrando minhas narinas em seu travesseiro, impregnado com seu cheiro delicioso. Linda arrumou os cobertores sobre mim, e então a voz dela ecoou.

― Durma bem ― ela murmurou ao pé do meu ouvido, beijando o local. Senti o peso de sua cabeça apoiada sobre minhas costas, e uma de suas pernas sobre o meu quadril. Seus dedos continuaram acariciando os meus cabelos.

Eu inspirei profundamente, e adormeci.

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