Capítulo 2 – Veloz e Furioso
Eight cylinders all mine
Alright hold tight
I'm a highway star
Nobody gonna take my car
I'm gonna race it to the ground
Nobody gonna beat my car
It's gonna break the speed of sound
Oooh it's a killing machine
It's got everything
Like a driving power
Big fat tires and everything
(Highway Star
– Deep Purple)
Jamie
Fala. Sério.
Sabe o que um adolescente realmente precisa? Urg! Não é óbvio? De um cara
mais velho e todo... sei lá... do tipo que faz as meninas ficarem dando
risadinhas nervosas, fazendo a gente passar vergonha na frente da namorada.
— Droga, Jamie! Não solte a embreagem tão rápido, assim você vai afogar o
carro de novo.
Esse aí enchendo o meu saco é o Logan. Ele é tipo meu cunhado e é uma
Alma. Bom, tipo uma Alma, porque quem espalhou por aí que as Almas são gentis e
amáveis certamente não o conhecia.
— Agora você está acelerando demais entre as trocas de marcha. Está
forçando o carro.
E bem quando ele disse isso eu fiz alguma coisa muito errada e o carro
fez um barulho estranho, como se tivesse deixado umas cinco peças no meio da
estrada. Logan bufou, sem conseguir disfarçar a raiva. Uma coisa em que Jamie
Stryder é especialista é em saber quando está encrencado. E, convenhamos, não
precisa muita esperteza para saber a hora em que a coisa ficou preta quando se
trata de um cara que chama seus carros de “bebês”. Deve ser quando um deles
“chora”, no mínimo. Tipo agora.
Oh, caramba!
— Pare o carro, Jamie. Isso não está dando certo — disse ele naquele seu
tom calmo que eu sei muito bem o que quer dizer: Corra para as montanhas enquanto o Bruce Banner aqui contém o Hulk!
— Ah, cara...
Por favor, por favor, não me faça
passar a vergonha de ter que ir para o banco do passageiro!
— Pare o carro, Jamie.
Tudo bem, agora eu me f...
Parei o carro no acostamento e olhei pelo retrovisor, para Kate e tio Jeb
que estavam conosco. Que ótima ideia fazer isso pela primeira vez com eles dois
no banco de trás! Mas Kate queria ir até o esconderijo de Nate para rever os
amigos, e o espertão aqui tinha que tentar impressioná-la dando uma carona em
grande estilo. E, claro, para que merda pouca se o tio Jeb podia fazer questão
de ir junto? Parabéns para mim. Será que seria demais esperar que esse azar
todo me desse uma folga e eles estivessem... sei lá! Tipo, não prestando
atenção em nada disso?
Aham! Porque a especialidade do
mundo é ser justo comigo!
Logan continuava ficando verde por segundo, enquanto tio Jeb segurava uma
risada e Kate me olhava com aquela cara assustada de quem já está vendo a
bronca chegar (porque, claro, também não era fácil ser a única adolescente na
célula de Nate e Kate era tão especialista em detectar encrenca quanto eu. Não
que a cara de meu adorável cunhadinho deixasse muito espaço para dúvida).
— Isso tudo é culpa sua, se quer saber — explodi. Se ele ia me fazer
passar vergonha, pelo menos eu ia dizer umas verdades antes. — Primeiro ficou
me enrolando pra me ensinar a dirigir, depois só me ensinou a dirigir com câmbio
automático. Tudo porque não queria que eu chegasse perto do seu Mustang
queridinho.
— Jamie, quer parar de ser melodramático! Eu até já deixei você dirigir o
Porsche! Só achei que você precisava ser mais experiente antes de experimentar
o câmbio manual...
— Besteira! Você já deixou um monte de gente dirigir o Porsche. — Só para convencê-los a manter aquele carro
chamativo! — Não quer dizer nada. Agora, esse aqui todo mundo sabe que é
seu preferido e que você só deixa a Estrela e o tio Jeb colocarem a mão nele.
— Bem, ele está na sua mão agora, não está?
— Ah, sim. Depois de eu ficar um ano implorando e de ter que pedir para
Estrela convencer você.
Estrela é minha irmã. Quer dizer, adotiva, né? Porque a gente meio que
combinou que seríamos irmãos e tal. Logan é completamente apaixonado por ela,
então quando alguém quer conseguir alguma coisa dele só precisa convencê-la a
ajudar.
— É. Tem isso também — ele disse, com um sorrisinho tonto nascendo na
cara enquanto ele se virava para a janela do carro, encarando o horizonte.
E é em horas assim que eu me pergunto se realmente vale a pena conseguir
a ajuda dela. Porque depois eu tenho que ficar aguentando o Logan com cara de
babaca sorrindo pelos cantos, pensando no que quer que ela tenha feito para
fazer a cabeça dele. Eca!
Só não comecei a vomitar ali mesmo porque eu sabia que, na verdade, não
precisava nada demais para deixar Logan com aquela cara de besta quando se
tratava de Estrela. Ele estava sempre babando por qualquer coisa que ela dizia
ou fazia.
Tio Jeb costuma dizer que Logan acha que Estrela é a melhor coisa depois
do pão de forma. Para falar a verdade, eu nunca entendi bem essa expressão,
porque nem acho pão de forma lá essas coisas, mas apesar do tio Jeb ter uns
ditados esquisitos, ele sempre tem razão.
— Então? Vai confessar que não queria me deixar dirigir seu carro?
Logan revirou os olhos. Ele não fazia muito isso, mas às vezes quando eu
o irritava ele tinha essa reação. E, bem, não que eu fizesse de propósito, mas
era bem legal vê-lo irritadinho, o que era, na verdade, algo muito fácil de se
conseguir.
Era engraçado o efeito, porque irritação não era algo típico das Almas,
até onde eu sabia. Não que houvesse alguma coisa realmente normal em Logan,
porque ele era um esquisito, mas ainda assim...
Acho que sei bastante sobre Almas, porque conheço várias delas. Quer
dizer, dos humanos que restaram, não acho que haja por aí outro grupo com
tantos “aculturados” como o nosso. Minha prima Sharon costuma dizer quando está
brava (o que acontece quase sempre) que nossa casa é praticamente a Área 51,
porque nós moramos com quatro alienígenas e ainda temos a visita ocasional de
outro, o Cal. Todo mundo finge não achar graça no que ela diz, principalmente
se uma das Almas estiver por perto, mas meio que é verdade e a gente sabe
disso. Então é difícil não achar que sabemos bastante sobre eles.
Embora sejam diferentes entre si, as meninas têm algo em comum: elas são
doces, gentis e tolerantes, quase ao ponto de fazer a gente perder a paciência.
Se você quiser realmente irritar uma delas (caso você seja um cretino sem nada
o que fazer), vai ter que se esforçar muito. E mesmo assim... sei lá. Não me
lembro nunca de ter visto uma delas irritada. Ou Cal, que eu não conheço tão
bem assim, mas que tem sempre aquele jeito engraçado de quem exagerou no chá de
camomila.
E então, quando você começa a achar que é um expert em Almas, Logan vem e faz algo tão humano que faz você se
sentir um ET. Ele nunca admitiria isso. Aliás, acho que se alguém falasse, ele
ficaria irritado (hehe, não é irônico?), mas para um Buscador que até pouco
tempo atrás achava que os seres humanos eram uma praga, ele era parecido demais
com a gente.
Enquanto eu pensava nisso, ele respirou fundo, passou a mão aberta da
testa até o queixo e eu achei que agora seria a hora em que os portões do
inferno se abririam e tal. Então dei uma última olhada para Kate pelo
retrovisor, para lembrar a mim mesmo de manter um pouco de dignidade quando ele
começasse o sermão e Tio Jeb o apoiasse, mas aí ele me veio com essa:
— Eu não vou mentir para você, Jamie. Não gosto da ideia de você
dirigindo esse carro, mas isso tem mais a ver comigo e com o que ele significa
para mim do que com o fato de eu não confiar em você, porque eu confio. Afinal,
fui eu que ensinei você a dirigir e sei que você é atencioso e tem bons
reflexos.
Eu disse que ele podia ser legal. Ou não disse? Ok, eu não disse, mas
estou dizendo agora. Fiquei olhando para ele com aquela cara retorcida de quem
estava esperando um impacto que não veio. Aí senti uma pontada de remorso por
todas as vezes que eu tinha tentado tirá-lo de sério de propósito, só para
descontar minha frustração com um monte de coisas que nem tinham a ver com ele.
Às vezes eu agia desse jeito sem saber por quê.
— Bem, eu... Hã... Desculpe?
— Não tem do que se desculpar — disse ele, mudando rápido de assunto.
Outra coisa que eu tinha aprendido é que coisas como pedidos de desculpas o
deixavam sem graça. Mas eu entendia, também não eram bem o meu forte. — Que tal
começarmos de novo? Você tem que aprender a sentir o carro, ouvir o que ele tem
a dizer.
— Ouvir?
Cara! Eu espero que você saiba que
isso soa meio louco.
— Sim, ouvir. Ele vai dizer tudo o que você precisar. É só saber ouvir.
Agora ligue o carro e controle a embreagem como eu te ensinei.
Mas eu não entendo “carrês”, eu
queria dizer. Só que aí acabei achando que era melhor perder a piada e pagar
para ver. Então fiz o que ele mandou.
— Está sentindo o carro tremer sob seus pés?
— Sim.
— Pois encontre um ponto em que você não sinta. Se você segurar de mais
ou de menos, não vai controlá-lo adequadamente. — E aí, como esse carro maluco
parecia querer comprovar tudo o que ele dizia, acabou morrendo porque eu não
achei o maldito ponto. — Tente outra vez — disse Logan.
Eu tentei e dessa vez foi como ele disse.
— O que eu faço agora? O que eu faço agora? — gritei com o carro
controlado sob meus pés, sem saber por quanto tempo. Eu estava gostando daquilo
de conseguir controlar tudo. Era mais fácil do que simplesmente contar com a
sorte.
— Agora coloque a primeira marcha. Quando for tirar o pé do freio e
apertar o acelerador... De. Leve — ele frisou. — Vá soltando a embreagem.
— Uhul! — fiquei feliz quando funcionou, mas aí o carro começou a rosnar
para mim. — O que ele está dizendo agora?
— Está dizendo que precisa de uma troca de marchas. Você não pode
simplesmente continuar acelerando e esperar que o carro as troque por você.
Esse carro é diferente dos outros.
— Entendi — disse eu, depois de ir trocando as marchas conforme aumentava
a velocidade até encontrar a certa. — Você tem que merecer, não é?
— Merecer? — Perguntou Logan olhando para mim com uma cara confusa.
— É – expliquei. — Não é tão fácil lidar com ele como com os outros, mas
se você o entender ele colabora com você e aí vale a pena. É gostoso sentir que
estou no controle.
— Acho que você entendeu tudo — disse Tio Jeb, abrindo a boca pela
primeira vez desde que a crise do estacione-a-droga-do-carro começou. — Parece
que os Stryder têm um olho bom para o diferente — e então ele olhou para Logan
e deu uma risadinha pra mim pelo retrovisor, como se quisesse dizer alguma
coisa com isso. — As coisas mudam, mas no fundo continuam iguais. Às vezes o
que parece algo novo é só um jeito diferente de se responder a mesma pergunta.
— E às vezes você parece um velho maluco! — disse Logan, olhando para
trás e dando risada.
— Ora, moleque. Me respeite.
— “Moleque!” — disse Logan imitando o tom de voz de Tio Jeb. — Você é a
única pessoa que me chama assim, sabia? Isso porque todo mundo sabe que eu sou
milhares de anos mais velho que você!
— Não importa. Na minha casa eu sou o mais velho. São minhas regras.
— E o tempo cronológico que se dane?
— E não use essa expressão na frente das crianças!
— Não somos crianças! — protestamos eu e Kate ao mesmo tempo.
— Certo. Então não use essa expressão na frente da senhorita e do
“senhorito”.
— Desculpe, senhorita — Logan olhou para Kate para transmitir suas
desculpas e ela sorriu para ele e ficou vermelha depois.
Aparentemente, era difícil dizer: “tudo bem, Logan, eu te desculpo e posso
falar com você sem sentir vergonha, porque não é como se você fosse um rockstar nem nada.” Gah!
Kate era extremamente tímida com todo mundo, mas com Logan era pior. Isso
porque, segundo ela, ele era “tãããããão legal” que ela tinha medo de fazer
alguma coisa que a fizesse passar vergonha. Como respirar, por exemplo.
Garotas!
— Quanto ao “senhorito”, — disse Logan interrompendo minhas ideias, — está
prestando atenção demais na conversa e se esquecendo do carro. Está percebendo
que ele está mais lento, fazendo um barulho baixo e meio rouco? Diminua a
marcha.
— Okay — respondi meio mal-humorado, porque ver sua namorada toda
nervosinha por causa de outro cara pode ser bem irritante.
Não é que eu tivesse ciúmes nem nada, sabe? Eu não tenho exatamente uma
concorrência no que diz respeito a Kate. Sou a única pessoa da idade dela em
todas as células de sobreviventes que conhecemos. O resto ou é muito novo ou é
muito velho. O que não significa que eu gosto dela apenas por falta de opção. A
verdade é que minha namorada é uma gata com aqueles grandes olhos escuros e o
jeito de princesa. E ela é muito legal também.
Dá para ver pelo jeito como ela me trata que ela também me acha o máximo,
porque é mais ou menos do jeito que a Mel trata o Jared, como se ele soubesse
sair de qualquer enrascada e fosse o cara mais esperto do mundo. É bom ser
tratado assim, especialmente quando todo o resto te trata como criança. Ainda
assim, eu não gostava muito quando ela dizia que Logan era legal, mesmo que eu
também achasse, porque, fala sério, o cara era um ex-Buscador no corpo de um
policial e tal... Aliás, isso me dava uma ideia.
— Ei, Logan, quer me compensar por ter demorado tanto tempo para me
ensinar a dirigir esse carro?
— Hum, na verdade, não.
— Ah, para com isso. Você me deve uma. Escuta só, e se você me ensinasse
a atirar?
— Você já tentou essa, Jamie. E não deu certo da primeira vez. Você sabe
que suas irmãs me matariam.
— Na verdade, eu acho uma boa ideia — disse Tio Jeb.
— Quê!? — eu e Logan dissemos ao mesmo tempo, só que cada um de nós
estava surpreso por uma razão. Quer dizer, eu até sabia que Tio Jeb era a favor
de que eu soubesse atirar, mas não achei que ele diria isso a uma Alma, mesmo
que fosse o Esquisito.
— Por que não? Jamie já é um homem e precisa saber se defender.
— Se defender contra o quê? — perguntou Logan ficando verde de novo. —
Você não está sugerindo que eu ensine um garoto a matar outros de minha espécie,
não é? Por que se for, tem um milhão de razões porque isso é errado.
— É claro que não, mas você sabe melhor do que ninguém que outros Buscadores
não seriam exatamente acolhedores com humanos remanescentes e que qualquer
captura seria uma ameaça a todos nós. Já passou da hora de treinar o garoto
para nos ajudar a nos defender. E você é o único entre nós que tem a perícia
necessária para atirar sem matar. Jared e eu somos bons atiradores, mas você é
melhor. Você devia ensiná-lo.
— Por favoooooooor! — pedi. Claro que isso não advogava muito a minha
causa de já ser adulto e tal, mas não deu pra resistir.
— Deixe-me pensar sobre isso, ok?
— Ok — só que, por favoooooooor!
Pensando bem, eu nunca conseguiria convencê-lo sozinho. Vamos ser
sinceros, eu mal tinha conseguido que ele me ensinasse a dirigir! Só quando Jared
finalmente achou que era hora e começou ele mesmo a me ensinar, foi que Logan
decidir ajudar. Mas Tio Jeb sempre parecia saber a coisa certa a dizer para
convencê-lo das coisas, como se soubesse quais eram os botões certos a apertar.
Ou qual é o ponto certo da
embreagem, hehe.
Sorri da minha própria piada, mas guardei meus pensamentos para depois,
porque eu ainda precisava me concentrar muito na direção para não fazer
besteira. Apesar disso, eu estava gostando muito de dirigir aquele carro duro e
temperamental.
Logan me deixou dirigir por mais uns minutos, mas depois mandou que
trocássemos de lugar quando chegamos à estrada de terra esburacada que tínhamos
que percorrer para chegar até a casa de Nate. Eu não gostei nada da ideia, mas
fiquei na minha. Afinal, até eu sei quando demais é demais, e esperar que ele
aceitasse que eu levasse seu “bebê” pela estrada esburacada era o limite. Além
disso, eu já tinha reparado que ele gostava de pensar nos acontecimentos do dia
e nas nossas conversas enquanto dirigia. Estrela dizia que era porque ele
gostava de se sentir no controle das coisas ao redor dele e agora eu entendia
como isso funcionava.
Então eu o deixei pensar e fiquei pensando também, enquanto estava no
banco do passageiro. Fiquei lembrando do que Tio Jeb falou sobre como as coisas
podem parecer diferentes, mas no fundo são iguais.
Logan era diferente de nós, pertencia a outra espécie, a outro planeta.
Mas, no fim, entendê-lo era só uma questão de observar com atenção. Aí a gente
descobre que não somos tão diferentes assim, afinal. É como os carros, sabe? E
eu acho que foi isso que meu tio quis dizer.
Os carros automáticos e modernos são fáceis de lidar, a gente sabe
certinho o que fazer e o que esperar deles. São legais e tudo, mas se sair bem
com eles não é exatamente um desafio. Peg, Sunny e Estrela, por exemplo, eram
carros modernos. Mas Logan era como esse carro antigo, bacana e complicado. Por
mais difícil que parecesse e por mais que você pudesse se sentir meio
intimidado diante dele, você só precisava ouvir com mais cuidado.
Como esse velho Mustang, você tinha que merecê-lo. E era bem legal
tentar.
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