Capítulo 31
Sobre as Coisas Como São e as Coisas que Decidimos Ser
On a stormy sea of moving emotion
Tossed about like a ship on the ocean
I set a course for winds of fortune
But I hear the voices say
Carry on, my wayward son
There'll be peace when you are done
Lay your weary head to rest
Don't you cry no more (no!)
Jeb
—
Então, o que há de tão novo que Sharon e Doc ainda não tenham contado?
Logan olhou para mim como
se estivesse surpreso com o comentário. Fazia apenas um dia que ele e as
garotas tinham voltado de Nova Orleans, mas o primeiro encontro entre humanos e
Almas tinha sido há longínquos dois meses. Ficou combinado que haveria outros,
mas Logan, Estrela e Cal estiveram todo esse tempo fora articulando-se com outros
aliados e discutindo a viabilidade de algumas ideias que surgiram naquele dia,
antes de ampliar de vez o diálogo entre os dois lados. Sendo assim, era de se
imaginar que houvesse novidades, claro, mas não entendi porque ele tinha me
chamado em particular antes da tal reunião que anunciara com todos para esta
tarde.
— Vocês têm falado bastante
sobre isso, imagino — comentou sem muito entusiasmo, como se seus pensamentos
fossem outros, tanto que comecei a desconfiar que houvesse mesmo algo mais em
seus motivos.
— O quê? Vai dizer que
você não desconfiava que todas as conversas do último bimestre fossem sobre
isso? Diabos, pois se até Jared conheceu David e Flora e voltou cheio de
histórias otimistas, mesmo que tivesse saído daqui preparado para uma guerra,
se fosse preciso. E essa reunião agora... Parece que tem alguma novidade
importante, certo? Ou... é alguma outra coisa?
—
Não é exatamente sobre as negociações de paz que eu queria falar com você. É
sobre uma coisa que eu fiz.
Logan fez
uma espécie de careta e despenteou o cabelo, nervoso. Tentei imaginar o que
poderia ser e, pelos sintomas, não gostei nada do prognóstico.
— Quer dizer — ele continuou —, de certa forma tem a ver com a
harmonia que desejamos entre humanos e Almas, então também vou contar aos
outros, mas é que diz mais respeito a você do que a qualquer outra pessoa. Por
isso achei que devíamos vir até aqui antes de eu ter que dizer para todo mundo.
Estávamos
fora de casa, naquele rochedo onde Logan passou a primeira noite no deserto
quando chegou com Estrela. Não era novidade que viéssemos aqui de vez em
quando, pois ele se sentia estranhamente confortável neste lugar empoeirado. O
que também significava que quando o assunto era sério e particular, geralmente esta
era sua primeira opção.
Por isso eu já tinha
adivinhado que não se tratava de um passeio para jogar conversa fora, mas de
algum jeito, até agora, eu tinha estado tranquilo quanto ao que poderia surgir,
já que os assuntos difíceis estavam em suspenso desde a partida para Nova Orleans.
Então eu vinha me permitindo apenas saborear o alívio do retorno deles. Não só
de forma descompromissada, mas ingênua também, pelo jeito, porque estava
parecendo que minha alegria simples duraria pouco. Pela cara dele, essa
constatação ficava mais óbvia para mim a cada segundo.
De repente, meu bom humor
se evaporou.
—
Sei. Diz respeito a mim e vai me deixar puto, não é? Já deu para perceber —
arrisquei.
—
Sinto muito. Queria que tivesse um jeito mais fácil de dar a notícia. É sobre
seu... — Logan abaixou os olhos por um momento e depois voltou a me fitar,
expirando. —É sobre Logan Smith.
Minha
mente clareou como o céu quando uma nuvem destapa o sol. E, deixe-me dizer,
falando assim parece uma coisa boa, mas não foi.
—
Diabos, moleque! O que foi que você fez? — perguntei, mas eu já sabia. Só
existia uma notícia que ele poderia me dar nessas circunstâncias. E só havia
uma coisa que ele poderia ter feito para ter certeza. Justamente o que eu tinha
tentado impedir com toda minha enrolação. — Você não tem juízo?
Mas que merda!
—
Eu precisava me certificar. Juro que tentei o máximo que pude. Estrela e Cal passaram
muito tempo conversando com ele, usando as memórias que eu já tinha e tentando
reavivar outras. Mas ele não acordou. Já faz muito tempo.
Meu Deus.
É claro que ele não tinha acordado.
De certa forma, eu já sabia, por isso não queria que Logan passasse por essa
situação. Ao mesmo tempo, convencê-lo ao menos a adiar essas decisões ainda me
permitia estar ligado a um fio de esperança de que tudo poderia, incrivelmente,
dar certo e eu teria os dois. Mas isso era quando eu pensava apenas em mim.
Quando desconsiderava Logan, Estrela e Lindsay.
Quando pensava neles,
porém, ficava impossível fingir que não havia muita coisa em jogo. Inadmissível
ignorar o quanto Logan, diretamente, teria se prejudicado. Minha sorte poderia
ter sido sua ruína. E como diabos eu podia lidar com isso? Em outros tempos,
talvez não parecesse tão impossível. Mas agora, desde o início dessa história
toda, meu bom senso frio tinha ido pro brejo. Assim como o dele, aparentemente.
—
Idiota! — esbravejei. — Você não pensou, Logan? Lá em Nova Orleans... Sozinhos!
Vocês são Almas, nem sempre entendem como agem os humanos, muito menos os
desconhecidos! E se ele não fosse quem a gente espera? Se despertasse e
tentasse fazer mal a você dentro do criotanque? Se magoasse Estrela ou Lindsay
ou estivesse tão assustado que agredisse Cal? E se ele fugisse?
—
Logan Smith não é um estranho para mim, Jeb. Ele era uma boa pessoa, jamais
faria essas coisas — O Logan que eu conhecia me repreendeu, indignado. — Não
posso garantir que ele não ficaria assustado, mas nós estávamos preparados com
os medicamentos adequados para acalmá-lo se acontecesse. Além disso, depois da
primeira vez que tentamos, soubemos que ele não teria forças para fugir ou
brigar antes de Estrela ou Cal terem tempo de explicar a situação. Em todos os
despertares, o corpo precisou de algumas horas para se readaptar a uma condição
normal.
Eu
não sabia o que dizer. Parecia que a cada palavra a coisa ficava pior. Quando
eu me preocupava com o que podia ter acontecido com meu filho Alma,
desrespeitava a memória do meu filho humano. E quando me preocupava com o
humano, menosprezava o esforço da Alma. Mas o problema era que, de um jeito ou
de outro, eu estava furioso com os riscos assumidos.
—
Espera — De repente, caí em mim quando registrei de verdade as palavras. — Que
história é essa de “todos os despertares”? Quantas vezes você fez isso?
“Quantas
vezes se arriscou por mim?”, eu queria perguntar, mas se Logan achasse que eu
me sentia culpado, seria bem capaz de minimizar a verdade. Mas eu conhecia
esses “despertares”. Já tinha passado por um e, mesmo que as circunstâncias
fossem bem diferentes, sabia o quanto uma única vez podia ser difícil. Então o
que dizer de várias?
—
Eu... — ele hesitou, procurando inutilmente uma maneira de desconversar. — Nós
resolvemos que seria mais seguro para o corpo se ele não ficasse vazio mais do que quatro ou cinco dias
de cada vez. Então eu era inserido de volta para me fortalecer e passar um
tempo com Lindsay, tentar que ela sentisse um pouco menos minha ausência e não
percebesse nada de muito estranho.
—
Quantas vezes, Logan?
—
Cinco — ele respondeu, por fim, a boca numa linha reta.
Cinco
vezes. De vinte a vinte e cinco dias desacordado no total. Longe de Estrela e
enganando a filha. Enfraquecendo-se mais a cada tentativa. Arriscando-se a
perder a vida como a conhecia. Tudo por causa de uma suspeita estúpida que não
pude guardar para mim.
—
Idiota — xinguei de novo, mas desta vez o puxei para meus braços.
Era a primeira vez que eu
o abraçava. A primeira vez que aceitava me entregar a alguma coisa que não
podia controlar. Quer dizer, a segunda. A primeira vez de verdade foi com Norah
e por causa disso a segunda vez parecia tão significativa. Porque este rapaz
podia ser meu filho com ela. E era no que eu mais queria acreditar.
Senti quando Logan
retribuiu o gesto de forma insegura, logo depois aferrando-se ao abraço da
mesma forma que eu. E então eu entendi. Ou melhor, admiti.
Admiti que não importava
se ele tivesse nascido de Norah ou em uma estrela distante que eu só podia
imaginar. Não importava se eu fosse seu pai de verdade ou se o destino tivesse
nos juntado de forma absolutamente aleatória. Aquele era meu filho.
— Meu filho — murmurei.
— Desculpe, eu juro que
tentei. Mas ele não vai voltar. Desculpe — ele respondeu com a voz alquebrada.
Isso fez com que as
malditas lágrimas que ardiam em meus olhos, por fim, vencessem minha
resistência e começassem a me escapar. Logan achava que tinha culpa por meu
luto pelo filho que não conheci. Não era verdade e eu sabia que precisava fazê-lo
entender que não havia culpa alguma.
Só não tinha forças
naquele momento.
Porque ao mesmo tempo em que
eu me despedia de um filho, sabendo que tudo o que jamais teria dele seriam
memórias, recebia o outro em meus braços como se, de certa forma, ele tivesse
nascido para mim naquele dia.
Mas não tinha, certo?
Logan sempre havia sido meu garoto. Meu garoto milenar. O único capaz de me
amar como pai, antes mesmo que eu tivesse a chance de qualquer ato que fizesse
jus a esse papel. Aquele que tinha salvado minha vida e arriscado a própria em
meu nome. E que o faria de novo e de novo se precisasse, a despeito de minhas
objeções.
—
Você não tinha que ter feito isso — falei, as palavras abafadas em seu ombro. —
Eu jamais te pediria que colocasse tudo a perder.
—
Eu sei. Por isso mesmo tive que fazer escondido. Porque você não pediria, mas
precisava ser feito.
—
Idiota — repeti outra vez e ouvi sua risada baixa.
—
É, você já disse isso.
Fiquei esperando que ele
se afastasse de mim, mas não aconteceu. Logan simplesmente ficou ali, se
deixando abraçar, permitindo que eu vivesse aquele reconhecimento tardio de que
meu coração podia bater no peito de outra pessoa.
Um filho.
Meu Deus.
Alguém que fazia por mim
o que Logan tinha feito era um filho escolhido pela vida. O resto, a verdade,
qualquer que fosse, não importava mais.
Acho que um minuto
inteiro se passou antes que ele dissesse qualquer outra coisa, e eu apenas
esperei.
— Sinto muito mesmo. —
Foram suas próximas palavras.
—
Você não tem que sentir. — Finalmente me afastei para poder olhá-lo nos olhos.
— Nunca vou esquecer o que você fez. Você estava jogando com sua vida, Logan.
—
Não é assim. Eu não morreria, você sabe.
—
Não diminua seu sacrifício. Ou o de Estrela. — Observei-o se encolher
envergonhado, como já sabia que aconteceria quando eu a mencionasse. Logan
odiava ver Estrela sofrer. O que só me fazia enxergar com mais clareza a
dimensão do que ele tinha feito por mim e pelo Logan humano. — Se você impôs
isso a ela e a si mesmo, se arriscou tudo o que podia acarretar para Lindsay, foi
porque deu uma importância aos meus sentimentos que ninguém nunca havia dado. Mais
do que eu mereço. E eu sei que você não morreria, mas teria que recomeçar toda
sua vida com outro corpo e outra história.
Parei um pouco, tentando
imaginar como seria e percebi que mal podia conceber a possibilidade, apesar de
tudo. Mesmo assim, não tive dúvidas de que ele podia.
— Você conseguiria, porque é um moleque
ardiloso — continuei, orgulhoso, então me arrisquei a tocar seu rosto num gesto
de carinho meio brusco e desajeitado. Era difícil controlar a vontade de
tratá-lo como criança, mas ele era um homem feito e eu apenas não sabia como
agir. — Você conseguiria, mas só Deus sabe o que isso poderia te custar. — Ele
balançou a cabeça e sorriu, minimizando as coisas outra vez, teimoso como um
bom Stryder. Mas eu não poderia estar falando mais sério. Não era só o meu
futuro e o dele que estavam em jogo. Nem sequer o das pessoas diretamente
envolvidas, como Lindsay e Estrela. Havia muito mais. — Diabos, o que seus
amigos Almas pensariam quando soubessem?
—
Estrela teria escolhido alguma Alma com poucos laços na Terra, nenhum familiar.
E nós o mandaríamos para um bom lugar. Meus amigos não entenderiam no começo,
mas no fim não haveria o que pudessem fazer a respeito. De qualquer jeito, jamais
voltariam atrás na palavra dada aos humanos. Muito menos por algo que eu fizesse
— garantiu,
parecendo muito certo disso. — Eles já estão envolvidos e não mudarão de ideia. Além do mais, uma vez
que a questão já está sob os olhares dos representantes, não há como fingir que
não existe. Por isso sei que não precisam mais de mim agora. A luta se tornou
maior do que eu ou qualquer um de nós.
Foi
minha vez de balançar a cabeça em descrença.
—
Você sempre acha que tem jeito para tudo. E de certa forma eu admiro esta consciência
de que o mundo existe além das coisas que você pode fazer. É preciso humildade
nesta vida. Mas não agora, Logan. Neste momento, deixe-me apenas agradecer
pelas coisas que você tem feito. Por todos nós.
Ele
sorriu daquele jeito que não lhe chegava aos olhos, depois se virou para olhar
a paisagem. Sentei-me à sombra das rochas, como fizemos no primeiro dia, e
esperei outra vez. Depois de alguns instantes, ele veio se sentar ao meu lado.
—
Você acha que eu fiz uma coisa boa, e todos me dizem que não devo sentir culpa
por não ter dado certo, mas quando me permito sentir alívio por Logan Smith não
ter acordado, eu me sinto traindo o primeiro ser que amei em minha existência.
E isso é bem pior. Eu não convivi com ele, não dividimos mente e corpo como
Peregrina e Melanie, mas eu o admirei e compreendi. Por isso é tão difícil
conviver com o fato de que ele não teve chance de ser feliz como eu sou. Você é
o melhor homem que conheci e ele merecia tê-lo tido como pai. Por isso peço
desculpas, Jeb. Se ele for realmente seu filho, eu falhei com vocês
simplesmente por estar aqui.
Um
pequeno cilindro fino e prateado apareceu quando Logan estendeu a mão diante de
mim, oferecendo-me o objeto. A expressão no rosto dele fazia minhas entranhas
se enrolarem em um nó aflitivo, porque tinha que haver um jeito de eu poupar ao
menos um dos meus filhos de continuarem a sofrer, mas naquele instante não
parecia nada claro como raios eu conseguiria.
—
O que é isso? — perguntei, engolindo minha fraqueza e tentando parecer firme.
—
Um teste de paternidade. — Logan retirou uma tampinha de uma das extremidades
da peça que parecia uma caneta e a esfregou na mucosa da própria boca. — Você
faz o mesmo agora do outro lado e teremos certeza. O resultado aparece no corpo
do cilindro dentro de alguns segundos.
Segurei
o objeto em minhas mãos e o observei. Apesar da aparência extravagante de metal
cromado que as Almas davam a todos os seus badulaques, parecia até uma coisa
banal diante do que representava. Tão miraculoso em sua simplicidade quanto um
termômetro de mercúrio que aponta uma febre com precisão. Da mesma forma, a
resposta que precisávamos estava ali ao meu alcance, dentro de poucos instantes
eu saberia.
Tão
simples.
Por
um momento, fiquei tentado a acabar logo com aquilo e descobrir a verdade, mas
então pensei...
“E depois?”
O que é que existe depois
da verdade? Como é que se lida com ela, caso seja diferente da que já está no
coração? E assim eu soube o porquê estive adiando tanto aquele momento. O fato
é que eu não estava preparado para ele e agora, principalmente, sabia que
jamais estaria.
— Se Norah tiver mesmo me
escondido um filho — expliquei —, não há nada que possa ser feito para remediar
o que isso causou a todos nós. — Recolhi a tampa na mão dele e a coloquei-a de volta no cilindro. — Esse sofrimento é minha carga e é
justo que assim seja, porque Logan Smith merece um pai que fique de luto por
ele. Ninguém mais além de mim pode fazer isso. E quanto a você, não acho que
haja outro mais disposto que eu a ser o pai que você também merece ter. Então,
de qualquer jeito...
— Não estou entendendo.
Você não quer saber?
— Essa resposta não me
interessa mais. Eu já tenho a minha — disse, devolvendo o teste a Logan. — Faça
o que quiser com isso, porque eu não vou babar aí. Agradeço a intenção, mas já
está decidido.
— Jeb...
— Preste atenção, garoto.
Você é meu filho em meu coração, está bem? E depois de tudo, sinto como se
Logan Smith também fosse. Vou honrá-lo através do amor que posso dar a você. Um
exame não vai mudar isso. Saber se a resposta é positiva ou negativa, também
não. Então vou fazer o que sempre fiz e seguir meus instintos. Eles dizem que sou
seu pai e fim.
— Mas mesmo que ele fosse
seu filho, Jeb. Eu não sou...
Espalmei a mão diante
dele, num gesto que pedia que se calasse. Eu sabia muito bem o que ele iria dizer,
mas não estava mais disposto a ouvir.
— Me faça um favor, nunca
mais diga que não é meu filho. Não gostei quando você disse a primeira vez e
não quero escutar de novo. Talvez Logan Smith fosse meu filho biológico, talvez
não. Nessas alturas, já lamentei tudo o que tinha que lamentar por ele não ter
tido um pai, mesmo que não fosse eu. Mas essa parte da história não pode ser
reescrita.
— Eu sei disso. Só não
consigo evitar o pensamento de que se não fosse por mim, vocês teriam uma
chance.
— Se não fosse por você,
seria outra Alma e nós nem estaríamos aqui, porque ninguém abraçaria as
memórias dele como você abraçou. Ninguém faria o que fez e você sabe disso! Ora
essa, Logan, eu nem deveria precisar te dizer!
Procurei
encará-lo da forma mais incisiva que pude, mas provavelmente só pareci um tolo
implorando compreensão. A verdade era que eu estava diferente agora. Tudo
estava. E não era como se fosse fácil para mim ser essa nova pessoa. Mesmo
assim, precisava me esforçar e tentar entender o que ele sentia, porque isso
era mais importante. Eu simplesmente não podia deixá-lo seguir pelo caminho em
que estava indo.
— Nós somos
homens práticos, filho. Sempre fomos. E se você pensar um pouco, vai chegar à
mesma conclusão que eu. De que culpa é um sentimento improdutivo, porque não
muda nada. Eu desisti dela nos últimos tempos. Desisti de me culpar e de
procurar culpados. Você precisa fazer o mesmo e entender que sou incapaz de ver
sua existência como a causa do que perdi. Eu sei que vocês Almas têm essa mania de se martirizar, mas
você é esperto o bastante para saber que meu filho não estaria aqui comigo se
você não existisse. Ele nunca esteve na minha vida e nem estaria agora, porque
não foi sua chegada que nos separou. Muito pelo contrário. Você foi a forma de
o universo nos dar
outra chance.
Eu sabia que estava
parecendo uma dessas pessoas que atribuem tudo ao destino, mas não pude evitar.
As palavras me saíam estranhas e insuficientes, contudo eu tinha que dizê-las.
Porque não era como se eu acreditasse de verdade que certas coisas estavam
escritas, mas na sinuca da vida, algo tinha simplesmente feito com que a tacada
certa fosse dada. Este velho jogador displicente não tinha mais nenhuma dúvida
quanto a isso.
— Acho que
Peg tinha razão quando disse que me culpar por tudo era minha maneira de ter
algum controle sobre o incontrolável — ele lembrou e eu concordei. A pequena
Peg não era uma moça de muitas palavras, mas sempre estava certa em cada uma
delas. — Talvez seja meu jeito de processar as coisas, embora não seja lá muito
inteligente.
— É seu modus operandi[1].
E, não, não é muito esperto mesmo, mas quem sou eu pra julgar? Depois de
meses remoendo a dúvida, estou pedindo para você jogar a resposta definitiva
fora. Quem seria capaz de achar isso são?
Logan balançou a cabeça
sorrindo, depois coçou a nuca como se estivesse tentando compreender algo
complicado.
—Eu acho
que entendo por que você não quer arriscar uma resposta negativa — disse. — Por
esse mesmo motivo me recusei a deixar a memória dele para trás. Porque nós
somos os únicos que pensamos em Logan Smith e ele era alguém que mereceria ser
lembrado. — O sorriso melancólico que tinha surgido de repente começou a se
desmanchar devagar, e eu soube que estávamos fora da estrada outra vez. — Mas
onde é que isso nos deixa, Jeb? Porque você está projetando algo em mim e não
sei se posso lidar com isso. Eu não sou Logan Smith.
Jesus, Maria, José. Ele não quer mesmo entender, não é?
Francamente, a essas
alturas, eu já conhecia e quase podia prever as reações típicas de Logan. E, na
minha experiência, não podia haver nada mais típico do que ele me irritar até
quando o momento era carregado de todas as outras emoções cruas que uma
conversa dessas podia trazer. Mas a coisa toda era que, felizmente, eu conseguia
ser um pouco melhor do que isso e não ia me deixar levar pela reação mais
simplória dentre todas. Não mais. Menos ainda neste momento.
— Não acho
que... — começou, mas o interrompi e tomei a palavra, me munindo de toda
paciência que ele merecia.
— Você se
lembra da nossa primeira conversa sobre Logan Smith?
— Na viagem
para Tucson — assentiu —, quando fomos buscar os remédios para Estrela.
—
Exatamente. Eu tinha dito a mim mesmo que preferia nascer de novo como um ganso
antes de confiar em um Buscador nervosinho, mas horas depois eu estava lá
naquele carro com você.
— Aquela
história de Velho Ganso... — Ele soltou uma risada fraca, como se ressoasse
mais no tempo passado do que no espaço presente. — Então era por isso os
apelidos.
— Sim, era
por isso. Uma bobagem, mas me ajudava a lembrar por que foi que decidi confiar.
Em essência, no começo, foi por causa de Peg, eu acho. Porque ela me fez
entender que Almas eram verdadeiras e vi essa verdade em você, no seu desespero
por salvar Estrela e John. Mas depois, durante aquela conversa, eu entendi por que
tinha feito a escolha certa. Você me disse que se importava com seu hospedeiro,
que tinha aprendido a conhecê-lo e a compreender quem ele era. Achava que havia
coisas em você, reações, sentimentos, percepções, que só existiam por causa
dele, da personalidade à qual você acreditava que tinha se moldado.
— E você
entendeu e me disse uma coisa que nunca vou esquecer. Você falou que ele não
tinha desistido do próprio corpo, mas me aceitado como a parte que faltava. Que
éramos um só — Logan completou com os olhos marejados.
— Para mim,
sempre foram. Tudo o que eu conheço daquele Logan aprendi a amar em você.
Porque naquele dia eu percebi que você era uma Alma boa como Peg e Sunny, mas
era também um homem bom, com bons sentimentos humanos. Você é as duas coisas,
Logan, como tem demonstrado sem nenhuma dúvida desde então. E essa, meu filho,
é a nossa história. Não tem a ver com
o que Norah fez, nem com como as coisas poderiam ter sido sem você na equação.
Tem a ver com como as coisas são. Eu aceito isso, você precisa aceitar também.
Logan não reagiu. Seus
punhos estavam fechados e os olhos vermelhos foram ficando mais verdes também,
como sempre acontecia quando ele lutava com as coisas dentro de si.
— Escute
bem, Logan, se não está entendendo, então vou ter que falar com todas as letras.
Eu sei que você não é Logan Smith e eu não espero que seja, porque você é mais
do que isso, é uma junção dos dois, e foi esse ser que eu aprendi a amar. Todas
as vezes em que imaginei um filho, ele era exatamente como você. Soube disso no
dia em que nos conhecemos e nunca, nunca pensei diferente. Naquele dia, não
havia uma droga de razão para que nós confiássemos um no outro, mas você me
entregou Estrela e eu a minha casa. E então você provou que eu estava certo e
salvou minha vida, se arriscou por mim, foi meu melhor amigo quando eu não
esperava nada.
“Em todos
os meses em que esteve fora, não houve um único dia em que eu não pensasse em
como você faria as coisas se estivesse aqui. Não houve um único momento em que
eu não sentisse sua falta e me preocupasse. Então de novo te digo que essa é nossa história. De como já somos uma
família na prática. Deixe que seja nosso futuro também. Permita que a gente
possa dar um nome ao que já sentimos, porque eu sei que você me ama como pai
tanto quanto eu te amo como filho.
Ele continuou na mesma
postura de antes, parecendo pequeno como a estátua de um menino. Mas sua
expressão vacilou, indicando que eu tinha acertado o alvo.
— Me diga,
filho, se não é o mesmo que você quer? — insisti.
Não houve
uma resposta imediata e compreendi que talvez ela demorasse um pouco a chegar, ao menos da forma definitiva e
inequívoca que eu gostaria que fosse, mas eu esperaria quanto tempo precisasse
esperar.
Observei
quando a primeira lágrima arduamente contida traçou seu caminho por seu rosto
e, muito lentamente, de um jeito que parecia quase como se fosse apenas minha
imaginação, vi quando ele assentiu.
Passei
meus braços por seus ombros e a cabeça dele pendeu em meu peito. Afaguei seus
cabelos como se ele fosse uma criança e senti o que teste algum poderia me dar
ou tirar.
Estava feito. Logan era
meu filho porque tínhamos escolhido assim. A vida tinha nos dado aquilo e, no
que dependesse de mim, eu não desperdiçaria o presente com lamúrias sobre o que
poderia ter sido.
Ficamos daquele jeito por
muito tempo, em um silêncio de paz.
Havia muita coisa a
dizer, provavelmente. Mas não me importava. A única coisa que eu
verdadeiramente precisava naquele momento e nos próximos estava ali em meu
abraço.
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