quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

AQ - Capítulo 2

Qual a coisa mais importante que há no mundo?

Alguns responderiam que é a vida. Outros, que é o amor.

Quanto a mim... não estou certa do que responderia, mas confesso que me sinto muito tentada a ficar com a segunda opção, no entanto, sinto-me um pouco receosa, porque desde que era apenas uma garotinha, aprendi que só podemos opinar a respeito daquilo que conhecemos, e apesar de ser completamente fascinada por belos romances, eu não tinha nenhuma experiência plausível a respeito desse assunto. O amor era uma incógnita para mim. Algo que eu jamais havia recebido de alguém, que jamais havia experimentado. Mas se houvesse algo bom a ser considerado nisso tudo, eu poderia ao menos dizer que é possível viver sem amor.

Sei que pode parecer exagerado, mas não é. No entanto, é o tipo de coisa que só se pode acreditar a partir do momento em que você toma consciência dos fatos.

Sou Victória Rimes. Minha mãe biológica tinha apenas quinze anos quando me concebeu e, acabou falecendo durante o parto. Minha avó me repudiou por isso, e acabou me levando para um orfanato. Seu filho mais velho, Frederick, recém casado naquela época, descobriu o que ela havia feito três meses depois, e me tirou do orfanato. Ele e a esposa passaram a criar-me como filha, indo contra a vontade da minha avó e, de certa forma, contrariando sua esposa, Ana.

Meu pai adotivo me batizou com o nome que minha mãe adotiva escolhera para quando eles tivessem uma filha, e acho que foi mais ou menos aí que Ana passou a me odiar. Minha mãe adotiva queria ter seus próprios filhos, mas minha chegada dificultou um pouco as coisas. Frederick não conseguiria manter duas crianças e uma esposa, e ao explicar isso a Ana, ela foi em busca de um emprego.

Eu tinha quatro anos de idade quando ela saiu de casa com todas as suas coisas guardadas em malas. Estava chovendo e a noite era fria. Eu abraçava Ted, meu ursinho de pelúcia, com todas as minhas forças, e estava assustada porque minha mãe e meu pai estavam gritando um com o outro. Vi uma lágrima escorrer pelo rosto do meu pai enquanto ele olhava tristemente para o rosto da minha mãe. Ela apontou para mim e gritou alguns palavrões que eu não entendi na época, junto com palavras como bastarda, estorvo e enfadonho.

Ela colocou as malas em um táxi e voltou para deixar um molho de chaves sobre a mesinha de centro. Ao passar por mim, ela não se despediu como eu achei que faria, e eu saí correndo pela chuva atrás dela.

― Mamãããe! ― eu chamei sentindo meus olhos arderem. ― Onde a senhora está indo?

― Eu vou embora, Victória ― ela me disse sob o guarda-chuva preto que a protegia da chuva impetuosa.

― E o papai e eu iremos ficar aqui?... Sozinhos? ― eu inquiri agarrando-me ao ursinho.

Ela caminhou até mim, agachando-se até que nossos olhos estivessem na mesma altura.

― Um dia você vai entender que essa situação é ridícula, e vai me dar razão... Eu não vou mais voltar, então cuide bem do seu pai.

― Não vá embora, mamãe ― eu implorei passando os bracinhos pequenos e molhados ao redor de seu pescoço. ― Eu te amo tanto... por favor, fique comigo...

Em resposta, ela retirou os meus braços de seu pescoço, e olhou diretamente em meus olhos. Minhas lágrimas misturadas às gotas de chuva, lavando meu rosto.

― Eu não sou sua mãe, Victória... ― ela falou lívida. ― Eu nunca quis ser sua mãe... quero ter meus próprios filhos... minha própria família! E você não pode ser parte dela, porque nós não temos o mesmo sangue.

Ana se levantou e caminhou até o táxi, deixando-me ali, com o pijama completamente ensopado pela chuva, chorando até que minhas lágrimas secassem e eu já não tivesse mais forças.

Eu esperei por ela. Esperei que ela se arrependesse e voltasse para nossa casa, mas aquela foi a última vez que a vi.

Daquele dia em diante, a minha vida e a do meu pai não foi mais a mesma. Ele bebia todas as noites e ia trabalhar de ressaca, até o dia em que sofreu um grave acidente e teve que se aposentar. Isso não foi muito tempo depois de minha mãe ter ido embora e, apesar de ela nunca ter sido muito afetuosa comigo, eu sentia falta dela. Sentia falta do som de sua risada ecoando pela casa, enquanto papai e ela faziam planos para a chegada de filhos.

Eles falavam em ter seu primeiro filho, e isso me machucava, mas nunca disse nada a nenhum dos dois. Eu os amava, e só queria que fossem felizes.

Não entendia o porquê de minha mãe ter ido embora, e fazia planos para quando ela fosse voltar.

― Ana não vai voltar, Victória ― meu pai me advertiu certa noite, quando lhe perguntei quando mamãe voltaria.

Ainda sentada à mesa, eu mexi meu cereal dentro da tigela, cansada de comer apenas aquilo desde que mamãe se fora.

― Sinto saudades ― murmurei. ― Queria que ela voltasse e preparasse batatas fritas para o jantar.

― Coma seu cereal sem reclamar ― papai disse levando uma colher cheia à boca.

― Por que nós não vamos buscar a mamãe, papai? ― insisti. ― Vamos dizer a ela que sentimos falta de quando ela estava aqui...

― Cale a boca, Victória ― ele disse ainda mais impaciente. ― Eu já disse que ela não vai voltar, e pare de falar como se ela fosse sua mãe e gostasse de você! Sua mãe está morta, e Ana a despreza... foi por isso que ela foi embora... porque se cansou de todo esse teatro!

Meus olhos encheram-se de lágrimas, e eu comecei a chorar, como vinha fazendo nos três últimos meses, desde que restamos apenas papai e eu em nossa casa.

― Engula esse choro e coma logo esse cereal, Victória ― papai ordenou, mas eu não consegui conter as lágrimas. Continuei chorando alto e, à medida que a irritação de meu pai crescia, ele gritava para que eu estancasse as lágrimas.

Mas eu não consegui obedecê-lo.

Ele segurou meu braço estreito e me puxou escada acima, levando-me para meu quarto. Desabotoou seu cinto e puxou-o pelo cós da calça. Senti apenas quando ele desceu sobre mim, repetidas vezes. Em minhas costas, braços, pernas, e até mesmo em meu rosto. A dor era lancinante, fazia-me chorar.

― Você está surda, Victória? ― ele berrava para mim. ― Eu disse para parar de chorar!

Soluços balançavam meu corpo violentamente, enquanto ele continuava a me bater. Eu podia ver a ira brilhando em seus olhos, fazendo os músculos de seus braços se contraírem e arremessarem o cinto contra mim, até que ficasse banhada pelo meu sangue, que saía de todas as partes de mim. Senti-me tonta, fraca, e um nó se formou em minha garganta, prendendo meu choro, fazendo apenas que as lágrimas escorressem pelo meu rosto e pelo meu colo, até que ele se cansasse e parasse com os golpes.

Papai foi embora, e eu permaneci deitada no chão frio, sentindo as lágrimas escorrerem por um rosto lívido, até que a inconsciência me levasse para um lugar onde a dor não podia me alcançar.

Ainda não sei como posso me lembrar de tudo o que vivi, porque tinha apenas quatro anos de idade quando isso aconteceu, e ainda consigo me lembrar da dor daquela noite.

Ela é boa, apesar de tudo. Fez-me aprender a chorar em silêncio, e guardar minhas interrogações para mim mesma. Hoje consigo chorar sem que os outros percebam. As lágrimas escorrem pelo meu rosto, descem até o meu colo e preservam o silêncio. Meus lábios tremulam e meus olhos se apertam sem produzirem um único som, mesmo quando sinto a dor lancinante, e a sensação de que meu peito está sendo dilacerado, deixando meu coração ainda mais exposto e vulnerável.

Como se ele e eu precisássemos de mais motivos para sofrer. Como se o sofrimento não me acompanhasse desde a noite em que papai descarregou sua raiva em mim, exatamente como tem feito nos últimos dezesseis anos.

Mas não se comova com nada do que eu disse até então.

Não é aqui que meu sofrimento termina. É aonde ele começa.

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