~ 01 ~
Melinda
— Você consegue acreditar nisso? Quer dizer: qual o problema com os homens ricos, bonitos e solteiros dessa cidade? Eles não existem, ou eu não sou boa o bastante para eles?! Por favor, eu sou bonita, não sou?
Eu revirei os olhos internamente, enquanto Christine jogava sua revista de fofocas de volta em sua gaveta, e fingia dar atenção ao trabalho estampado na tela de seu computador. Era realmente impressionante o fato de que ela adorava reclamar da sorte, ainda que tivesse tudo, ou quase tudo, com o que uma garota pode sonhar.
Aos vinte e sete anos, Christine ainda morava com os pais, tinha um ótimo emprego no setor contábil da R Blackwell Corporation, uma boa aparência e desenvoltura, além do que, saía com um cara diferente pelo menos uma vez a cada quinzena. Casamento não estava no topo de sua lista de prioridades, no momento. Na verdade há dois anos, Christine terminou um relacionamento de três anos e meio, porque a palavra noivado a vez tremer. Não que ela não gostasse de Ramirez, seu ex, no entanto ele não tinha o tipo certo de conta bancária, e no final, nem mesmo seus traços latinos conseguiram prender Christine a ele.
Com um olhar de esguelha, eu observei os cachos ruivos-tingidos de Christine, perfeitamente organizados, e suspirei. Aquela era sua nova forma de chamar a atenção de um de nossos superiores. Alguém rico o bastante para pedi-la em casamento e logo depois dizer: “Tudo bem, agora você pode pedir demissão e dedicar-se apenas a ficar deslumbrante para mim”.
De fato, eu realmente não acharia difícil um homem bem-sucedido interessar-se por ela, afinal, Christine é o tipo de mulher que, com o tratamento certo, é possível levar a absolutamente qualquer lugar. Bonita, sim... mas não muito inteligente. A mulher ideal para qualquer homem de negócios que não quer falar a respeito da Bolsa de Valores com sua esposa, e sim, se ela já contatou o bufê e deixou tudo acertado para o próximo jantar de negócios com os possíveis clientes gregos.
Uma rápida olhadela no relógio informou-me que meu expediente terminaria dentro de vinte minutos, e então eu poderia ficar a sós comigo mesma outra vez. Hoje, definitivamente, Christine não consistia numa boa companhia. Ao menos não quando eu sabia que ela ainda teria mais reclamações a fazer.
— Eu já estou farta de tanto trabalho! — Christine resmungou a meu lado. — Eu sabia que deveria ter estudado para fazer alguma outra coisa da vida! Contadora? — ela bufou com escárnio. — Por que ninguém me avisou que apenas garotas feias e sem graça deveriam cursar Ciências Contábeis?
Num gesto automático, girei meu tronco para a direita, encarando Christine numa forma de certificar-me de que eu realmente escutara o que julguei escutar.
— Oh-ou... — ela disse torcendo os lábios e olhando de volta para mim. — Eu não quis ofendê-la, você sabe. É só que... você já deu uma olhada para o lugar onde eles nos escondem? — inquiriu olhando ao nosso redor. — Nenhuma pessoa importante de verdade passa por aqui! — reclamou cruzando os braços em frente ao peito.
— Isso não deveria ser importante — disse-lhe calmamente. — Além do mais, eu ouvi dizer que não vamos mais ficar nesse lugar, de qualquer forma! — eu dei de ombros, indiferente.
— Eu espero mesmo que esses rumores sejam verdadeiros, porque enfiada nesse cubículo, eu nunca vou poder conhecer um funcionário interessante e de alto calão!
No fim das contas, isso era tudo o que realmente importava para Christine.
Ao fim do expediente, nós saímos juntas e despedimo-nos em frente à empresa, quando ela entrou no carro de seu mais novo pretendente e eu segui para o ponto de ônibus.
Em momentos como esse eu gostaria de não morar tão longe do trabalho, mas o que eu poderia fazer? Vender meu mini apartamento recém adquirido e localizado no subúrbio e comprar um outro no centro da cidade? Acho que não! Eu já tinha muita sorte por ter conseguido um lugar para morar e, para que eu precisaria de algo melhor ou com mais espaço? Não era como se eu fosse receber a visita de algum parente distante em algum momento.
Com um suspiro resignado, eu comecei a prestar atenção nos carros que passavam à minha frente, e meus olhos vagaram pelo espaço ao meu redor, até que eu finalmente já podia avistar a R Blackwell Corporation. Foi então que eu o vi.
Trajando um Dolce & Gabanna cinza que acentuava seus ombros largos e seu 1,85m. Seus sapatos também italianos, mesmo à distância, eu sabia que estavam reluzindo, assim como seus cabelos levemente loiros. Loiros o bastante para que seus cílios e supercílios fossem mais claros que os da maioria das pessoas.
Mas é claro que ele não era como a maioria das pessoas. Ele jamais poderia ser, porque ele era ninguém menos que Robert Blackwell, a mente brilhante por trás da R Blackwell Corporation.
Eu vi quando ele saiu da empresa falando ao telefone, pegou as chaves de seu Mercedes prata das mãos de um dos manobristas da empresa, adentrou o carro e saiu em disparada, passando por mim a poucos metros de distância. No entanto, eu não pude vê-lo quando passou por mim, afinal, os vidros escuros tornavam essa tarefa impossível, mas ainda era incrível a forma como eu me tornava ciente de sua presença por perto, ainda que fosse trancado em um carro em movimento que não demorou mais que alguns segundos para se afastar de mim.
***
Destranquei a porta de meu apartamento, adentrando-o e sentindo a onda de depressão que costumava invadir-me a cada vez que eu me lembrava de que eu amava o impossível. De tantas coisas em minha vida capazes de entristecer-me, amar Robert Blackwell era o que mais me feria, porque dentre todas as coisas que eu poderia querer, esperar que ele desperdiça-se um único segundo de seu precioso tempo comigo era o tipo de sonho que havia um alto potencial de deixar-me frustrada.
Enquanto me despia de minhas roupas e caminhava até o chuveiro, lavando-me de forma mecânica e automática, pensei em como sempre fui cuidadosa com relação a todas as coisas que desejei, mas seguramente não foi uma opção minha ser cuidadosa, e sim, algo que eu aprendi com a vida.
Como explicar isso?
Bem, sou Melinda Calle. Um nome um tanto quanto estranho, não? Bem, de qualquer forma, eu não o uso muito. A maioria das pessoas que conheço me chama apenas de Linda, o que é uma perfeita ironia do destino. O sobrenome Calle se deve ao fato de que fui encontrada na rua, mais precisamente na porta de um orfanato, quando tinha apenas alguns dias de vida.
No orfanato costumavam dizer que desde sempre tive fortes traços latinos e, aparentemente por lá, Melinda era um ótimo nome com ascendência latina. A escolha do sobrenome foi sim, um pouco infeliz, no entanto, centenas de crianças chegam a orfanatos todos os dias, chega um momento em que se torna impossível escolher nomes de forma mais pessoal. Esta foi a razão pela qual Calle foi um sobrenome perfeito. Aos sete anos, descobri que meu sobrenome significava rua, em espanhol.
Durante minha infância e adolescência, transitei por cinco lares provisórios, mas eu sempre acabava voltando ao orfanato. Nenhum casal se interessou em me adotar quando eu era apenas um bebê, porque em todo o território dos Estados Unidos, casais prefeririam adotar crianças loiras com belos olhos, e minha aparência latina funcionava mais como um repelente para esses casais.
À medida que fui crescendo, a adoção tornava-se ainda mais difícil, então não tive outra escolha além de ser mandada para lares provisórios. Tratava-se de famílias que se inscreviam para fornecer um lar para órfãos como eu, e em troca, recebiam uma ajuda em dinheiro do governo. Eu não durei muito tempo nos quatro primeiros lares, porque eu sempre acabava me tornando um estorvo. Em geral, eu era mandada para casa de senhoras viúvas, ou que jamais haviam se casado. Elas eram pessoas humildes, e tão ou mais ignorantes quanto eu era. Apesar da ajuda em dinheiro, tomar conta de uma criança ou de um adolescente nunca era uma tarefa fácil, mesmo que eu fizesse de tudo para não dar nenhum trabalho.
Os meus dias no orfanato eram sempre monocromáticos. Eu não tinha muitos amigos, porque ninguém “fixava residência” no orfanato como eu fazia. E não consigo me lembrar de uma única vez em que tenhamos tido verba para comprar roupas novas no Natal, ou presentes no dia das crianças. Tudo o que vestíamos, calçávamos e todos os brinquedos que tínhamos, eram adquiridos através de doações.
Aos quinze anos, me mandaram para o meu quinto lar provisório. Fui cuidadosa o bastante para não cometer um único deslize, a fim de poder permanecer nessa casa de forma definitiva. Consegui ficar com essa família por nove meses, mas não foi tempo o bastante para que eu conseguisse passar o meu primeiro natal numa casa de verdade, com uma família de verdade. Elisa, a filha mais velha da minha suposta mãe, Bridget, estava prestes a dar a luz a seu primeiro filho, o que significava que a casa ficaria cheia demais. O marido de Elisa também recebera um bom aumento de salário, e a ajuda dada pelo governo para que Bridget me mantivesse sob sua custodia já não era mais necessária.
Voltei ao orfanato faltando apenas uma semana para o meu suposto aniversário. Como ninguém sabia ao certo a data do meu nascimento, Chiara, uma das responsáveis pelo orfanato, levou em consideração que, no dia em que ela me encontrou na chuva, em frente ao orfanato, eu não devia ter mais que sete dias de nascida. Ela costumava contar para quem quisesse ouvir, tudo o que podia se lembrar sobre aquela noite.
De acordo com Chiara, já se passava das dez e meia da noite, e a chuva esteve bastante forte por um tempo, mas depois que ela tornou-se mais branda, não demorou muito até que Chiara escutasse a campainha. Ela apressou-se em ir até o portão do orfanato, a tempo de ver uma mulher de estatura mediana correndo desesperadamente pela rua deserta. Logo aos pés de Chiara, eu chorava dentro de uma caixa de papelão. Ela me tirou de sob a chuva e me levou para dentro do orfanato.
Obviamente, eu não me lembrava de nada daquela noite, mas de tanto escutar Chiara contar minha história, eu quase podia revivê-la nitidamente. Apesar de isso não ser de fato possível, a rejeição ainda doía, e doía mais a cada vez que eu era mandada a um lar diferente, e então, depois de algum tempo, eles me enviavam para o orfanato outra vez.
A dor da rejeição também se fazia presente a cada vez que um casal ia até o orfanato em busca de uma criança para adotar, e eu nem mesmo era considerada como uma opção. No entanto, de todas as vezes que eu fui rechaçada, a que mais doeu foi quando eu tive que ir embora do meu quinto lar provisório.
Quando eu fiz dezessete anos, e outro natal chegou, nós recebemos uma bela doação em dinheiro de um jovem empresário do setor de comunicação em massa. Aquela foi a única exceção à regra: a única vez em que pudemos ter roupas novas para passar o natal, e a única vez em que pudemos decorar uma árvore de natal com alguns pisca-piscas e bolinhas coloridas.
Nosso benfeitor, como costumávamos chamá-lo, nunca apareceu no orfanato, mas eu me sentia tão feliz pelo que ele havia feito, que tinha uma imensa vontade de agradecê-lo pessoalmente.
Dois dias depois, descobri um jornal no refeitório do orfanato, com uma matéria sobre uma generosa doação a um orfanato chamado Raio de Sol. O mesmo orfanato onde cresci. O jornal trazia um retrato do empresário que havia feito a doação, e quando meus olhos caíram sobre ela, eu pensei que nunca mais poderia respirar normalmente.
Na fotografia estava o rosto mais lindo que eu já vira em toda a vida. Um rosto com proporções perfeitas, boca bem esculpida, nariz aristocrático, e um olhar penetrante. Isso sem falar nos cabelos aparentemente sedosos e nos ombros largos.
Eu recortei aquela matéria de jornal e a guardei comigo desde então, no entanto, eu precisei ler a legenda apenas uma vez, para saber o nome daquele homem que foi o primeiro e o único a fazer meus olhos brilharem: Robert.
Robert Blackwell.
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