quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

DA - Capítulo 4

~ 04 ~

Robert

Com crescente irritação, manobrei o carro, e voltei ao escritório.

Maldita funcionária!

Como uma pessoa consegue ser tão distraída e inoportuna de uma só vez?

Eu deveria tê-la deixado em meio à rua! Ela nem mesmo estava ferida. Seu pulso iria se ajustar em poucos dias, então, nada grave havia lhe acontecido. Mas eu tinha que tê-la ajudado, não é mesmo? Caso contrário, de que outra forma ela conseguiria arruinar definitivamente o meu dia?

Acontece que ter me dedicado a levá-la ao hospital e depois tê-la deixado em casa, fez com que eu me atrasasse tanto para meu compromisso, que ele acabou sendo adiado para o dia seguinte.

Como se eu já não tivesse estado ansioso o bastante durante o último mês, ainda não seria hoje que eu ficaria a par de tudo o que constava no testamento de Frederick!

Trinquei os dentes, apertando o volante com mais força. Minha irritação crescendo consideravelmente.

— Maldito advogado! — resmunguei para mim mesmo.

Eu aposto que James Smith, o advogado de meu falecido pai, estava fazendo de tudo para me deixar ainda mais ansioso. Estou certo de que ele poderia me receber em seu escritório ainda hoje, se tivesse demonstrado o mínimo interesse em fazê-lo. Mas não! Ele preferiu adiar o compromisso, assegurando-me de que me encontraria em meu próprio escritório no dia seguinte.

Meu corpo estava todo em fúria. Talvez eu devesse ligar para Madeleine e tentar arrastá-la comigo até algum lugar onde ela poderia utilizar de seus atributos para me distrair. No entanto, nem mesmo isso me parecia uma boa ideia.

Resignado, fui direto ao escritório, enterrando-me no trabalho e forçando minha mente a não pensar em nada relacionado a Frederick ou a seu ridículo testamento.

Essa tática funcionou a princípio, mas quando estava de volta em casa, fui assaltado por questionamentos a respeito do conteúdo do testamento.

Era óbvio que minha irmã, Elizabeth, e eu, seríamos os únicos herdeiros, a não ser que Frederick tenha resolvido deixar sua fortuna nas mãos de seus filhos bastardos e de sua amante.

Sorri com o pensamento.

Frederick não mancharia assim o sobrenome Blackwell, expondo sua amante, Paige Williams, que era muitos anos mais jovem do que ele, e seus filhos bastardos, que serviam como uma apólice, a fim de que o dinheiro de Frederick sempre caísse na conta bancária de Paige.

Ainda assim, algo me deixava irrequieto sobre o modo como James Smith vinha protelando o momento de fazer a leitura do testamento de Frederick. Elizabeth já havia dito que não queria nenhum dos bens que pudesse herdar de nosso pai, portanto, eu era o único a ter algum interesse no conteúdo do testamento. A não ser que, um mês após a morte de Frederick, Paige e seus filhos já estejam desesperados por mais dinheiro, o que é bem possível.

Mas isso não tinha a menor importância, afinal, eles não receberiam um único centavo do dinheiro deixado por Frederick, isso eu poderia assegurar. Eu seria capaz de tudo para mantê-los afastados de tudo o que o sobrenome Blackwell tocasse, mesmo que Elizabeth e eu não precisássemos de um único centavo dessa herança.

Eu tinha minha própria empresa, onde mandava e desmandava e não precisava prestar contas a ninguém. Para que eu iria querer os cinquenta e cinco por cento das ações dos negócios de Frederick, sendo que os outros quarenta e cinco por cento pertenciam a seis outros sócios?

A posição de Elizabeth quanto à herança também foi firme. Ela tinha alguns investimentos na bolsa de valores, e seu marido, Michael Smith, era um excelente promotor de justiça. Minha irmã tinha uma vida que ia muito além de estável e confortável, mas como ninguém é perfeito, Michael é filho de James.

Bom, ao menos assim, Frederick não se opôs ao casamento de Elizabeth, mesmo ela tendo apenas dezenove anos na época. Ele sabia que ela estaria ingressando numa família da alta sociedade, que seu padrão de vida continuaria sendo o mesmo, e que isso só aproximaria cada vez mais a família Smith da família Blackwell.

Os laços entre as duas famílias estreitar-se-iam ainda mais, quando eu finalmente decidisse anunciar meu casamento com a bela Britney, a filha mais nova de James. Ela, sem sombra de dúvidas, seria mais do que aprovada por Frederick.

Eu não poderia negar que se tratava de uma mulher bonita. Pernas longas e delgadas, cabelos louros e bem ondulados, lábios e rosto finos e, para completar, belos olhos da cor de safira.

Britney era indiscutivelmente atraente. E nada madura, mesmo sendo apenas quatro anos mais jovem que eu. Eu não me importava em flertar com ela quando sentia vontade, mas nunca permiti que ela se instalasse em minha cama, afinal, seria impossível ver-me livre dela, uma vez que seu irmão era casado com minha irmã. Era quase como se pertencêssemos à mesma família.

Essa aproximação tornou-se ainda maior há quase cinco anos atrás, quando Elizabeth deu à luz a Sofie. A forma como minha sobrinha se parece com minha irmã quando tinha sua idade é assombrosa, e às vezes, quando olho para Sofie, é como se pudesse voltar no tempo e ver a Elizabeth, só que com um semblante mais feliz.

Pergunto-me como se pareceria um filho meu, mas essa ideia é ridícula. Eu não saberia ser um bom pai, porque nunca tive nenhuma referência e, além do mais, o casamento não é uma instituição em que eu pretenda ingressar algum dia.

Isso, inclusive, sempre foi um ponto de discussão entre mim e Frederick, que não se conformava com o fato de eu não dar à bela Britney o sobrenome Blackwell.

Olhando de relance para meu relógio de pulso, me dei conta de que já se passava das duas da manhã, e eu ainda não tinha conseguido pregar os olhos. Uma rápida olhadela por meu apartamento fez-me perceber que tocar meu piano frequentemente esquecido, seria a melhor forma de passar o tempo.

***

— Senhor Blackwell — Rosalie me chamou pelo telefone do escritório. O senhor Smith está aqui para vê-lo.

— Mande-o entrar — disse-lhe rispidamente, sentindo a irritação correr como ácido por minhas veias.

Não demorou muito para que James Smith adentrasse meu escritório, encaminhando-se até minha mesa.

— Senhor Blackwell — disse-me alegremente, estendendo sua mão direita para um cumprimento. — É um prazer pôr os olhos no senhor novamente.

Eu apertei a mão estendida diante de mim, forçando-me a esboçar um sorriso simpático para o velho homem à minha frente.

— Espero que eu possa dizer o mesmo, senhor Smith. Sente-se.

Ele obedeceu ao meu comando, acomodando-se na cadeira à minha frente e depositando sua pasta sobre minha mesa de mármore. Passando uma mão por seus cabelos grisalhos, pude notar que em seus lábios havia a sombra de um sorriso sendo formado.

— Como tem passado, Robert? — inquiriu tentando estabelecer um clima informal entre nós.

No entanto isso era a última coisa que eu queria.

Tudo o que me interessava, era que James me inteirasse a respeito do testamento de Frederick.

— Isso não é uma visita social, James — eu o lembrei. — Preciso que você seja muito objetivo. Não tenho tempo a perder.

O sorriso que se instalou no rosto de James dessa vez foi irônico. Ele abriu a pasta de couro sobre a mesa, repleta de papéis, e de lá tirou o testamento de Frederick, lendo-o em seguida.

Eu escutei a cada cláusula em silêncio, tentando não demonstrar nenhuma irritabilidade quando soube que Frederick deixou seu apartamento na Inglaterra e o outro localizado em Vancouver para seus filhos bastardos. Também não demonstrei irritabilidade ao saber que uma pequena porcentagem dos lucros da empresa seria destinada a Paige Williams e seus filhos.

No entanto, ao ouvir a última cláusula do testamento, trinquei os dentes numa expressão que misturava raiva e incredulidade. Meus músculos estavam tensos, e se fosse Frederick à minha frente e não seu advogado, eu já o teria estrangulado com minhas próprias mãos.

— Isso só pode ser brincadeira! — berrei em fúria, enquanto James voltava seu olhar cinzento para mim. — Essa cláusula é absurda e não faz o menor sentido!

— Era a última vontade de seu pai, Robert...

— Para o inferno com as vontades dele! — disse batendo os punhos sobre a mesa, fazendo com que James se sobressaltasse. — Os meus advogados vão fazer o possível e o impossível para revogar essa cláusula! Ela é ridícula, James!

— Aceitá-la será mais fácil, Robert. Eu mesmo trabalhei nesse testamento, posso assegurá-lo de que não há nenhuma falha, nenhum modo de revogá-lo! É aceitar ou não, a escolha é sua.

Eu encarei James, ciente de que seu movesse um único músculo, seria capaz de me descontrolar e partir para cima dele. Então, eu apenas trabalhei em controlar minha respiração. Aquilo não poderia ser possível. Não poderia!

— James — chamei em falsa calma. — Essa cláusula não tem o menor cabimento. É como se Frederick estivesse condicionando o recebimento da herança que cabe a Elizabeth e a mim. Isso não pode ser legal!

— Isso é legal, Robert! — James retrucou. — Os bens pertenciam ao seu pai, e ele pode distribuí-los como bem quiser.

— Mas...

— Não existe nenhum ‘mas’, Robert — cortou-me. — O testamento do seu pai é muito claro: ou você se casa, ou as ações da Wood Business e a mansão da família Blackwell ficarão sob a posse da senhorita Williams.

— Senhorita — repeti ironicamente. — Eu não chamaria de senhorita aquela mercenária!

— A vida de Paige não vem ao caso, Robert — advertiu-me. — O fato é que, se você realmente quer receber essas ações e ser proprietário da mansão da família, você terá que se casar! Caso contrário, você pode simplesmente seguir com sua vida e deixar que pessoas menos afortunadas desfrutem dos bens deixados por Frederick Blackwell.

James e eu nos encaramos seriamente, por minutos consideráveis.

Casar-me! Mas que absurdo!

Será que nem mesmo depois de morto Frederick poderia me deixar em paz? Ele precisava mesmo querer controlar cada um de meus passos, mesmo de sua tumba?

E como se o simples fato de fazer de tudo para que eu me casasse não fosse o bastante, ele ainda criava métodos de obrigar-me a permanecer casado, por no mínimo seis meses! A não ser, é claro, que minha esposa decidisse pedir o divórcio. Se fosse eu a pedi-lo antes do prazo estipulado, teria de abdicar das ações da empresa e também da mansão da família!

As duas únicas coisas que realmente importavam!

A empresa que meu avô materno ajudou a salvar, e o lugar onde Elizabeth cresceu assistida por nossa mãe. O único refúgio que Alexandra encontrou após a perda de Matthew. E agora, por um simples capricho, Frederick estava pondo tudo a perder, fechando o cerco para ter-me sob suas vontades e punindo-me, caso eu não agisse conforme seu desejo.

E que forma mais absurda de punição ele encontrou!

Eu não poderia deixar que Paige Williams tivesse a posse da casa que um dia pertencera à minha mãe. A mesma casa onde minha irmã mais nova fora criada e onde passamos todos os natais juntos, ao redor de uma árvore decorada por nós mesmos!

Talvez essa fosse a vontade de Frederick: ter sua amante como uma rainha mesmo após sua morte, mas eu não podia permitir que isso acontecesse. No entanto, casar-me também seria uma forma de ceder aos seus caprichos, e de nenhuma forma eu poderia satisfazê-lo.

No entanto, Frederick me conhecia o suficiente para saber que eu jamais deixaria que algo ou alguém manchasse a memória de minha mãe. Ele me conhecia o bastante para saber que usá-la, era a única forma de obter algum resultado de mim. Ao menos um que fosse positivo a seus olhos.

— Isso é ridículo — eu disse a James num suspiro cansado. Mas de que adiantaria? Frederick seguramente estava amparado pela lei. Sob todos os efeitos, ele ainda estava lúcido!

— Um homem precisa de estabilidade e responsabilidades, Robert — James retorquiu. — Isso era o que seu pai queria que você tivesse.

— Olhe ao seu redor, James! — ordenei a ponto de perder a calma. — Veja tudo o que construí! Milhares de pessoas precisam que essa empresa continue crescendo e gerando lucros para conseguirem colocar algum alimento em suas mesas! Acha mesmo que eu não tenho estabilidade ou responsabilidade?

— Há certas responsabilidades que só adquirimos quando precisamos administrar uma família — objetou.

Eu sorri incrédulo.

— Mas é claro! Afinal, é bem mais fácil administrar uma empresa do porte da R Blackwell Corporation, que uma esposa — disse-lhe ironicamente.

— Talvez seja mesmo.

— Bom, isso com certeza explica o porquê de Frederick ter sido um péssimo marido! Afinal, se ele já foi tão ruim com seus próprios negócios a ponto de precisar de alguma ajuda externa...

— Alimentar o ódio que você sente por seu pai não irá ajudá-lo, Robert! — James advertiu interrompendo-me. — Quanto mais rápido você aceitar os fatos, mais fácil será lidar com eles.

— E se eu disser que me caso, hã? — inquiri abruptamente. — Você teria a minha palavra, e eu poderia cumpri-la dentro de vinte... talvez vinte e cinco anos! Não lhe parece uma ótima ideia?

— Seria, de fato... — James fingiu ponderar. — Se você não tivesse apenas três meses para estar legalmente casado.

— Três meses? — testei incrédulo. — Mas que diabos! O que Frederick estava pensando?

— Vamos lá, Robert — James falou numa leve risada. — Você tem uma fila de belas garotas esperando que você estale os dedos! Três meses é tempo mais que suficiente para que você se decida qual dessas garotas terá a sorte de fisgá-lo!

Eu estava tenso.

Todos os meus músculos pareciam aço, e eu precisava extravasar a raiva urgentemente, ou acabaria enlouquecendo de vez.

E James... ele sabia bem mais do que estava disposto a falar.

— Por que você não me diz logo o que Frederick pretendia com essa cláusula, James? — eu o intimei. — Diga-me.

— Tudo o que Frederick queria era que você tivesse uma esposa ao seu lado. Uma jovem de boa família, culta, elegante e graciosa, que gerasse netos que dariam continuidade ao sobrenome Blackwell.

Um sorriso esnobe se apossou de meus lábios, enquanto a compreensão se enraizava em minha mente.

— E ele não disse nada além disso? — investiguei com falsa simpatia. — Ele não disse qual cor de pele seria a mais conveniente? — inquiri de modo sarcástico. — Talvez ele gostasse que eu me casasse com uma bela loura de olhos azuis, vinda de uma família influente, com a qual eu já tivesse algum nível de intimidade...?

— Britney adoraria ser sua esposa, Robert — James anuiu, e um sorriso soberbo se fez presente em meu rosto. — Mas Frederick confiava em seu gosto para belas mulheres. Você jamais tomaria uma ignorante por esposa, afinal, seu gosto sempre foi muito... requintado — James me lançou um sorriso cúmplice, o qual eu não retribuí.

— Seu falecido cliente não tinha como saber — objetei seriamente. — Eu jamais levei nenhuma de minhas mulheres à casa de meus pais.

— Você é um Blackwell, Robert — James me lembrou. — Homens como você e seu pai, sempre se casam com mulheres iguais à Alexandra e à minha adorável Britney.

Apertei meus dentes com força, pelo simples fato de James ter comparado minha mãe com sua filha.

Elas não eram iguais. Nenhuma mulher no mundo poderia ser comparada a minha mãe, isso era impossível.

— Britney aceitaria ser minha esposa se isso aqui se tratasse de um casamento normal, James... o que não é o caso — adverti-o. — Eu não quero uma esposa, nem nada do gênero! Gosto da minha liberdade e não abrirei mão dela por causa de um surto qualquer.

— Devo entender então que você está abdicando de grande parte de sua herança, Robert? — James indagou curiosamente. — É importante que se lembre do fato de que dessa forma, você também está impedindo que Elizabeth usufrua de tudo o que é dela por direito.

— Nós dois sabemos perfeitamente bem que Elizabeth não precisa de nada que seu estimado filho, Michael, não possa dar a ela!

James acenou rapidamente com a cabeça, como em concordância.

— Você está absolutamente certo — aquiesceu. — De qualquer forma, eu esperarei até que o seu prazo de três meses expire antes de passar as ações e a escritura da mansão dos Blackwell para a Srta. Williams— James disse, e senti meus músculos enrijecerem-se ainda mais sob o terno que utilizava. A simples hipótese de ter os Williams desfrutando da casa que pertencera à minha mãe fazia com que meu ódio por todos eles aumentasse de forma considerável.

— Essa é a forma de você não poder me culpar, no futuro... — James continuou. — Até logo, Robert. Passar bem.

James e eu trocamos um breve aperto de mão antes de ele finalmente partir, deixando-me num estado catatônico.

Eu não poderia simplesmente ceder aos caprichos de Frederick e, ao mesmo tempo, não poderia deixar que a memória da minha mãe fosse exposta de tal forma.

Uma saída. Era tudo de que eu precisava, e não importava o que isso me custaria.

— Rosalie — eu chamei por minha secretária enquanto passava por sua mesa, sem ao menos fitá-la. — Cancele todos os compromissos dessa tarde, estou saindo para almoçar e hoje não volto mais à empresa.

Caminhei rápido o bastante para não dar a Rosalie a oportunidade de fazer perguntas. Eu estava sem a menor paciência, e aquele ambiente, após a leitura do testamento de Frederick, estava me sufocando.

Eu precisava de ar puro, porque só assim conseguiria encontrar uma forma de me tirar daquela situação descabida em que Frederick me colocou.

Quando cheguei aos elevadores, fui informado por um funcionário de que os mesmos estavam em manutenção, e que levaria cerca de quinze minutos para que fossem liberados para o uso. Mas ainda havia os elevadores para funcionários de baixo calão...

Bom, utilizá-los não estava na minha lista de coisas que eu gostaria de fazer, no entanto, eu não queria permanecer ali por mais nenhum minuto sequer. Minha cabeça fervilhava, e eu precisava ir... para qualquer lugar!

Enquanto caminhava em direção ao elevador que pretendia utilizar, esfreguei minhas têmporas para dissipar a dor de cabeça que ameaçava se instalar ali. Foi quando escutei alguns sussurros e, como para distrair-me de meus próprios problemas, decidi prestar atenção na conversa de duas moças à minha frente, que estavam de costas para mim, provavelmente esperando pelo elevador.

Elas estavam tão absortas em seu patético diálogo, que nem ao menos se deram conta da minha presença.

— ... não custa nada, custa? — a ruiva inquiriu acusadoramente à morena ao lado. — É apenas um jantar! Por Deus, isso não irá matá-la!

— Meu braço está doendo, Christine — a morena contestou suavemente. — Eu preciso de repouso... recomendações médicas!

— Então você deveria ter ficado em casa, e não ter vindo trabalhar! — a que se chamava Christine atacou. — Mas você não ficou, o que significa que você está bem o bastante para sair comigo! Eu me preocupo com você, e com a inexistência de um homem em sua vida, então, se você não me der todas as garantias de que estará na companhia de um homem atraente esta noite, você vem comigo, sim!

A morena murchou os ombros, em um gesto que me pareceu absurdamente familiar, e girou seu tronco para direita, de modo que ela e a garota ruiva, Chris­tine, pudessem se encarar.

Essa nova posição me deu uma visão melhor de seu rosto, e então eu me dei conta de que nos conhecíamos. Ela era a garota estúpida que se jogou em frente ao meu carro, e que fez com que meu encontro com James fosse adiado!

Lembrar-me do lugar horrível onde ela vivia dava-me calafrios, e perguntei-me como alguém aparentemente tão indefesa conseguia sobreviver num lugar provavelmente repleto de marginais.

Bom, talvez ela também fosse uma marginal, no fim das contas.

— Christine...

— Não, Linda! Eu não vou ficar assistindo enquanto você gasta os melhores anos da sua vida trabalhando para otimizar a empresa de um cara doente por controle e que tem dinheiro bastante para comprar até mesmo sua alma!

— Eu não tenho o menor interesse em comprar almas, senhorita — murmurei calmamente, assistindo com prazer às duas mulheres à minha frente sobressaltaram-se e fitarem-me com conspícuo espanto.

— Se-senhor Blackwell — Christine murmurou atordoada. — Eu... nós... quer dizer, Linda e eu... estávamos apenas...

— Sei perfeitamente bem o que estavam fazendo, senhorita... — eu me aproximei um pouco mais, lendo as informações no crachá de Christine. — ... Christine Westwood — prossegui. — Estavam apenas tendo uma conversa casual enquanto esperam pela chegada do elevador, estou certo?

Eu sorri para as duas, divertindo-me imensamente por promover-lhes tamanho constrangimento. A morena piscou desnorteada algumas vezes, e uma rápida busca em meu banco de dados fez com que eu me lembrasse de seu nome. Ao menos era isso o que eu achava.

— Você deveria estar em casa, certo... Melinda?

A boca dela se abriu formando um perfeito “O”, e eu sabia que havia acertado seu nome e, de quebra, deixado-a ainda mais confusa.

— Eu me sinto bem o bastante para trabalhar, senhor...

— Ainda assim... — insisti. — A senhorita Westwood tem toda razão. Você não pode desperdiçar os melhores anos de sua vida apenas trabalhando para mim! — debochei.

— Christine não quis ser rude, senhor Blackwell, ela apenas...

— Apenas estava tentando fazer com que você relaxasse um pouco — eu a interrompi completando sua frase. — E quer saber, senhorita Westwood? — inquiri à Christine com total naturalidade. — Você tem toda razão por tentar fazer com que Melinda veja as coisas por esse ângulo! — disse-lhe surpreendendo-me com o rumo que meus pensamentos seguiam. — Por experiência própria... — continuei, voltando meu olhar diretamente para Melinda, não sem antes olhar para seu crachá de relance, e obter seu nome completo. — ... chega um momento na vida em que você percebe que isolar-se no trabalho não vale a pena! Interagir com outras pessoas é muito mais interessante e, um breve repouso após um acidente também não faz mal a ninguém! — disse numa piscadela, fazendo um leve sinal em direção ao seu pulso, firmemente preso a uma tipoia.

— Você vê, Linda? — Christine questionou a amiga num ar vitorioso. — Até mesmo o senhor Blackwell está dizendo que você precisa se divertir...

Eu não escutei muito mais do que Christine estava falando.

Olhando para Melinda, observando seus cabelos negros caídos por suas costas, quase alcançando seus quadris largos, percebi o quão diferente ela era das mulheres com quem costumo sair. Na verdade, se não fosse por seu inglês sem o menor acento, eu poderia jurar que ela era latina. Talvez vinda do México, Colômbia, ou mesmo do Brasil.

Seus olhos escuros jamais chamariam minha atenção e, além do mais, apesar de ela não se parecer com uma inglesa ou com uma americana, ela conseguia ser tão... comum! Comum como qualquer outro latino, com cabelos e olhos tão escuros quanto a noite, sem ondulações, e com a pele num tom azeitonado.

Aquela garota não tinha atrativos para alguém como eu, e também não recebera uma boa educação, eu poderia apostar. Afinal, morando num lugar igual ao que ela mora, isso seria impossível.

Mas sua falta de requinte talvez pudesse ser um atrativo, se eu ao menos conseguisse...

— Por que você não me faz companhia durante o almoço, Melinda? — inquiri de súbito assim que percebi que Christine havia terminado seu discurso patético, interrompendo meus próprios pensamentos. — Seria uma forma de me desculpar pelo incidente de ontem e, é claro... garantir que você tenha alguma interação, para variar — eu dei de ombros com um sorriso amável em meu rosto. O tipo de sorriso que eu guardava para minha irmã e minha sobrinha.

Ela pareceu se surpreender. Mas isso já era de se esperar.

Sob que hipótese eu convidaria uma simples funcionária para um almoço?

Melinda pareceu ponderar por tempo demais, e provavelmente estava se lembrando da forma como a tratei ontem. No entanto, eu não deixaria que ela recusasse um convite meu.

— Acho importante lembrar que se você disser ‘não’, estará negando algo a seu chefe... — sussurrei brandamente. Ela permaneceu estática, e piscou seus olhos escuros ainda boquiaberta. — Eu não aceitarei um ‘não’ como resposta — alertei-a. — Dê-me apenas cinco minutos, está bem?... Não saia daqui!

Eu dei as costas a Melinda, buscando meu Blackberry no bolso interno do meu paletó.

— Sim, senhor Blackwell — Rosalie atendeu ao segundo toque.

— Eu preciso que você descubra tudo o que puder a respeito de uma funcionária chamada Melinda Antonieta Calle.

— O senhor deseja algum tipo específico de informação, senhor Blackwell? — Rosalie inquiriu cautelosamente.

Um sorriso imenso se formou em meu rosto ao lembrar-me uma vez mais de Melinda e, logo em seguida, imaginar a reação de Frederick se pudesse nos ver juntos.

— Não, minha cara Rosalie... — disse-lhe alegremente. — Só quero que você me dê todos os detalhes a respeito da vida de minha futura esposa!

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