quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

DA - Capítulo 3

~ 03 ~

Melinda

Em frente ao espelho, suspirei pesadamente.

Nada do que eu fizesse poderia deixar meus cabelos com um ar elegante e sofisticado. Convencida de que o melhor seria deixá-los soltos como de costume, apanhei minha bolsa e apressei-me para ir à empresa.

Uma hora e meia mais tarde, após ser espremida durante minha viagem de trem em direção ao trabalho, eu deslizei sobre meu assento costumeiro descansando minha bolsa no chão ao meu lado, notando que Christine estava atrasada.

Outra vez.

Ao que parece, manter-se deslumbrante não é uma tarefa fácil nem mesmo para pessoas que já são privilegiadas geneticamente.

Pisquei sonolenta diversas vezes enquanto ligava meu computador, amaldiçoando-me mentalmente por ter gasto tantas horas durante a noite pensando e ansiando o impossível. O fato de eu não conseguir controlar meus pensamentos, definitivamente não estava ajudando.

Um par de horas se passou até que eu escutei a risada estridente de Christine soando pelo corredor, e então ela adentrou nosso pequeno espaço, jogando seus cabelos ruivos de um lado para o outro.

— Bom dia! — ela me cumprimentou alegremente, deslizando na cadeira ao meu lado. — Você não vai acreditar no que aconteceu na noite passada!

Noite passada... noite passada...

Ah, sim... ela havia saído com John, certo?

— Tudo correu bem entre você e John? — inquiri fingindo interesse.

Christine torceu o nariz em desgosto.

— Ele é passado, agora! — anunciou. — Se fosse por ele a noite de ontem teria sido um horror! Mas... eu encontrei Anthony Cooper! — Christine me inteirou animadamente.

— Anthony Cooper? — testei incrédula. — O chefe do RH?

— Exatamente! — confirmou com um sorriso largo. — Ele me pagou uma bebida, e... bem, nós nos divertimos juntos ontem à noite! — disse num sorriso malicioso.

— Ele não é velho demais para você? — inquiri um tanto quanto aturdida, pensando no homem de aparência elegante e na casa dos cinquenta anos de idade.

— Eu não ligo para essas superficialidades, Melinda! Você já deveria saber!

Claro que não! — pensei comigo mesma. — Não faria sentido algum pensar em algo tão superficial, quando a conta bancária do senhor Cooper era tão... atraente.

Eu meneei a cabeça de um lado para o outro, tentando fazer com que toda a loucura de Christine se afastasse de meus pensamentos e permanecesse assim: a anos-luz de distância!

Voltei minha atenção inteiramente ao trabalho, esforçando-me ao máximo para deixar toda e qualquer outra ponderação longe da minha mente. Mas Christine não seria tão colaboradora assim. É claro que não!

— Melinda Calle, eu estou falando com você!

Estremeci.

Escutar alguém chamando-me assim, utilizando meu vergonhoso sobrenome era no mínimo humilhante e depressivo. Tentando ao máximo esconder meu desconforto, girei meu tronco minimamente para a direita, encarando Christine.

— Desculpe... eu não ouvi o que você disse.

— Muito oportuno! — debochou erguendo os cantos de seus lábios. — Eu estava perguntando se você não gostaria de sair comigo esta noite! Quer dizer... você, eu, Anthony... e talvez algum outro funcionário que ganhe o triplo do nosso salário!

— Eu receio que não será possível! — murmurei timidamente.

— Por que não? — Christine inquiriu franzindo o cenho. — Você tem algum tipo de compromisso com algum cara?

— Não — apressei-me em negar. — Eu só... não saio muito — dei de ombros, fingindo indiferença.

— Não sai muito? — retrucou com ar de quem achava tal afirmação absurda. — Você quer dizer que... não tem encontros com muita frequência?

Sim!

— Não — eu apertei os olhos, devido a pequena mentira. — Quer dizer... mais ou menos.

— Mais ou menos? — insistiu.

Eu não respondi. Mordi o lábio inferior e coloquei minha melhor expressão “eu-não-ligo-para-nada-disso”.

— Linda — Christine chamou-me baixinho. — Quantos anos você tem?

— Vinte e quatro — contestei automaticamente. — Por quê?

— Vinte e quatro — ela murmurou para si mesma. — Não sai muito... eu nunca a vi acompanhada... sem compromissos... — os olhos de Christine se arregalaram enquanto ela me fitava perplexamente. — Oh meu Deus... você é virgem!

Minhas bochechas estavam coradas, eu tinha certeza!

Por que, Deus?... Por quê?

De todas as pessoas no mundo, por que justamente Christine tinha que chegar a essa conclusão?

Tudo bem. Não é como se isso não fosse um pouco óbvio... talvez fosse completamente óbvio, mas porque ela não podia simplesmente ignorar o fato como todos os outros faziam?

— É verdade, não é? — Christine insistiu. Eu havia desviado o olhar, mas eu ainda podia sentir seus olhos sobre mim. — Você é virgem, é claro!

— Christine... — eu a chamei num sorriso baixo e nervoso. — Por que nós não esquecemos esse assunto e voltamos ao trabalho?

—Porque você é a única garota virgem de vinte e quatro anos que eu já vi em toda a vida! — exclamou estupefata. — Como... como você deixou isso acontecer, quer dizer... como é possível?... Os caras com quem você namorou, eles não...

Quais caras?

— Christine — tornei a chamá-la. — Isso é assunto meu, e não quero falar sobre isso. Por favor! — implorei fitando seus olhos.

— Tudo bem — concordou a contragosto. — Mas eu só acho isso um pouco... bizarro! Quer dizer: estamos no século vinte e um! Só falta você me dizer que está se guardando para o cara certo! — ela riu.

Mas não era engraçado.

Minhas bochechas ficaram ainda mais coradas, e eu apertei meus lábios, esperando que Christine simplesmente parasse com suas especulações e nós pudéssemos voltar a trabalhar. Entretanto, ela não fazia o tipo que desiste facilmente.

— Você está esperando o cara certo! — ela gemeu em desgosto ao meu lado. — Linda, esse cara simplesmente não existe... acontece que...

— Já disse que não quero falar sobre isso — eu a interrompi por entre dentes cerrados. — Além do mais, está no meu horário de almoço, e eu preciso comer alguma coisa.

Tateando o chão a procura da minha bolsa, eu ignorei ao chamado de Christine que me lembrava de que eu sempre comia no refeitório da empresa, e que eu jamais levava minha bolsa comigo, senão algumas notas suficientes para pagar pelo meu almoço.

Mas seria diferente daquela vez, porque eu precisava fugir.

Definitivamente, estar mais um segundo acompanhada de Christine ou de qualquer outra pessoa que fosse, não me faria bem.

Não mesmo!

Marchando pela empresa, ignorando os olhares que os demais funcionários lançavam em minha direção, perguntei-me como Christine e eu deixamos de falar sobre sua vida perfeita e passamos a falar da minha.

Como? — insisti com a pergunta em minha mente enquanto deixava a empresa e alcançava a rua.

O pior de tudo foi constatar que ela tirou conclusões acertadas sem nenhuma dificuldade. Quer dizer... eu era mesmo tão previsível assim? Nesse caso, quanto tempo mais levaria até que ela descobrisse que eu não apenas era virgem, como também jamais havia beijado um único garoto durante toda a vida?

E quando eu digo “nunca”, quero dizer... Nunca!

Provavelmente, eu seria promovida de bizarra à patética em apenas dois segundos, e se suas especulações não cessassem, ela poderia descobrir coisas absurdas e embaraçosas o bastante para que eu recebesse o título de lunática.

Esse pensamento me entristeceu, porque ainda que eu quisesse negar a mim mesma, e ainda que eu lutasse contra isso todos os dias, eu sabia que a inexistência da minha vida amorosa se devia ao fato de eu repudiar que qualquer homem me tocasse, desde a noite em que tentaram se aproveitar de mim anos atrás, quando fugi do orfanato.

Mas foi apenas quase... eu fui rápida o bastante para que eles não conseguissem terminar o que começaram, e minhas memórias sobre essa noite estavam claras como água em minha cabeça. Eu tinha certeza de que não acontecera nada, mas isso não me impediu de criar um escudo de defesa.

E foi assim que eu terminei sem namorados, apesar de que... mesmo o trauma devido ao quase abuso que sofri, não foi capaz de apagar o que eu sentia por Robert Blackwell, e isso era assustador.

Mesmo incapaz de ao menos cogitar a ideia de ter um homem beijando-me e abraçando-me, eu imaginava como seria bom sentir a textura da pele de Robert contra a minha, ou mesmo como seria ter seus lábios colados aos meus. Sentir o seu cheiro, o toque de suas mãos... mas isso tudo era impossível!

Ainda perdida em pensamentos, eu escutei uma buzina soar alto, e quando olhei de relance à minha esquerda, percebi que era tarde demais para tentar desviar do carro prestes a me atingir em cheio.

***

Minha cabeça estava doendo consideravelmente, assim como meu punho esquerdo. Eu queria apertar meus olhos e lutar contra as dores, mas eu tinha a impressão de que se o fizesse, não conseguiria resistir à inconsciência, então os mantive bem abertos.

Não demorou muito até que uma aglomeração de pessoas se formasse ao meu redor. Curiosos pouco dispostos a ajudar.

Foi então que ouvi a porta de um carro ser fechada com exagerada força, e uma voz grave e firme soltou uma imprecação ainda mais alta.

Eu conhecia aquela voz, e quando meus olhos buscaram a figura que se aproximava de mim, eu pensei que a pancada na minha cabeça havia sido forte o bastante para promover alucinações.

Desse ângulo, enlouquecer não me parecia algo assim tão ruim.

— Você é louca, ou o quê? — a voz potente me inquiriu. — Por que não olha por onde anda? Não me diga que é tola o bastante para achar que é feita de aço? — debochou em conspícua irritação.

Aquilo não era o que eu esperava. Tanta rudeza não me parecia possível vindo justamente daquela pessoa. Ele não poderia ser quem eu pensei que fosse!

No entanto, minha racionalidade advertiu-me de que sim, era ele, no exato momento em que suas mãos potentes agarraram meus braços e ele me pôs sobre meus pés.

— De-desculpe — gaguejei desnorteada. — Eu não... eu só...

— Pare de gaguejar, porque isso está me irritando! — Robert exigiu com dentes cerrados.

Nesse exato momento, eu percebi que aquela era a primeira vez que seus olhos já haviam estado sobre mim, mesmo depois de trabalhar em sua empresa por quase um ano e meio.

Era a primeira vez que eu o via de perto, e seu rosto era ainda mais perfeito quando olhado assim, tão atentamente. Buscando observá-lo bem, finalmente descobri que os olhos que tanto me encantaram naquele recorte de jornal que eu carregava há anos, eram em um tom singular de verde. Singular o bastante para serem confundidos com azul.

— Será que você pode parar de me analisar e mover ao menos um músculo? — inquiriu secamente.

Eu pisquei rápido algumas vezes, tentando sair daquele transe em que seus olhos involuntariamente me puseram.

— Eu estou bem — murmurei fracamente. — Me desculpe, eu...

— Pare de se desculpar e entre logo no carro! — ordenou largando meus braços e dirigindo-se a sua Mercedes. — Você precisa ver um médico, e isso tem que ser rápido. A propósito, mocinha, você acaba de atrapalhar uma importante reunião, satisfeita?

Eu engoli em seco, enquanto uma de suas sobrancelhas perfeitas se arqueava ironicamente em seu rosto.

— Bem... eu já pedi desculpas — sussurrei ao passo que meu coração batia freneticamente.

— Suas desculpas não me interessam. Interessa-me que você entre de uma vez no maldito carro — disse-me secamente. — Agora!

O meu queixo caiu, e minhas bochechas arderam em constrangimento.

Ele deve estar vivendo um dia ruim! — repeti para mim mesma. — Sob nenhuma outra hipótese ele agiria de forma tão severa com alguém. Ele é um homem bom... a morte do pai deve estar mexendo com seus nervos...

— Eu já não mandei você entrar no carro? — Robert gritou sobressaltando-me.

— Não se preocupe — apressei-me em contestar. — Eu estou bem... isso... a batida, não foi nada.

— Entre no carro — Robert ordenou seriamente uma vez mais, estreitando seus olhos para mim.

Engolindo em seco, eu o obedeci, agarrando minha bolsa até então esquecida no chão, e adentrando seu belo carro com assentos de couro negro ao mesmo tempo em que ele o fez.

— Não custa nada atravessar a rua com um pouco mais de atenção — murmurou dando a partida e ocupando um espaço no trânsito junto aos outros carros. — Além de ser mais seguro para você mesma, não interfere na vida de outras pessoas — ralhou. — Eu sou um homem ocupado, mocinha... não posso parar minha vida porque uma desastrada qualquer decidiu se lançar em meio à rua sem ao menos olhar para os lados!

Desastrada qualquer...

As palavras ressoaram em meus ouvidos, e eu senti lágrimas de vergonha e tristeza formarem-se em meus olhos. Resistindo à imensa vontade de chorar, eu limpei a garganta antes de falar qualquer outra coisa.

— Sei disso perfeitamente, Sr. Blackwell, e sinto muito por todo esse transtorno — afirmei tentando empregar um pouco de firmeza à minha voz. — Mas eu estou bem, e o senhor não precisa se dar ao trabalho de me levar até o hospital. Além do mais, meu horário de almoço não vai durar muito mais tempo, e...

— O que você disse? — ele inquiriu em confusão, fazendo-me desviar o olhar que antes estava sobre meus dedos retorcidos sobre meu colo em direção a ele.

— Quer que eu repita tudo? — testei.

— Não... — negou também com um meneio de cabeça. — Apenas o vocativo.

— Sr. Blackwell? — eu uni minhas sobrancelhas em confusão.

— Como sabe quem eu sou? — sondou num olhar especulativo.

Eu deveria contar a verdade? Desde o início?

Melhor não!

— Bem, eu... trabalho na R Blackwell Corporation — disse. — É natural que eu conheça o meu chefe.

— Então você trabalha para mim? — inquiriu sugestivamente arqueando suas sobrancelhas. — Nesse caso, eu deveria demiti-la por me atrapalhar!

Engoli em seco, buscando uma forma de me retratar.

— Eu...

— Diga que sente muito, e então eu faço questão de assinar os papéis de sua demissão com uma caneta de ouro e brilhantes! — disse-me por dentes cerrados.

Tudo bem, então desculpar-me não era uma boa ideia. Talvez eu pudesse simplesmente... o quê?

A história da minha vida: presa em um carro com o homem dos meus sonhos, com o direito de permanecer calada ou ser demitida!

***

— Não é nada grave, Sr. Blackwell — o médico, doutor George Harrison, assegurou a Robert. — A pancada na cabeça não foi forte, e o punho dela vai estar novo em folha dentro de no máximo três dias!

— Obrigado, George — Robert lhe agradeceu com um aperto de mão. — Foi muita gentileza a sua ter deixado todos os seus pacientes esperando apenas para atender a uma jovem inconsequente — anuiu com um olhar severo em minha direção, em sua melhor forma de sarcasmo, fazendo-me corar.

— Isso não foi nada — doutor Harrison retorquiu num sorriso genuíno, virando-se para mim e oferecendo sua mão para um breve aperto. — Apenas tome cuidado, Srta. Calle, e tome seus analgésicos.

— Tudo bem — concordei. — E obrigada mais uma vez.

Puxando-me pelo braço de uma forma nada gentil, Robert girou meu troco em direção à saída do consultório, sem me deixar a oportunidade de apreciar os estofados requintados da sala de espera.

De volta ao estacionamento, Robert caminhou até seu luxuoso carro, enquanto eu buscava uma forma não tão constrangedora de me despedir. Afinal, aquela seria minha última chance de trocar algumas palavras com ele, eu não poderia simplesmente sair correndo com medo e vergonha.

Ainda que a ideia fosse muito... muito tentadora.

— Bem... — eu pigarreei limpando a garganta e chamando sua atenção. — Obrigada pela ajuda — disse-lhe timidamente, percebendo o quanto soei oportunista e aproveitadora.

“Obrigada por ter me trazido até aqui em seu belo carro e ter arcado inclusive com as despesas do médico!”

— Vai estar tudo bem se o senhor descontar as despesas do meu salário? —pronunciei as palavras sem nem ao menos dar-me conta. — Estou desprevenida, então...

— Ouça aqui... — Robert me interrompeu, fazendo uma pausa logo em seguida. Provavelmente tentando lembrar o meu nome.

— Linda — sussurrei timidamente para ele.

— Linda? — testou confuso.

— Na verdade meu nome é Melinda, mas todos que eu conheço me chamam apenas de Linda, então... — eu dei de ombros.

Ele acenou levemente com a cabeça antes de falar.

— Tudo bem... Melinda — disse-me enfaticamente, explicitando o quanto não íntima era nossa relação. — Você praticamente se jogou em frente ao meu carro, fez com que eu a atropelasse e tivesse que trazê-la ao hospital. Eu não ligo para o dinheiro em si... eu ligo para o tempo que você me fez perder! Então tudo o que eu quero, é que você entre no carro em silêncio, e não me dirija à palavra a não ser que eu pergunte algo. Acha que pode fazer isso?

Corando miseravelmente e engolindo em seco, acenei uma vez com a cabeça, adentrando o carro e sentindo o perfume intrínseco a Robert penetrar minhas narinas.

Em silêncio, ele me conduziu até meu prédio praticamente em ruínas, falando apenas quando necessitava perguntar-me em qual rua adentrar para chegar ao meu endereço.

— Que essa seja a primeira e a última vez que você ousa me atrapalhar, Melinda — ele disse firmemente ao parar em frente ao prédio em que eu vivia, sem ao menos fazer menção de desligar o motor de seu carro para prolongar o diálogo.

— Sim, senhor Blackwell — murmurei debilmente lançando-me para a calçada, e gritando mentalmente para mim mesma que eu não deveria olhar para trás, e desobedecendo-me apenas para constatar, que o homem que eu amava já havia ido, depois de me deixar em casa por uma ironia do destino.

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