~ 08 ~
Melinda
Eu adentrei meu apartamento ofegante por ter caminhado tão rápido, e muito, mas muito agradecida por ter levado dinheiro suficiente para pagar uma corrida de táxi até em casa.
Aquele jantar foi uma péssima ideia, jamais deveria ter acontecido!
Onde eu estava com a cabeça? Onde Robert estava com a cabeça?
Ele... ele me beijou! Não um beijo de cinema, é claro, mas ainda assim, um beijo. A primeira vez que senti os lábios de alguém serem pressionados contra os meus. O meu primeiro beijo, com o qual eu fantasiei por anos, e que agora, havia se transformado no meu pior pesadelo.
As coisas já estavam tão ruins antes de Robert ter me tocado, mas agora, eu sentia que elas poderiam ficar ainda piores.
Meus lábios continuavam queimando com aquela sensação pós-beijo, e erradicá-la parecia algo complicado demais para que eu pudesse lidar. As palavras nada gentis de Christine continuavam ecoando em meus ouvidos, e eu me senti a pessoa mais estúpida do mundo por não ter dado crédito a nenhuma delas anteriormente.
Tudo estava confuso demais para mim! Até mesmo meus pensamentos estavam numa desordem só! Raciocinar me parecia impossível, e eu ainda me perguntava de onde tirei forças para me afastar de Robert quando ele era tudo o que eu mais queria.
Obviamente, eu sabia que as coisas que Christine me dissera foram responsáveis por me fazer enxergar Robert como uma escolha nada inteligente, porque afinal, ele não fazia o tipo que se apegava, não é? De fato, ele nunca era visto acompanhado por ninguém, o que só poderia significar que suas namoradas eram apenas um de seus caprichos.
Se eu me permitisse desfrutar da realização de meus sonhos pueris, eu seria a única pessoa que terminaria machucada de verdade em toda essa história, porque por mais que eu quisesse negar, por mais vergonhoso que fosse admitir, a verdade é que eu o amava. Bem mais do que eu gostaria... bem mais do que seria saudável para uma pessoa amar outro alguém.
Eu não aguentaria saber que havia sido superada, e eu também sabia que o beijo de hoje fora apenas uma centelha de desejo que, provavelmente, já havia sido erradicada do corpo de Robert, mas que permanecia queimando cada célula do meu corpo.
***
— Linda, você está fazendo isso do jeito errado! — Javier ralhou comigo na cozinha de seu apartamento, enquanto eu tentava burlar minhas lágrimas e continuar picando a cebola.
— Sinta-se à vontade para tomar a faca da minha mão e fazer você mesmo! — retorqui olhando-o por entre minhas lágrimas.
Meus olhos ardiam consideravelmente devido ao ácido da cebola, e me custava um esforço hercúleo mantê-los abertos.
Em resposta, Javier me lançou um sorriso indulgente, erguendo suas mãos até a altura de sua cabeça com as palmas viradas para frente, num claro sinal de rendição. Eu balancei minha cabeça incredulamente de um lado para o outro, voltando à minha tarefa.
— Mas se você dependesse do seu talento com as cebolas para encontrar um bom marido, eu diria que você realmente precisa praticar! — ele deu de ombros.
— Eu tomarei nota — devolvi num sorriso sarcástico.
Um silêncio nada comum e acolhedor pairou sobre nós. Instintivamente, eu me virei para encarar Javier. Sua expressão estava séria e introvertida, o que não era comum para ele.
— O que foi? — eu quis saber. — Aconteceu alguma coisa?
— Nada em especial — sorriu-me sem vontade.
— Nada que eu deva saber, você quer dizer, porque definitivamente aconteceu alguma coisa com você!
— Não se preocupe, Linda — pediu-me delicadamente. — Não é nada... absolutamente nada.
— Desde quando você mente para mim, Javier? — insisti. — Eu não sou mais de confiança, é isso? — brinquei.
— Você sabe que sim...
— E então?
— Eu só estava pensando... onde você se meteu noite passada... — murmurou enquanto eu congelava em minha posição, devido à surpresa. — Não quero que pense que estou me intrometendo na sua vida, nem nada disso, mas... você chegou realmente tarde, então eu fiquei preocupado.
Suspirei.
Se Javier tivesse a mais remota ideia do que fiz noite passada, ele provavelmente me manteria trancafiada em meu próprio apartamento a pão e água, a fim de que eu não cometesse nenhuma estupidez.
— Eu saí com uma amiga — menti. — Nós começamos a conversar e eu perdi a noção do tempo.
— Saiu com uma amiga... — ele repetiu como se estivesse se decidindo sobre acreditar ou não. — Tem certeza?
— Talvez ‘amiga’ seja uma palavra muito forte — consenti. — Quiçá ‘colega de trabalho’ seja um termo mais adequado.
— Se você está dizendo... — ele murmurou dando de ombros. — Nesse caso, já que você dispensou minha agradável companhia ontem à noite, poderia aceitá-la hoje, não acha?
— Eu não sei, Javier... Amanhã eu trabalho bem cedo, eu gostaria de descansar um pouco.
— Ah, Linda... por favor! — exclamou em protesto. — Já faz algum tempo desde a última vez que nós fizemos alguma coisa juntos! Não seja ranzinza.
— Que tal num outro dia? — sugeri tentando imprimir em minha voz uma animação que de fato eu não sentia. — Eu preciso mesmo descansar, então preciso de uma boa e longa noite de sono.
— Eu ainda tenho muito tempo para convencê-la a aceitar, então... tudo bem!
— Maravilha! — murmurei sarcasticamente para mim mesma.
***
O restante do dia foi tranquilo, de certa forma.
Ao menos se eu relevar o fato de que Javier passou toda a tarde listando motivos pelos quais nós deveríamos sair naquela noite. Mas eu fui irredutível, apesar de toda sua argumentação.
Por volta das seis horas da tarde, eu tomei um banho demorado e vesti uma calça e uma camiseta de algodão, e fui esquentar um pouco de comida que havia sobrado do almoço na casa de Eva. Fiz minha higiene pessoal, e decidi que leria um bom livro até que o sono finalmente me encontrasse.
No entanto, nem tudo saiu como planejado, porque meus pensamentos não conseguiam tomar outra direção que não fosse Robert Blackwell. Eu sabia que não era uma boa ideia pensar em nada do que acontecera, mas não era algo voluntário, então, o que eu poderia fazer, além de me afundar num estado depressivo?
Eu simplesmente jamais poderia ter a pessoa que eu mais queria em todo o mundo, e nenhuma outra me interessava. Isso era quase como estar destinada à solidão perpétua!
Foi apenas quando a campainha soou, avisando-me de que eu estava sendo requisitada, que meus pensamentos frenéticos decidiram me deixar em paz por um breve momento.
Eu pensei em ignorar o toque da campainha, porque eu não precisava ser um gênio para saber quem estava parado à minha porta. Aparentemente, Javier não entende o que quer dizer um sonoro ‘não’ como resposta, de modo que, eu precisaria ensiná-lo ainda esta noite.
— Escuta aqui, Javier — eu comecei a falar em alto e bom som, para que ele pudesse me escutar antes mesmo de que eu abrisse a porta completamente. — Você passou o dia inteiro fazendo a mesma pergunta, e obteve a mesma resposta! O que o faz pensar que...
Minhas palavras morreram em minha garganta, quando finalmente me dei conta de que não era Javier parado à porta do meu apartamento, e sim Robert.
Mas o que ele estaria fazendo ali, afinal? Será que eu não fui clara o bastante na noite anterior? Ou talvez eu tenha sido demasiadamente clara, a ponto de ofendê-lo e ele ter vindo aqui me dizer que meus serviços em sua empresa estavam sendo dispensados...
No entanto, ele não viria até aqui apenas para isso, viria? Esse tipo de assunto era tratado no RH, Robert não estava a par de cada contratação ou demissão, estava? Porque se a resposta for sim, então eu...
— Não vai me convidar para entrar? — a voz grave de Robert soou firme, interrompendo meus pensamentos.
O que eu faria, meu Deus? Eu não conseguia pensar direito com aqueles belos olhos verdes sobre mim... era praticamente impossível!
— Isso foi um ‘não’? — Robert insistiu mediante meu silêncio.
Eu engoli em seco, forçando meus pulmões a trabalharem buscando um pouco de ar.
Com um singelo aceno, eu apontei para o interior de meu apartamento, consentindo a entrada de Robert. Quando ele finalmente adentrou minha pequena sala, foi como se o tamanho minúsculo que ela possuía diminuísse ainda mais. Como minhas pernas estavam completamente trêmulas, quase não podendo sustentar-me de pé, eu me sentei no sofá de dois lugares que havia ali, indicando o sofá maior para que Robert também pudesse tomar assento.
— Nós precisamos conversar — Robert murmurou num suspiro pesado. Eu não tive coragem suficiente para encará-lo, então apenas pousei meu olhar em minhas mãos entrelaçadas sobre meu colo.
— Estou ouvindo, senhor Blackwell — sussurrei-lhe de volta.
Com um peso em meu coração, percebi que aquela forma de chamá-lo era muito mais adequada, porque nós, de fato, pertencíamos a mundos diferentes, e o fiasco em que terminou a noite passada apenas provava o quão certa eu estava.
— Nós voltamos à estaca zero, então? — ele inquiriu incrédulo. — Porque, nós tínhamos concordado que esqueceríamos as formalidades, até onde eu me lembro.
— Isso foi antes — murmurei ainda sem encará-lo.
— Antes? — ele repetiu ceticamente. — Antes de que, exatamente?... Antes de eu beijar você? Antes disso?
Apertei meus olhos com força, sentindo minhas bochechas enrubescerem, e engoli a saliva com dificuldade antes de responder-lhe.
— Exatamente... antes disso! — assenti. Antes de ele ter me feito perceber que Christine estava com a razão. Antes de eu notar que eu não poderia entrar no jogo dele sem sair com cicatrizes. Antes de eu ver o quão idiota sou por simplesmente querê-lo.
— Ouça, Linda — ele pediu calmamente. — Aquele gesto não foi para afastá-la, senão para que nós nos aproximássemos mais! Você não entende, contudo...
— Eu entendo perfeitamente bem — discordei. — Entendo que, por mais inocente que tenha sido aquele ato, ele pode acabar fazendo com que eu me magoe...
— Mas eu não quero magoá-la! — retorquiu.
— Às vezes as pessoas fazem coisas que não querem realmente fazer — murmurei. E por que aquelas palavras pareciam ser para mim?
Oh, claro! Porque eu não queria afastá-lo, de verdade. Não queria, mas precisava.
Escutei quando Robert se levantou e caminhou até mim, sentando-se no sofá ao meu lado. Minha respiração ficou suspensa por alguns segundos, então senti dedos longos segurarem meu queixo e erguerem-no.
— Olhe para mim, por favor... — ele pediu gentilmente, e eu o obedeci, encarando aquela imensidão esverdeada. — Eu peço desculpas por ontem, se é isso o que você quer, mas... não aja como se a noite de ontem não tivesse sido agradável antes de eu tê-la estragado por causa de um maldito impulso!
Eu permaneci encarando-o, em silêncio. Seus olhos eram tão lindos, mas não pareciam aquecidos como estavam na noite anterior. Eles não tinham aquele brilho de divertimento, e essa constatação fez com que meu coração se apertasse.
Quais eram as chances de Christine estar errada, afinal?
Quais eram as chances de Robert Blackwell querer algo além de diversão fácil comigo, ainda que não fosse algo com envolvimento emocional?
— Não precisava ter vindo até aqui apenas para me dizer isso — articulei por fim.
— Há controvérsias — ele murmurou erguendo um canto de seus lábios num leve sorriso. — Contudo, vamos supor que você esteja certa — sugeriu. — Então, nesse caso, vamos tornar minha vinda até aqui em algo útil, e diga que nós podemos superar o que aconteceu ontem e seguir em frente...
Eu cerrei meus olhos por um momento, pesando os ‘prós’ e os ‘contras’, e suspirei pesadamente.
— Tudo bem — concordei. — Mas... — eu mordi o lábio, impedindo-me de ir mais adiante.
Eu não poderia fazer aquela pergunta, ainda. O melhor seria esperar, ou talvez nunca fazê-la.
— ‘Mas’ o quê? — Robert instigou.
Tudo bem, então. Talvez o melhor mesmo fosse exteriorizar meu questionamento a fim de saber logo a verdade. Provavelmente seria mais fácil lidar com algo concreto do que com ponderações.
— Eu ainda não entendo... não consigo imaginar o porquê de você se dar ao trabalho de tentar resolver esse mal entendido, quando seria tão mais fácil esquecer tudo...
— Esquecer? — testou cético. — Acha mesmo que é possível esquecer o que aconteceu? — quis saber. — E eu não me refiro apenas ao fato de tê-la beijado, mas a absolutamente tudo o que aconteceu durante os últimos dias, Linda.
Eu corei violentamente, com seu olhar sobre mim e uma de suas mãos colocando uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha.
— Você deve estar se sentindo muito culpado pelo atropelamento... — eu comecei, mas ele não me deixou terminar.
— Eu não sinto um único grama de arrependimento, se você quer mesmo saber.
— Não? — inquiri em confusão. — Mas eu não fiz nada de mal para merecer uma morte por atropelamento...
— Mas nós não teríamos nos conhecido se eu não estivesse distraído o bastante para não ver o momento exato em que você praticamente se atirou na frente do meu carro — apontou mostrando seus dentes brancos num sorriso de tirar o fôlego.
— Mas se bem me lembro... você ficou muito irritado por ter se atrasado para um compromisso importante.
— Aquele era o meu lado workaholic em ação, me desculpe — pediu sinceramente.
— Com tanto que ele não apareça quando eu estiver por perto — dei de ombros, tentando aparentar naturalidade.
— Você jamais deixaria que ele aparecesse — observou. — E talvez seja por isso que eu realmente queira mantê-la por perto.
Suas palavras fizeram um eco em meus pensamentos.
Manter-me por perto?... Quer dizer: perto? Como bons colegas?
— Algum problema? — ele inquiriu franzindo as sobrancelhas, aparentemente percebendo minha expressão de perplexidade.
— O que exatamente significa manter-me por perto? — consegui inquirir num sussurro débil.
— Significa que eu me comprometo a não fazer nada estúpido outra vez — disse-me numa voz grave e baixa. — Contanto que eu possa contar sempre com a sua companhia... que você não me evite, e é claro: que não me veja como um chefe mal-humorado a quem deveria evitar, e sim como alguém em quem possa confiar...
— E por que você iria querer isso? — questionei debilmente.
— Porque preciso de você — disse-me firmemente. — Preciso muito mais do que você possa imaginar... muito mais do que eu gostaria.
Eu engoli em seco, sentindo meu coração bater desenfreado dentro do peito, prestes a sair pela minha boca se eu tentasse proferir qualquer palavra que fosse.
Minha vida estava de cabeça para baixo, e eu nem mesmo sei como isso foi acontecer. Nem mesmo sei quando as coisas fugiram completamente do meu controle. Tudo o que eu sabia, é que eu não poderia mais me afastar de Robert, porque eu precisava tê-lo comigo, mesmo de forma superficial.
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