sábado, 30 de janeiro de 2016

ELS Cap 37

Capítulo 37 – Do Pó Ao Pó, Mas Antes...

Look into my eyes
You will see, what you mean to me
Search your heart, search your soul
And when you find me there, you'll search no more
(...)
Don't tell me it's not worth fighting for
I can't help it, there's nothing I want more
You know it's true, everything I do, I do it for you

There's no love, like your love
And no other, could give more love
There's nowhere, unless you're there
All the time, all the way

Everything I Do (I Do It For You) – Bryan Adams


            — Você sabe o que vai acontecer se eu ficar...
O som de sua voz desaparecendo no silêncio.
            — Sei.
            A luz de seus olhos no escuro.
            — Tem certeza? Preciso que tenha certeza.
            Sua respiração tocando meu rosto.
            — Eu quero que você fique.
            Seus lábios. Suas mãos. Em toda parte.
            Minha mente se perdendo sob o comando de meu corpo. Minhas próprias mãos. Tocando-o. Em. Toda. Parte.
            Eu pensei que pararia de pensar. Em vez disso, sinto-me como se tivesse sentidos novos processando cada coisa. E meu coração. Meu coração sente tudo. Meu cérebro se liga a ele e funciona como se o corpo de Eric o comandasse.
            Estamos moldados um ao outro, nos beijando. Cada centímetro de nossos corpos se tocando, uma de minhas pernas entrelaçada às dele e sua mão subindo meu vestido quase até a cintura. Meus dedos resvalando por sua pele quente enquanto tento abrir os botões de sua camisa, afastando-a de seu peito com a mão que o percorre. O coração dele disparado sob minha palma.
            — Eric, eu não... — Tento dizer uma coisa, mas seus lábios roubam minhas palavras, prendendo-as entre seus dentes que me arranham de leve.
            — Você não...? — Ele me provoca, sua língua se alternando com seus lábios na pele do meu pescoço, de meus ombros, suas mãos apertando meus seios.
            Ele se senta por um momento para se livrar dos sapatos, depois se deita novamente sobre mim, seu corpo pressionando o meu em todos os lugares certos. Vejo-o pegar alguma coisa no bolso de trás e colocá-la ao meu lado no travesseiro. Um pacote de camisinhas.
            — É, eu não tinha, que bom.
            Ele se senta sobre minhas pernas e sorri enquanto termina de desabotoar a camisa.
            — Ter passado na farmácia valeu a pena então — diz. — Eu não tinha certeza, aí por via das dúvidas...
            Sento-me na cama para encará-lo.
            — É que eu não...
            Ele está prestes a tirar a camisa, mas para o movimento quando percebe minha expressão séria. A luz da sala nos ilumina de longe. Meus olhos acostumados vislumbram letras tatuadas em seu peito, meio escondidas sob o tecido preto.
            — O que foi? — pergunta, sua mão pousando de leve sobre o lado de meu rosto, as pontas dos dedos acariciando minha orelha, avançando pelos meus cabelos. Então ele acende a luz da luminária ao lado da cama para me olhar melhor, e sua expectativa me deixa um pouco nervosa.
            Não sei como dizer isso a ele. Eu sabia que a hora chegaria, mas não me imaginei dizendo, as palavras sendo escolhidas. Nunca. Contudo preciso dizer, então empurro as frases para fora do meu peito.
            — Isso que estamos fazendo aqui... — Suspiro. — Eu nunca fiz isso com ninguém.
            É. É isso. Eu nunca fiz sexo com ninguém, é claro. Porque nunca tive um namorado. Para mim não é grande coisa, mas não quer dizer que eu não entenda que muda algo.
            — Você nunca...?
            Balanço a cabeça em negativa e sua mão em meu rosto desliza com força em direção aos meus cabelos, os dedos enterrando-se ali num puxão suave que leva minha boca até a sua.
            — Por quê? — ele pergunta. Nossos rostos estão colados de forma que eu não vejo seus olhos, mas há algo diferente em sua voz.
            — Eu não tinha conhecido você ainda — respondo, e ele me abraça tão forte que mal consigo respirar.
            Ficamos assim pelo que me parece um minuto inteiro, seu rosto enterrado na curva de meu pescoço e meu coração ameaçando escalar minha garganta e fugir pela minha boca.
            — Eric? — chamo com o pouco de ar que consigo reunir. Preciso saber o que mudou. Como ele se sente quanto a isso. — O que você está pensando?
            Sinto seu peito se movendo contra o meu, enrijecendo-se, soltando o ar como se fosse um grito mudo. Então ele me olha e uma palavra me vem claramente à cabeça, me tirando o fôlego.
            Predatório.
            Tenho que admitir que gosto disso mais do que achei possível.
            — Bem, baby, isso exige uma ligeira mudança de abordagem — ele diz, segurando a barra do vestido emaranhado à minha cintura e fazendo com que deslize por meu tronco até não estar mais ali. De repente, estou seminua na frente dele e, para minha surpresa, sinto-me bem com isso. — Vou fazer com que você nunca se arrependa de dividir este momento comigo.
            O som dessas palavras tinge minha pele com o calor de meu sangue. Quero dizer que confio nele, que não estou com medo. Porque não estou. Mas a amplitude desse desejo diante de mim é o desconhecido abrasador. E embora eu esteja ávida pelo caminho, não sei qual é o próximo passo.
            — Em que consiste essa mudança de abordagem? — Minha voz sai trêmula, hesitante e desejosa ao mesmo tempo. Eric sorri em resposta. De um jeito que só posso classificar como deliciosamente sacana.
            — Você precisa estar pronta para mim, amor — ele diz, beijando delicadamente meus ombros enquanto abre o fecho de meu sutiã. Depois deixa as mãos correrem por minhas costas, até a base da coluna. Um carinho suave e prolongado que me arrepia. — Então vamos passar um longo tempo nos dedicando a descobrir do que você gosta.
            Quando nos afastamos um pouco, sinto o sutiã escorregando por meus braços. Como já estou quase totalmente vulnerável, eu mesma o retiro e jogo para longe uma das poucas barreiras que ainda separa minha pele da dele. Eric me faz deitar de novo e a sensação de estar nua sobre os lençóis onde durmo me parece deliciosamente nova em sua banalidade quase indecente. Finalmente, ele tira minha calcinha e agora não há mais nada a esconder, nada protegido de sua visão.
Eu deveria me sentir tímida, mas não é o que acontece. Sinto prazer em ser observada assim por ele, inteiramente descoberta. Vulnerável. Como se não houvesse nenhum segredo. Seu olhar me faz sentir como se ele já estivesse me possuindo. Como se todas as partes de mim já tivessem concordado em fazer tudo o que ele quiser.
            — Você é linda, Clara. Linda demais.
            As mãos dele apertam meus seios, massageando-os, e ele segura um de meus mamilos entre os dedos, puxando-o com uma firmeza calculada. A dor é inesperada e boa, o que a torna ainda mais surpreendente, mas mal tenho tempo de senti-la quando a ponta de sua língua acaricia de leve o mesmo lugar, causando um contraste quase entorpecedor.
            — Gosta disso? — ele pergunta sério. Balanço a cabeça confirmando, pronta para mais, quaisquer que sejam seus planos. — Então você vai ter que dizer. Diga-me o que quer que eu faça.
            Eu estava esperando que ele comandasse nossos passos, ao invés disso obriga minha mente a não se perder, me fazendo tomar decisões, como se quisesse me manter concentrada simultaneamente no agora e no depois imediato. Hesito um pouco, confusa sobre o que fazer, mas seus dedos continuam tocando meus mamilos, agora os dois de uma só vez, e sinto-os entumecidos ao extremo, ansiando pelo alívio do carinho de sua boca.
            — Peça — ele ordena, não há outro verbo que melhor defina o que indica o tom de sua voz.
            — Me beije — respondo, como se nestas alturas a decisão fosse realmente minha.
            Suas mãos agarram meus seios outra vez, os dedos emoldurando-os e levantando-os um pouco, então sua língua percorre a aréola de um deles e seus lábios se fecham ali, sugando com uma entrega enlouquecedora de homem sedento.
            Uma de suas mãos desce lentamente sobre minha barriga, parando pouco acima de onde quero ser tocada, as unhas curtas brincando com minha pele enquanto sua boca se ocupa de meu outro seio. Penso que ele vai me fazer pedir outra vez, mas então a mão desliza para a parte de trás, apertando minha bunda por um momento e depois resvalando para o meio de minhas pernas. Arquejo com o choque de temperatura e por todas as outras coisas. Estou queimando quando seu polegar começa a fazer círculos suaves que irradiam desejo por todo meu corpo, até a febre escapar de mim na forma de um gemido.
            Desconheço minha voz, bem como a necessidade de continuar deixando aqueles sons fugirem pelo quarto. Tento dizer alguma coisa, mas as palavras me parecem inúteis, quase obsoletas. O sentimento de perdê-las é obsceno. E eu gosto.
            A energia potente que toma conta de meu corpo começa a ficar incontrolável quando ele beija minha boca, o tórax firme pesando sobre meu peito. Quero desesperadamente sentir sua pele contra meus seios e tento, de uma forma tão desajeita que soa violenta, arrancar sua camisa. Ele ri.
            — Use suas palavras, Clara.
            — Tire isso. Pelo amor de Deus, tire isso.
            Ele me obedece, trocando a mão que se ocupa de mim quando precisa tirar aquela manga. Vejo que desabotoa o jeans também, libertando um pouco do volume que ameaça arrebentá-lo, mas não o tira. Em vez disso, se deita de novo sobre mim, sem nunca parar de me tocar, e sua língua invade minha boca, engolindo meus gemidos. Quando sua pele exposta toca a minha, a sensação me faz explodir em espasmos em que meu corpo todo se contrai. Eric para de me beijar e observa meu rosto.
            — Bom. Já sabemos que você gosta muito disso.
            — Como eu poderia não gostar? — ofego.
            Então, quando acho que acabou, seu dedo desliza para dentro de mim com impressionante facilidade, prolongando a sensação mais um pouco.
            — Você chegou rápido aonde tinha que chegar — ele explica. — E está molhada o bastante para mais. Gosta disso também?
            O dedo dele continua me penetrando, e então começa a se mexer dentro de mim, bem devagar.
            — Gosto.
            O desejo começa a crescer novamente, mas Eric continua a se mexer de forma deliberada e enlouquecedoramente lenta. Movo meu quadril em direção à mão dele, tentando acelerar um pouco, mas uma dor aguda me impede de continuar. Eric parece perceber, então tira o dedo com cuidado e me beija novamente: a boca, o pescoço, os seios, minhas coxas que se abrem para ele...
Quando o dedo me penetra novamente, desta vez com um pouco mais de intensidade, vem acompanhado da língua que percorre minha barriga e meu quadril, minha virilha e a parte interna das minhas coxas. Mexo meu corpo, inquieta novamente, mas sua mão livre me mantém no lugar, seu olhar me provocando.
            — O que foi que eu disse sobre usar suas palavras? É a única forma de sabermos seus limites, minha Luz. Até onde você está disposta a ir agora. Diga-me o que você quer. Eu vou adorar servi-la.
            Me servir? Fazer o que eu quiser, tipo, o tempo todo? Será que é muito errado gostar tanto dessa ideia?
            — Acredite, amor. Estou gostando disso tanto quanto você — ele diz, como se pudesse ler meus pensamentos.
            — Eu quero... — Fico procurando as palavras, tentando me explicar sem ser explícita demais. Não sei por quê. Por fim, me resolvo por isso: — Quero chegar lá de novo. Com você me beijando.
            Ele sorri daquele jeito malicioso de sempre, mas o efeito parece amplificado pelo olhar de quem ouviu o que queria ouvir. Então, enquanto o dedo continua seu trabalho lento e constante, ele deixa a língua me acariciar, primeiro devagar, provando minhas reações, depois com mais intensidade.
            — Olhe para mim — ele manda, indicando a cabeceira e me dando espaço para que eu me acomode ali, meio sentada, apoiada nos travesseiros que empilho às pressas.
Seguro seus cabelos com força quando ele volta a fazer o que estava fazendo antes. O estímulo duplo é poderoso demais e tudo é muito mais rápido do que eu imaginei. Quando a mão livre dele busca meu seio, minhas pernas se fecham um pouco, pressionando seu rosto e amplificando a sensação. Acho que estou gemendo alto, incontrolavelmente, e isso parece atiçá-lo muito. Seus beijos ficam mais vorazes e então seu dedo é substituído pela língua que penetra minha entrada e depois retorna ao centro do meu prazer mais imediato.
Quando o dedo volta e eu começo a mexer meus quadris, a firmeza do movimento já não me incomoda mais e ele acelera um pouco, olhando para mim com o rosto todo vermelho e os olhos ferozes, um gemido profundo arranhando sua garganta como se ele mesmo mal conseguisse se segurar. Então eu me solto por ele, por nós, meus pés se fincando com força no colchão enquanto meu corpo se empina para cima.
Ainda estou de pernas bambas e coração acelerado, sentindo os espasmos em meus músculos muito mais fortes do que da primeira vez, quando ele se levanta e finalmente se livra do jeans e da boxer, apressado como se não pudesse aguentar mais. Acho que ele é a coisa mais bonita que eu já vi e digo isso em voz alta. Ele sorri sem graça — o que o deixa ainda mais lindo — e quando começa a rasgar o pacote de camisinhas para retirar uma, me levanto também, mais pela força da minha vontade de tocá-lo, do que pela firmeza em minhas pernas.
Fico de frente para ele, finalmente olhando de perto a tatuagem que atravessa seu peito um pouco abaixo da clavícula direita. “In pulverem reverteris”.
— Ao pó retornarás. — Lembro-me da citação bíblica em latim[1]. — “Lembra-te, homem, que és pó e em pó te tornarás”.
            — Às vezes é preciso me lembrar — ele diz, segurando minha mão que toca as letras tatuadas em seu corpo e beijando a ponta de meus dedos —  de que um dia tudo vai passar.
            Um lembrete de nossa insignificância diante da eternidade. Uma tábua de salvação em meio à dor. É isso o que ele está me dizendo que aquilo significa.
            Nunca pensei na importância disso, na fugacidade a que estamos condenados trazendo consigo também o fim da dor. Sempre vi o mundo como a continuidade de uma vida na outra através dos gestos de bondade com que tocamos o próximo, através do amor que podemos sentir e carregar para além de nós mesmos, prolongando-nos no tempo.
De algum jeito, quero crer que o que estamos vivendo hoje vai ecoar em nossas vidas, que nosso amor vai crescer com isso, e que quando formos embora deste mundo, um pouco da beleza do que sentimos vai ficar para trás. Aproximo-me dele e deixo meus dedos percorrerem os contornos de seus músculos, sentindo-os se retesarem e se arrepiarem ao meu toque.
            — Mas enquanto estivermos aqui — digo, beijando seu peito —, posso amar você infinitamente.
            Eric põe os braços ao meu redor, tombando a cabeça para trás quando meus lábios alcançam seu pescoço, perdendo-se, como eu, no amor que nos circunda. Deixo minhas mãos percorrerem todas as partes de seu corpo, testando a rigidez e o calor. Quando toco a parte mais sensível ele estremece, e seus olhos febris se voltam para mim outra vez, tomados pelo desejo. Fecho meus dedos sentindo-lhe a textura, movendo minha mão da forma que parece agradá-lo tanto.
            — Não faça isso — ele geme, mas eu quero continuar. Gosto do efeito que causa. — Ou faça — desiste, por fim.
            Por alguns segundos, ele se deixa envolver, segurando a respiração com os olhos fechados, como se tentasse aproveitar a sensação e controlá-la ao mesmo tempo. Depois, enquanto assisto ao seu rosto passar de uma expressão extática para um tormento decidido, sinto sua mão segurar a minha com força, impedindo-me de continuar.
            Ele me levanta no ar com uma facilidade desesperada, e minhas pernas envolvem sua cintura enquanto o atrito entre nós me enlouquece. Quero-o dentro de mim agora. Não posso estar mais preparada do que isso.
            — Deixa eu pôr isso pra você — digo quando ele me deita na cama e se ajoelha entre minhas pernas, pegando um preservativo do pacote rasgado.
            Tomo a embalagem de sua mão antes que ele possa dizer qualquer coisa em resposta, mas estou trêmula, o desejo me consumindo e atrapalhando meus movimentos. Eric guia minhas mãos e me olha com uma ternura enlouquecida que torna tudo ainda mais erótico.
Sem dizer nada, ele se deita sobre mim e me penetra de novo com os dedos, sendo mais vigoroso agora, tentando me preparar para o que há de vir. Fico à mercê de um prazer doloroso que ameaça me esmagar novamente enquanto ele me beija, mas então sinto algo mais me penetrando, só um pouco. Solto um gemido de dor e êxtase misturados e ele para onde está, tremendo ainda mais do que eu, os braços sustentando parte do seu peso para que eu possa me movimentar livremente sob seu corpo.
— Desculpe, amor — ele sussurra, beijando meu rosto e meus lábios carinhosamente. — Você está bem?
— Estou — confirmo, cravando um pouco as unhas em suas costas enquanto a dor vai embora. — Estou.
— Eu prometo que vai melhorar logo. Segure-se em mim — ele me instrui. — Até se sentir confortável, é você quem vai comandar. Você que vai dizer até onde posso ir. Entendeu? Use suas palavras. E seu corpo também.
O carinho dele me inflama a prosseguir. Desço as mãos por suas costas, tirando um momento para apreciar o quanto sua bunda é macia e firme. Eric permanece parado enquanto o acaricio e seu rosto concentrado me dá uma ideia do quanto deve estar lhe custando continuar assim. Então tomo coragem e respiro fundo, puxando o quadril dele em direção ao meu mais um pouco e sentindo a dor bem-vinda de algo se rompendo. Uma lágrima escorre pelo meu rosto e ele a apanha em sua boca.
— Desculpe, amor. Me desculpe.
— Não — sorrio para ele. — Não é nada de mais. Você está tornando tudo perfeito.
Ele também me sorri em resposta e eu me mexo devagar sob seus quadris, me acostumando à sensação de tê-lo dentro de mim. Meus dedos apertam sua bunda e ele afunda mais um pouco ao meu comando, soltando um gemido arrastado quando nossos corpos por fim se completam.
Seus olhos me pedem permissão e eu cedo, então ele começa a se mover lentamente. A dor vai embora de vez e, gradualmente, o incômodo que restou se transforma em outra coisa. O atrito agora é bom e o rosto de Eric se transtorna de prazer quando ele percebe que estou gostando. Fecho meus olhos, tentando controlar as sensações que me arrastam, mas a voz entrecortada de desejo dele penetra a névoa de meus sentidos misturados:
— Olhe para mim, Luz. Faça isso olhando em meus olhos. Por favor.
A voz dele, seu cheiro bom impregnado em mim e a maciez de sua pele que começa a ficar molhada de suor transam comigo também. E quando abro os olhos como ele me pediu, sou brindada com seu lindo rosto iluminado. Não como o prisma de antes, mas apenas uma face luminosa, repleta de amor e devoção por mim. Olho dentro de seus olhos e abro mão de qualquer controle, aceitando me perder ali. Paro de querer adivinhar o que virá, quando virá. Apenas sinto-o me penetrar cada vez mais rápido, cada vez com um pouco mais de força, nossos ventres se tocando freneticamente até seu olhar parecer descontrolado também.
Um grito sufocado me escapa e a emoção não cabe mais em mim. Lágrimas quentes começam a escorrer por meu rosto enquanto me deixo ir numa nova onda de prazer avassalador. Eric beija meus seios de novo, com força, descontrolando-se realmente pela primeira vez, e sei que ele não pode mais esperar.
— Faça isso olhando para mim — imito seu pedido, segurando seus cabelos e puxando-os um pouco.
Ele me obedece e luta para fixar meus olhos, os sentimentos todos estampados em seu olhar, ele todo mais vulnerável do que eu jamais o vi. Um som rouco rasga seu peito e foge por sua garganta. Seguro seu rosto quente e sugo seus lábios enquanto ele se despeja em mim, sem nunca fechar os olhos em que continuo mergulhada. Em que continuarei sempre.
Quando tudo termina, ele desaba em meu peito, o peso de seu corpo me servindo de agradável prisão, mas minhas mãos não param de acariciá-lo. Minha boca não consegue evitar de beijar cada ponto de sua pele que alcanço enquanto ele controla a própria respiração. Depois ele me beija também. Calmo. Enlevado. E se enrola em meu corpo como se agora eu fosse sua tábua de salvação, não mais a ideia do fim. Aconchego-me em seu abraço e deixo novas lágrimas rolarem. Lágrimas de felicidade que caem sobre as palavras que enfeitam sua pele.
Não dizemos mais nem uma palavra até o sono nos alcançar. Não precisamos.



           





[1] Gen. 3, 19.

sábado, 16 de janeiro de 2016

ELS Cap 36

Capítulo 36 – Fique

All along it was a fever
A cold sweat hot-headed believer
I threw my hands in the air I said show me something
He said, if you dare come a little closer

Round and around and around and around we go
Ohhh now tell me now tell me now tell me now you know

Not really sure how to feel about it
Something in the way you move
Makes me feel like I can't live without you
It takes me all the way
I want you to stay

(Stay – Rihanna)

            Estávamos brincando sobre o café irlandês, já que eu não tenho uísque em casa, mas ele bem que viria a calhar agora. Talvez tornasse as coisas mais fáceis. Pelo menos para Eric, que olha para a sala pequena como se estivesse enjaulado, estudando o ambiente como se quisesse se certificar de que deveria estar realmente aqui.
Ele vai até a janela e fica olhando para a noite lá fora por um tempo. Observo seu jeito, as mãos nos bolsos de um jeito que projeta toda sua tensão na linha de seus ombros, a cabeça que se abaixa depois de alguns segundos, parecendo reconsiderar quaisquer que fossem suas certezas de agora há pouco.
Aproximo-me dele e o abraço por trás, trançando minhas mãos em seu peito e apoiando minha testa na curva entre suas omoplatas. Ele segura ambas as minhas mãos nas suas e eu inspiro seu cheiro, esfregando de leve meu rosto em suas costas.
—  Vou fazer o café —  digo.
— Não — ele responde ansioso, apertando meus braços em torno de si. Por fim, ele se vira para mim e me abraça. — Fique comigo.
Assinto de leve olhando em seus olhos e o beijo, querendo que ele entenda o quanto estou feliz que esteja aqui, o quanto preciso disso tanto quanto ele. O contato é inevitavelmente doce e inebriante, bem mais delicado do que antes, mesmo assim mexe comigo.
— Como vamos fazer isso? — pergunto quando nossos lábios se separam. — Por onde vamos começar?
            Eric continua segurando minhas mãos e beija a palma de uma delas antes de pousá-la em seu rosto, tombando a cabeça e descansando ali por um segundo, com os olhos fechados. Depois ele me solta e caminha até a poltrona do outro lado da janela, de frente para o sofá onde costuma se sentar comigo ao seu lado.
            — Acho que pelo começo — ele diz, apoiando os cotovelos nos joelhos e me encarando com um sorriso nervoso.
            Sento-me no sofá e revolvo meus pensamentos. Não sei nada sobre ele, então, na realidade, qualquer ponto para mim é o começo.
            — Onde está Blue? — ele pergunta sem olhar para os lados, como se já tivesse se dado conta dessa ausência há muito, mas só agora estivesse comentando. Talvez para quebrar o gelo.
            — Está em um hotelzinho para cães. Eu não sabia quanto tempo ia ficar fora, então achei melhor assim.
            Eric assente e continua me olhando, por fim apoiando-se no encosto da poltrona, mas sua postura ainda não parece relaxada.
            — Como foram as coisas? Como está seu amigo?
            — Fora de perigo. Eu estava assustada, mas foi menos grave do que acreditei de início.
            — Bom. — Sinto-o recolher-se um pouco para dentro de si mesmo quando observa a expressão aliviada e terna que não consigo evitar quando falo de Caio. É então que me ocorre a primeira coisa que preciso saber, ainda mais quando ele continua: — Que bom que estão todos bem. Quero dizer, você e ele...
            Seus olhos se anuviam e seus lábios se apertam numa linha fina, enquanto ele parece considerar alguma coisa que não diz. Seu olhar se desvia do meu pela primeira vez desde que se sentou, e ele fica imerso em seus próprios pensamentos até que os interrompo.
            — Você achou que eu fosse deixar você por ele, não é? Por isso estava aqui.
            Eric não responde com palavras, mas seu silêncio é esclarecedor o suficiente.
            — Você o ama — ele afirma, como se estivesse explicando a própria insegurança. Sinto meu coração se apertar no peito por tê-lo deixado pensar assim.
            — Sim. — Não vou mentir e dizer que ele está errado, mas preciso que entenda como as coisas realmente são.  Para isso, tenho que tirar as dúvidas do caminho. Especialmente essa. — Mas não do jeito que você está pensando... Aquela noite no estacionamento, quando você me viu chorando e eu mencionei que tinha discutido com uma amiga, você se lembra?
            Pensar naquilo faz coisas estranhas comigo, mas continuo falando quando ele assente, sem dar tempo a mim mesma de reviver toda a confusão de sentimentos daquele dia.
            — O nome dela é Marina. É alguém que eu amo como uma irmã, há muito tempo. E Caio é filho dela. É como se ele fosse da família. Você entende?
— Acho que sim. — Eric parece surpreendido com a informação, mas não diz nada a respeito. O que quer que ele esteja pensando apenas guarda para si. Talvez esteja considerando que uma coisa não necessariamente elimina a outra. Exceto que para mim elimina, sim.
— Eu só quero você — me apresso em afirmar. De repente, sinto vontade de que ele saiba especificamente do que estou falando, mas não sei bem como me expressar. — Quero dizer... Ahn... Desse jeito que você pensou que eu pudesse querer o Caio.
            Ele sorri da forma maliciosa que me desarma e me lembro do rastro quente de seus lábios na pele do meu colo. Se eu fechasse os olhos agora ainda poderia sentir tudo de novo.
            Concentre-se!
            Apesar da ordem que dou ao meu cérebro, continuo pensando naqueles momentos lá fora, mas não apenas na parte em que meu corpo meio que assumiu o comando, porque antes disso outras coisas já tinham me provocado impressões profundas. Tento me focar na pergunta que quero fazer, mas o que deveria ser simples acaba não sendo.
            Como já estava previsto, aliás.
            — Você não parecia bem quando eu cheguei. — É difícil encontrar uma forma de perguntar isso sem parecer que o estou julgando, mas me esforço para ser direta. Pelo menos o máximo que consigo. — O que estava acontecendo com você? O que você estava fazendo?
            Ele morde o lábio e olha para o outro lado — é curioso como parece quase infantil dessa maneira —, depois volta a me encarar do jeito mais frio e distante que consegue, o que, felizmente, não é muito neste momento.
            — Eu... às vezes tenho necessidade de organizar as coisas. É só... só um jeito de equilibrar minha cabeça quando estou confuso.
            — Fui eu que fiz isso com você? — Minha voz é baixa e se quebra no final. Não quero que ele sofra por motivo algum, mas a ideia de causar esse sofrimento...
            — Não! — ele me interrompe o pensamento. — Você não tem nada a ver com minhas neuras.
            — Não fale assim! Não chame o que você sente de neuras, por favor.
            — Certo.
            Ele dá um risinho amargo e sei que está se segurando para não dizer algo cínico e autodepreciativo. Isso às vezes me incomoda muito, mas reconheço o esforço que ele faz e prefiro, por minha vez, não dizer nada que possa fazer com que ele volte a se fechar.
— Você estava pálido. Achei que estivesse doente — digo, porque embora sua aparência neste momento esteja consideravelmente melhor, naquela hora fiquei realmente preocupada.
            — Eu estou bem agora. Era só uma dor de cabeça. Tenho isso às vezes.
            — Como na noite em que você me disse que tinha bebido demais. — Não estou perguntando, sei que ele estava mentindo para mim naquele dia. — O que causa?
            — Resistência baixa — ele responde, sorrindo porque sabe que não faz sentido. — É um tipo de enxaqueca. Já estou me tratando. Vou ficar bem.
            — Só estou preocupada com você...
            — Do resto também. Pode acreditar — ele parece ansioso em esclarecer, como se estivesse envergonhado da fragilidade que me deixou ver.
            — Eu não me importo que você tenha problemas. — Finalmente me canso da distância que Eric nos impôs e vou até ele, me aconchegando em seu colo quando ele me abre os braços. —  Quero ajudar.
            — Você já ajuda. Me sinto melhor quando estou com você. — Lentamente seu nariz percorre minha clavícula provocando arrepios à medida que o calor de sua respiração me toca. Aconchego seu rosto na curva de seu pescoço, acariciando seus cabelos. — O silêncio daqui é bom.
            — Então você pode ficar o tempo que quiser — sussurro.
            — Eu posso querer ficar mais do que devo — ele rebate. E sei por seu tom de voz que não são só os meus pensamentos que voam para direções de onde é difícil puxá-los de volta.
Seus dedos descem o vale entre meus seios, depois entram sob a blusa, fazendo o contorno da linha do jeans. O calor se espalha em mim e depois se concentra sob sua mão espalmada em meu ventre quando ele parece esquecê-la ali. Pego-me imaginando como seria se...
            — Você nunca me falou sobre sua família — forço-me a dizer para não me perder em pensamentos lascivos, mas então percebo que quero mesmo saber.
            — Sou filho único. Minha mãe morreu.
            — Sinto muito.
            — Eu não.
            A frase me choca, mas me dói ainda mais. De repente, fico fria e exausta de novo, como se o frio viesse dele e eu simplesmente não fosse forte o bastante.
            — Por quê?
            Não há forma suave de perguntar.
            — Ela não gostava de mim.
            Nem forma suave de responder, aparentemente.
            — Depois de um tempo, eu simplesmente parei de me importar — ele completa.
            Fico sem saber o que dizer. As palavras não encontram correspondência em minhas concepções. Penso em minha mãe, em Marina e nos meus próprios sentimentos por Caio. Em toda a minha vida, só conheci amor e, por isso mesmo, sei que não tenho nada a dizer para quem não conheceu o mesmo. Não tenho o direito de achar que sei como Eric se sente e nem de contestar sua percepção, por mais absurdo que me pareça que a mãe não o amasse.
            — Sinto muito — repito como um disco riscado, sem ânimo para mais do que verdades básicas.
            — Ela se apaixonou por um cara, um brasileiro — ele diz. — Então se casou com ele e veio para cá. — Era um empresário rico e eles se casaram quando ela ficou grávida de mim. O cara achou que eu era filho dele, mas depois de um tempo ficou óbvio que não. Aí ele a deixou e ela me culpou por isso.
            — Como é que pode ter ficado óbvio? Como ele pôde ter certeza?
            — Ele conheceu meu pai biológico e dizem que eu sempre fui igual a ele.
            — Mas...
            — Acredite, ela foi estúpida o suficiente para isso — ele ri de um jeito amargo e cínico que não me soa em nada como o Eric que conheço. — Simplesmente o traiu e tentou a sorte quando descobriu que estava grávida, mas a semelhança com o outro era grande demais.
            — E o que aconteceu?
— Com o divórcio, ela ficaria com um bom dinheiro, porque ele não se importava com quanta grana tivesse que dar, só queria que ela desaparecesse. Mas isso não foi motivação o suficiente. Nós continuamos morando aqui, porque ela acreditava que ia conseguir reconquistá-lo, o que nunca aconteceu, porque toda vez que ele tentava, olhava para mim e se lembrava do outro.
            — Você chegou a conviver com esse homem?
            — O nome dele era Paulo. É Paulo. Ele está vivo ainda, acho. Sim, durante os meus três primeiros anos, mas eu não me lembro, obviamente.
            Penso no quanto me custou deixar Caio para trás e não consigo conceber como esse homem que por um tempo acreditou que Eric era seu filho pôde deixá-lo, apesar de tudo. Sei que o mundo é assim, mas o amargor disso não me desce a garganta com facilidade. Ao contrário, fica parado ali, na forma de palavras que não consigo guardar para mim.
            — Eu entendo que ele tenha deixado sua mãe, mas como pôde esperar por você, conviver com você, acreditar por três anos que tinha um filho e...
            — Não sei se ele alguma vez acreditou de verdade. E, sinceramente, Luz, para ter se casado com minha mãe ele não devia ser exatamente boa pessoa. Só sei que ele nunca me procurou e sempre deixou claro que me queria longe, então quando completei a maioridade excluí o sobrenome dele da minha certidão. Aí, quando um tempo depois minha mãe morreu, eu pude esquecer que os dois existiam.
            — Como era seu nome antes?
            — Eric Joseph Morgan Barros, filho de Shiobban Morgan e de um filho da puta qualquer.
            — Não, Eric Joseph... — Paro sorrindo ao ouvir o som da minha voz ao dizer o nome dele. — Gostei disso. Eric Joseph Morgan, amado pela Clara Bueno Felix. É assim que você deve se apresentar no futuro.
            Ele ri. Um som alto e espontâneo que não achei possível quando o encontrei arrasado à minha porta. De repente, aquele som que me embala está de volta e seus olhos se fixam nos meus com um misto de emoções desconhecidas que ameaçam extravasar. É então que percebo que acabei de dizer uma coisa. Indiretamente, é claro, mas eu disse. E agora não sei como reagir aos olhos marejados dele.
            — O som disso é definitivamente melhor — ele conclui, então me beija, os lábios devorando os meus, os braços me levantando e me carregando, apertada contra seu peito, até o sofá. — Não estamos parando de conversar, ok?
            Balanço a cabeça em concordância enquanto ele se deita sobre mim, encaixando-se habilmente entre minhas pernas, aconchegando-se em meu corpo como se fosse um hábito.
            — Mas é que agora... — Seus lábios prendem o lóbulo da minha orelha e por um instante esqueço de qualquer coisa que não seja essa sensação e o peso dele sobre o meu. — Agora eu preciso de você. Preciso que você entenda o quanto é importante, o quanto eu...
            Um som inesperado atravessa meus ouvidos, penetrando através da voz de Eric que me deixa zonza. É uma música. Ele para. Meu corpo protesta. 
            — Seu celular — ele diz, esticando o braço sobre minha cabeça para alcançar minha bolsa sobre a mesinha ao lado do sofá. O atrito de seu corpo alongando-se sobre o meu é breve demais, e de repente a bolsa está no chão ao meu lado, enquanto olho para o maldito barulho insistente decidindo se cedo ou não ao impulso de ignorá-lo.
            As mãos de Eric percorrem meu corpo, sobre o jeans e por baixo da blusa, e ele aperta minha cintura e se encolhe sobre mim, apoiando a testa sobre minha barriga e soltando uma risada cansada que faz cócegas em minha pele exposta.
            — Esta droga de sofá deve ter algum alarme — resmunga.
            Depois se levanta da forma mais elegante que as circunstâncias permitem e vai até a janela outra vez.
            Ar fresco. Seria uma excelente ideia. E silêncio também.
            Sento-me, atordoada, e começo a remexer minha bolsa para calar aquela música que pretendo deletar da minha memória de hoje em diante. O celular para de tocar no instante exato em que o localizo no meio da minha bagunça e eu congelo com ele em minha mão, a um segundo de ter um chilique de novela e jogá-lo na parede. Como se eu fosse mesmo capaz de fazer uma cena ridícula dessas! É só que... Gah! Como é bom quando estamos juntos! O maldito celular tinha que atrapalhar?
            Eric olha para mim com o canto dos olhos e percebo que está segurando o riso, não sei se por causa da minha reação ou pela situação frustrante que não deixa de ser engraçada. Começo eu a rir, porque a cara dele tentando se manter sério é hilária, e nós dois explodimos numa gargalhada nada contida, diferente de outros impulsos que sempre acabamos nos obrigando a guardar.
            Ainda estamos rindo quando ele se senta ao meu lado e passa o braço por meus ombros, me dando um beijo casto no topo da cabeça.
— Foi melhor assim — diz. — Eu nunca penso direito quando estou desse jeito com você. Às vezes acabo forçando a situação.
Quero dizer que ele não forçou situação nenhuma, que o que quer que acontecesse entre nós teria acontecido naturalmente, mas então percebo que estou sendo egoísta. Embora seja nítido o quanto é difícil para Eric esperar, foi ele quem decidiu que devíamos esclarecer as coisas antes. E há tantas coisas ainda encobertas entre nós que nem sei por onde começar.
— Você já viu quem era? — ele me lembra. — Talvez fosse alguma coisa importante.
Penso em Caio no hospital e me sinto instantaneamente culpada. Quem sabe eles estejam precisando de mim enquanto estou aqui pensando no melhor momento para levar um homem para meu quarto. Tudo bem que é o homem que eu praticamente acabei de confessar amar, mas ainda assim...
 Finalmente tiro o celular da bolsa e vejo que era Alberto, provavelmente querendo saber se cheguei bem. Porque, claro, ele pediu para que eu ligasse, mas como consideração pelos outros não está sendo meu forte nas últimas horas, eu esqueci completamente.
— É meu amigo Alberto — explico, e Eric faz uma cara de quem não precisava de outro homem com quem ter que se preocupar.
— Seu amigo? Eu conheço? — ele joga. Percebo que esse é seu jeito de saber mais sobre Beto, mas sem dar o braço a torcer de que possa estar com ciúme.
            — Não. Ele chegou ontem à cidade. Por coincidência, foi ele quem prestou os primeiros socorros a Caio.
            — Como assim? Eles estavam juntos?
            — Eles nem se conhecem, foi apenas coincidência mesmo.
            — Ele viu quem atropelou o garoto? — A expressão de Eric é indecifrável, mas há uma preocupação genuína em sua voz. O interesse dele pelo assunto, de certa forma, me aquece o coração, embora eu não queira falar sobre isso agora.
            — Não — respondo simplesmente.
Não quero falar sobre a suspeita de Beto e nem acho que consiga lidar com isso hoje. Só quero terminar passar esta noite com Eric, seja como for, e deixar a angústia de lado por algumas horas. Pensar sobre o atropelamento faz o cansaço do dia me pesar outra vez e não percebo quando começo a esfregar meus olhos.
— Você está cansada, não é? — Ele sorri, beijando minhas pálpebras. — E acho que quer falar com seu amigo. Vou deixar você fazer isso.
— Não! Não vá embora, por favor. Eu só preciso ligar para avisar que cheguei bem, depois voltamos a conversar.
— Chegou bem de onde?
Do quarto de hotel onde passei a tarde com outro homem. Por que não tenta essa?
“É, eu sei como isso parece. Me deixa em paz, tá legal?”
— Eu estive com Alberto hoje à tarde, depois que saí do hospital. É que ele veio para a cidade para me visitar.
Eric estreita os olhos, mas não diz nada. Apenas espera que eu esclareça. Penso em como ele estava quando cheguei, atormentado pela ideia de que eu o trocaria por Caio. Tento me colocar no lugar dele e percebo que, mesmo sem isso, eu não estaria gostando nada desta conversa se fosse o contrário.
— Ele é meu irmão de consideração. Era nosso vizinho e depois que meu pai faleceu, foi ele quem nos ajudou a nos reerguer emocionalmente. Ele e minha mãe se amavam como mãe e filho. E eu o amo como irmã.
É verdade. Quer dizer, a parte sobre sermos vizinhos por um tempo e sobre como ele e minha mãe se amavam. Na época em que perdi meu pai, este era um mundo pouco receptivo a duas mulheres sozinhas tentando ser independentes. Beto realmente cuidou de nós como pôde e tornou esse processo mais tranquilo para minha mãe. Apenas aconteceu há muito mais tempo do que parece.
— Você ama todos os seus amigos como se fossem da sua família?
— Não. Você eu amo de um jeito diferente.
Não consigo evitar dizer isso, e quando o faço vejo a mesma reação crescendo dentro dele. Emoção e um toque de descrença que o sorriso dele empurra para o lado quase a tempo de eu não perceber. Em resposta, ele não diz nada, mas aperta minha mão com tanta força que chega a doer, como se estivesse em queda livre, tentando se segurar a mim.
— Seria legal se vocês se conhecessem — continuo, tentando trazer seus pensamentos para uma coisa mais banal, um porto mais seguro que o mar aberto em que nos encontramos. — Estou querendo conhecer a namorada dele também. Quem sabe ela não vem até a cidade e podemos todos fazer alguma coisa juntos?
Meu Deus do céu! Quando foi que me imaginei tentando marcar um encontro duplo?
— Tudo bem, Luz, podemos combinar alguma coisa — ele responde com um sorrisinho condescendente, mesmo que não pareça muito animado.
Não me importo muito, porém. No momento em que fiz a proposta, percebi o quanto essa sociabilidade toda não é mesmo a cara dele. Mas o que realmente interessa é que ele parece ter relaxado um pouco quanto a Alberto.
— Ouça, não estou fugindo de conversar com você — Eric me diz, me puxando para um abraço e dando uma mordidinha provocadora no meu queixo. — Muito menos quero ir embora daqui, mas estou preocupado com você. Aposto que não dormiu nada hoje.
— Não dormi, mas ainda aguento algumas horas. Só preciso de um banho e de uma roupa limpa. Me dê uns 20 minutos.
— Tudo bem. Você está com fome? Porque eu bem que podia encarar uma pizza.
— Sim, parece uma boa ideia. Eu tenho uns telefones ali naquela gaveta.
— Não, eu mesmo vou buscar. Preciso ligar para Samuel e ver como estão as coisas no bar. E você pode ligar para esse seu irmão torto, tomar seu banho em paz e descansar um pouco enquanto me espera.
— Está fugindo de mim, Senhor Morgan?
Ele ri. Depois se levanta e segura meu rosto entre os dedos, me dando um último beijo antes de sair.
— Francamente, não acho uma boa ideia eu ficar aqui enquanto você fica nua e molhada no outro cômodo. É demais para mim em qualquer dia, mas hoje seria tortura cruel e desnecessária. — Será que digo a ele que para mim também? Não. Deixa pra lá. — Que pizza você quer?
— Hum, não faz diferença, desde que não tenha carne. Pode escolher qualquer coisa.
— Qualquer coisa vegetariana. Certo.
Enquanto ele está destrancando a porta me lembro de algo.
— Eric?
— Sim?
— Não esqueça a chave.
Ele sorri para mim daquele jeito só dele e sei que eu disse a coisa certa.
— É só emprestada — ele retruca, mas seus olhos estão cheios de alegria. — Volto daqui uns quarenta minutos.
Depois disso, ele sai e fico sozinha com meus pensamentos, com sua história. E também com a minha, da qual ele ainda não sabe nada. O que Eric pensaria de mim se soubesse que também deixei para trás pessoas que considerava como filhos, mesmo que por uma razão inteiramente diferente da do homem que o abandonou?
Em todo esse tempo, pude aprender a lidar com a culpa que me apunhalava cada vez que as convicções sobre minhas razões enfraqueciam, mas a verdade é que nunca me livrei completamente dela.
E agora estou de novo frente ao dilema de levar uma vida completamente humana ou manter um pé de cada lado dessa escolha. Ainda, do mesmo jeito que antes, sentindo que não estou pronta para mudar totalmente, mesmo que esteja louca pelas experiências que poderia ter se me arriscasse.
Mas por mais que eu esteja desejosa de uma vida ao lado de Eric, preciso estar do lado de Caio também, e esperar que ele tenha condições de se proteger daquele que o tentou ferir, tornando-se um anjo capaz de repelir o perigo. Ou então talvez eu tenha que dar um jeito de fazer isso por ele.
No meio de tudo isso, ainda tem Paty e todo o amor que senti ser possível entre ela e Caio; a total ignorância de Marina e Fernando sobre esse detalhe perturbador relativo ao atropelamento; e Alberto. Alberto que teve a coragem de tomar a decisão que tanto me custa. Alberto para quem eu deveria ter ligado há pelo menos uma hora.
Decido deixar minhas divagações de lado e fazer o que devo. Um passo de cada vez. O primeiro é retornar a ligação.
— Pensei que estivesse dormindo — ele diz quando atende.
— Eric estava aqui... — Deixo a frase no ar, incerta sobre o quanto devo contar para ele das coisas que conversamos hoje.
— O que foi? Isso é ruim?
— Não! De jeito nenhum. Mas é que eu esqueci de te ligar por causa disso. Ficamos conversando e ele me contou algumas coisas sobre a vida dele.
— Ok... Bom, era o que você queria, não? Então eu fico contente. Está mais tranquila agora?
— Quanto ao Caio, não sei. Mas de resto estou bem.
— Caio vai ficar bem, não se preocupe. Eric já foi embora?
— Não, ele só saiu um pouco para buscar uma pizza. Vamos jantar juntos.
— Certo. Aproveite, então. E juízo.
—  Tá. — É, é um bom conselho, embora seja tão mais difícil agora. — Beto, eu descobri uma coisa hoje sobre a qual não sei o que pensar.
— Outra? — Há um riso pasmado em sua voz, mas ainda assim disposto e bem-humorado — Puxa, Clarinha! O dia hoje está meio difícil de acompanhar, hein! O que foi desta vez?
— Quando eu estava com Eric, ouvi o Chamado.
— Com Eric? Mas por quê?
— Tudo que eu sei por enquanto é que ele precisa de mim, que não é coincidência nossas vidas terem se juntado.
— Bem, eu nunca achei que fosse. Parece que nada no amor é.
— Eu sei, mas é diferente. — Tento encontrar uma forma de explicar que naquele momento em que eu soube que tinha que ficar ao lado de Eric, era mais do que apenas minha escolha. Senti que se eu não ficasse ele ia se perder em algum ponto que eu não conseguiria mais encontrar. — Ele é tão sozinho, Beto! Tão perdido no próprio mundo! E não é nada bom quando ele se perde lá.
— Então trate de trazê-lo para o seu, minha querida.
— Espero conseguir.
— Não estou preocupado, você é boa nisso. E posso dizer uma coisa? — ele pergunta com ar de quem vai me provocar. — É por isso que os mais complicados ficam pra você!
— Está chamando meu namorado de complicado, é? — Dou uma gargalhada, o que estraga totalmente minha intenção de constrangê-lo.
— Não, só sua vida mesmo.
— Cala a boca, Beto. — Ele ri, certo de que vai ficar impune, mas então decido aproveitar o momento em que poderia planejar um contra-ataque para formular uma pergunta que não tive coragem de fazer antes. — Eu hoje fiquei curiosa com uma coisa. Sobre você e Júlia... Eu queria saber... Quando você... Ahn... Como soube que era a hora certa?
Ele fica mudo.
Seguro o riso, mas mais porque quero mesmo saber. Quanto ao embaraço dele, estou encarando como uma vitória, embora não tenha a intenção de piorá-lo.
— Beto? — Ok, talvez só um pouquinho. — Se eu não perguntar pra você, então pra...
— Ah, não! Não vou falar sobre isso com você!
— Mas... Papiii! — Faço uma vozinha bem irritante de adolescente manhosa que está fazendo birra para o pai. Neste momento nenhum de nós aguenta mais ficar sério e fico com medo de que minhas gargalhadas estejam ecoando no corredor.
Bem, não seria a coisa mais escandalosa que você fez lá hoje.
— Tudo bem — Beto diz quando para de rir. — Só vou te dizer uma coisa, porque você é bem grandinha para se virar com o resto. Não é a hora certa que importa mais neste nosso caso, Clara. É a pessoa certa. E parece para mim que você já encontrou a sua.
A pessoa certa. Sim, faz todo o sentido.
— Obrigada, Papi — digo com sinceridade, apesar do ar de brincadeira. — Você deixa muito a desejar como orientador nesse quesito, mas o pouco que disse já é de grande valia.
— Sim, isso e... preservativos. — A voz dele está quase sumindo no ar e não sei se fico com pena ou se acho ainda mais engraçado. — E agora eu vou desligar, porque você me irritou.
— Desculpe. Eu te amo, tá?
— Tá. Eu também — ele resmunga, mas sei que está sorrindo. Não seria Beto se não sorrisse. — Tchau.
Depois que Alberto bate o telefone na minha cara, fico pensando no que ele disse. Nas duas partes. Sobre trazer Eric para o meu mundo e sobre ele ser a pessoa certa, então percebo que são todas peças da mesma conclusão: a de que por mais que Eric ache que vou correr porta afora na primeira oportunidade, não estou indo a lugar algum. Cada esforço que ele faz, cada passo que dá em minha direção me faz perceber que já estamos no meu mundo. E é aqui que vou garantir que ele fique.
Depois que tomo banho, coloco o mesmo vestido discreto que usei na primeira vez que saímos e um pouco do perfume de que ele já disse que gosta e me sento na sala para esperá-lo. Trato de ocupar minha mente com coisas simples, como a comédia boba que está passando na TV, tudo para não pensar em nada que possa perturbar meu foco de passar um tempo agradável com ele. Nem no que quase aconteceu mais uma vez entre nós. Nem no que ainda poderia acontecer se ele quisesse. Simplesmente porque estou cansada de pensar.
Concentro minha atenção no filme e registro vagamente que Eric está demorando um pouco mais do disse que demoraria, mas apesar de tudo não consigo me importar com isso, porque relaxar está me impedindo de seguir qualquer linha de raciocínio coerente. A história na TV parece fazer sentido, mas não faz e quando tento entender por que, percebo que não consigo lembrar o que os personagens estavam fazendo na cena anterior.
Tento lutar contra o sono e ainda acho que estou fazendo isso quando braços fortes me enlaçam e me levantam. Estou vagamente consciente de que estamos nos movendo e meus sentidos se inundam com o calor e o cheiro do abraço familiar.
Sei que não estou sonhando, mas a sensação onírica me invade mesmo assim, como se eu estivesse presa entre dois mundos. O meu e o dele. Quero acordar, mas há música em volta de mim e não consigo concatenar nenhum pensamento lógico, nada que vá além da consciência de que minha cabeça está aconchegada na curva do pescoço de Eric e de que minha mão se agarra à sua camisa, bem acima de seu coração, quando de repente não estou mais em seus braços, mas sim sobre os lençóis de minha cama.
Abro um pouco os olhos, mas está escuro aqui e os sonhos que ocupam o quarto estão tentando me levar para longe enquanto tento me prender na sensação de suas mãos em meus cabelos, de sua voz em meus ouvidos.
— Eu amo você, Luz.
É só um sussurro, mas eu sei que ouvi. Estou suficientemente acordada para saber que essas palavras não são um sonho, e imediatamente sei que quero estar aqui para isso, que quero guardar este momento como uma daquelas tentativas loucas das crianças de guardarem o ar da própria respiração entre os dedos.
— Não sei se você pode imaginar o quanto — ele completa —, nem o que isso significa para mim, mas eu também amo você. Não vou deixar que se esqueça.
Seu polegar traça um carinho suave entre meus olhos e eles finalmente se abrem de vez para ele. O eco de sua voz em meus ouvidos é como um voo que ainda não acabou. E, agora, tudo o que eu quero é continuar voando.
Mesmo no escuro, consigo ver seus olhos brilhando, surpresos por eu estar acordada. Seguro sua mão e ele sente nela o movimento de meus lábios antes mesmo de ouvir minhas palavras.
— Fique, Eric. Não vá. Apenas fique comigo esta noite. Não deixe que eu me esqueça.
E quando ele se deita ao meu lado, olhando para mim com os olhos de oceano em que não hesito afundar, percebo que, nas sombras de meu quarto, a música que vem dele é toda feita de luz.

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