segunda-feira, 15 de junho de 2015

ELS Cap 24

Capítulo 24 — As Duas Pontas da Conversa

Ever wonder 'bout what he's doin'
How it all turned to lies
Sometimes I think that it's better
To never ask why
(…)
Funny how the heart can be deceiving
More than just a couple times
Why do we fall in love so easy
Even when it's not right

Where there is desire there is gonna be a flame
Where there is a flame someone's bound to get burned
But just because it burns doesn't mean you're gonna die
You gotta get up and try, and try, and try

(Try – Pink)

            Então nós nos beijamos. E eu não consigo pensar em outra coisa.
            Sempre tive esta tendência a pensar demais, mas algumas vezes na vida só o que você pode fazer é se render aos fatos. E o fato é que, desde que pousei meus olhos em Eric, eu soube que havia uma história escrita para nós.
            Tem uma coisa que sinto em meu coração quando estou com ele. Um conforto inexplicável. Mesmo quando meu corpo reage ao dele com um desejo desconhecido e assustador para mim. Mesmo quando seu jeito inconstante faz com que qualquer um de seus mínimos gestos defina meu dia para bem e para mal. Eu sinto, desde o começo, que ele já estava ali. Que a parte de meu coração que se aquece e se conforta cada vez que ele se dá a conhecer está, na verdade, reconhecendo-o.
            E quando os lábios dele tocaram os meus, foi um gesto de rendição. Foi como se nós dois tivéssemos voltado para casa. E foi tão verdadeiro, tão íntimo e puro, que, desde então, não tenho outra coisa em minha cabeça. Meu corpo se recusa à lembrança de qualquer outra sensação que não seja o carinho de lábios finos, macios e quentes sobre os meus. Minha tez ignora o calor do sol, em favor do ardor das mãos dele sobre minha pele úmida pelas gotas da chuva que caía fraca sobre nós, suave e persistente como a memória daquele toque.
            Uma coisa completamente evidente para qualquer um que se dê ao trabalho de me conhecer é que quando os sentimentos são muito intensos para mim, do tipo que não consigo empurrar para um canto obscuro da minha mente e ignorar até que meu coração possa processá-los, há um único mecanismo de defesa a que recorro. Eu durmo. Muito. Como gente que fica na cama até as quatro da tarde!
            Entretanto, não pude dormir essa noite. E isso tem menos a ver com o fato de que passei o domingo quase todo recorrendo ao meu velho remédio — e, portanto, não estava mesmo cansada —, do que com a sensação que me invade vividamente quando fecho os olhos. Ou mesmo com a visão que me persegue quando os abro.
            Olhos de oceano.
            Quando ele me olhou, com o rosto ainda tão perto do meu que nossa respiração era uma só, eu senti que havia coisas mudando dentro dele também. Como se a intensidade daquele sentimento não fosse algo novo apenas para mim, e nós dois estivéssemos reaprendendo a respirar na atmosfera um do outro, do nosso próprio mundo separado do resto.         
            Blue, no entanto, está alheio a todas essas coisas. Testemunha involuntária do meu arrebatamento, ele tem questões mais prementes com que lidar. Questões que eu, como sua nova “mãe”, é que tenho que resolver para ele.
            Ontem à noite, quando chegamos, a primeira coisa que fiz foi alimentá-lo. Dei a ele um pouco de leite e o que tinha sobrado de uma refeição minha do dia anterior, já que eu, obviamente, não tinha ração de cachorro em casa. Não era algo atraente para cachorros, já que não como carne, mas foi o suficiente para que ele ficasse feliz da vida e eu também, por vê-lo satisfeito. Depois o limpei o máximo que pude com um pano úmido, sequei e improvisei uma cama com um lençol velho dentro de uma caixa.
            Com o estômago cheio, parcialmente livre dos desconfortos da sujeira e a salvo dos perigos de dormir ao relento, ele descansou quase imperturbavelmente até agora de manhã, mas assim que a vida lá fora retomou seu ritmo, ele despertou junto com ela, descobrindo os detalhes de seu novo ambiente.
            Fico observando enquanto ele fareja tudo até que me descobre. “Ah, você é a moça que me tirou da chuva, não é? Obrigado pelo jantar!”, é o que seus pulos e lambidas parecem dizer. “Por nada. Obrigada pela companhia”, meus afagos respondem. “Vamos brincar”, ele completa, sem se importar muito com a coceira insistente que o obriga a parar de minuto a minuto. Preciso dar um jeito nisso. E em todo o resto também.
            Então decido levá-lo ao veterinário do bairro, não sem antes dar um banho de verdade nele e localizar todos os pequenos ferimentos que quero que sejam checados. Eu já tinha estado nesta clínica há uns meses, quando dei carona a uma vizinha que precisou socorrer seu gatinho intoxicado por uma planta, e quando vejo o veterinário, Dr. Alexandre, fico contente em me lembrar que ele é experiente, atencioso e gentil.
            Ele deve ter em torno de 50 anos e está começando a ficar grisalho, o que só torna suas feições mais agradáveis. Tem jeito com os animais e uma energia abençoada que deixa todos tranquilos à sua volta, incluindo os donos assustados como minha pobre vizinha. Sem demora, ele examina Blue com todo cuidado, estimando que ele tenha cerca de cinco meses e nenhuma doença, exceto um pouco de anemia que pode ser tratada com doses de Ferro.
            Meu novo amigo — porque é assim que quero pensar no Dr. Alexandre — medica os ferimentos de Blue, dá suas recomendações, e em pouco tempo estou saindo de lá com as promessas de que ele estará ótimo em poucas semanas de bons tratos. Minha conta desta manhã inclui vacina, vermífugos, remédios para pulga, pomadas, Ferro, brinquedos, ração, uma cama e produtos de higiene apropriados.
            É mais do que eu estava preparada para gastar, mas não me importo. Estou feliz por estar fazendo o bem e adquirindo uma família no processo. Minha mãe e meu pai, que adoravam cachorros, ficariam contentes com isso, e gosto de pensar que eles podem me ver lá de onde estão e se alegrarem comigo. Quanto ao dinheiro, posso economizar em outra coisa e tudo vai ficar bem. O importante é cuidar da minha família.
            Ainda estou toda orgulhosa de mim mesma, com Blue contente ao meu lado, andando sem coleira mesmo, quando chegamos ao corredor do meu apartamento. Ele nota primeiro que eu a caixa branca em frente à porta e corre para cheirá-la, enquanto minha cabeça se enche de quantas perguntas pode haver no espaço dos três ou quatro passos que me separam da resposta.
            Quando chego perto, há uma rosa vermelha e solitária sobre a caixa que recolho imediatamente, antes que Blue pense que se trata de comida ou brinquedo, o que não faz muita diferença para seus dentes novinhos e seu focinho curioso.
            Fico me perguntando de onde aquilo saiu, se é mesmo para mim e como foi colocado ali, mas sei a resposta o tempo todo. Eric. Minha certeza não tem muito sentido, mas meu coração disparado não se importa muito com isso, porque quando pego a caixa sinto o cheiro dele e é como se ele estivesse ali, tocando meu rosto de leve com seus dedos macios e sua alma solitária como a rosa que ele deixou para mim.
            Com um sobressalto, varro o corredor em busca dele, mas meu coração afunda um pouco no peito quando percebo que não há ninguém ali além de mim e de Blue. Quando abro a caixa, encontro um bilhete escrito numa caligrafia econômica e masculina, mas ainda assim bonita:

Sua nova jaqueta, como prometido.
Queria eu mesmo aquecer você, mas por ora isso deve servir.
Obrigado por me fazer acreditar.

            Antes de sucumbir àquelas palavras ou ao calor que toma meu corpo e meu coração de assalto, espalhando-se com a urgência do próprio sangue que me mantém viva, retiro da caixa uma jaqueta do tamanho exato da que eu vestia ontem e do mesmo estilo, mas muito mais bonita do que a minha. Não me importo realmente com isso, mas sim com a imagem dele escolhendo algo para mim com tanto carinho e dedicando seu tempo a me surpreender.
            Não foi apenas um beijo para ele também. Foi uma promessa que fizemos um ao outro. Uma promessa em que ele acreditou e que eu cumpriria sempre, agora com o sentimento leve e feliz de saber que, nessas horas em que minha mente esteve escrava daqueles instantes junto a ele, Eric pensou em mim também.

******

            — Oh, meu Deus! Ele é uma gracinha! — Paty exclama entusiasmada quando Blue começa a pular nela e a correr pela casa com uma bolinha na boca, chamando-a para brincar.
            Ela chegou logo depois do almoço, como tinha prometido, para checar como eu estava, e me encontrou a mais feliz e animada das criaturas. Num gesto juvenil e excessivamente romântico, eu coloquei o bilhete de Eric no bolso do jeans que estou usando, e a todo o momento deixo meus dedos brincarem sobre ele como um lembrete de que aquilo tudo é real. É o que faço enquanto observo minha amiga e meu cachorro se divertirem juntos e penso no quanto eu queria que Eric estivesse aqui também.
            Sim, eu sei, sou uma boba e é ridículo já estar com saudades dele, mas eu estou. Tentei ligar algumas vezes para agradecer, mas o número que tenho — aquele com que ele me ligou ontem à noite — parece estar desligado ou fora de área.
            Estou tentando não pensar que isso significa alguma coisa, o que está sendo fácil, considerando que ele não teria por que evitar um simples telefonema que eu nem faria, se não fosse para agradecê-lo pelo gesto de hoje de manhã. Isso, no entanto, não impede que ele e as horas que passamos juntos tomem posse quase irrestrita de meus pensamentos conscientes, e dos inconscientes também.
            — Eric disse que ele era feio, mas eu também o achei uma gracinha logo de cara.
            Oh-oh!
            No mesmo momento em que digo isso — aliás, antes mesmo das palavras terminarem seu caminho para fora de minha boca — percebo o tamanho da besteira que acabei de fazer. Isso é o que dá não tomar conta de seus próprios pensamentos! Queria poder puxar as palavras de volta para dentro, mas, obviamente, isso não é possível.
            E quase tão impossível quanto é que Paty vá ignorar meu deslize. Ao contrário, ela vira o rosto para mim na hora. De repente, ela é toda ouvidos e olhos semicerrados, na sua mais pura expressão de “peguei você, agora desembucha”.
            Droga!
            — Foi ontem à noite que você encontrou este cachorro? — pergunta minha amiga. E eu sei exatamente onde ela vai chegar com esse joguinho, posso prever cada movimento seu, mas não tenho mais como fugir.
            Queria proteger meu sentimento por Eric mais um pouco e, acima de tudo, não queria falar sobre ontem. Aquele momento pertence a nós dois e não me sinto no direito de dividi-lo com outra pessoa que não seja ele. Acho que quando se vive uma vida de segredos, você acaba se viciando na sensação de guardar tudo para si.
            No entanto, Paty é minha amiga. Ela é. De verdade. Além de tudo, não é boba. Ela sabe muito bem o que está acontecendo comigo e, certamente, o fato de que Eric não foi ao bar ontem não lhe passou despercebido. Para falar a verdade, não sei como ela não me ligou ontem mesmo. Tipo, umas cem vezes.
            Mas, não, ela não me ligou, e está aqui agora, provavelmente esperando que eu fale sobre isso com ela sem que seja necessário que as informações que julga seu direito de amiga saber sejam extraídas cirurgicamente. Eu só não sei como se faz isso. Não sei como se conta esse tipo de coisa a alguém. Como disse, passei tempo demais escondendo tudo dos outros. Então opto por simplesmente responder as perguntas dela com sinceridade.
            — É, eu encontrei o Blue ontem, saí para jantar e o encontrei na volta.
            — Aham, sei. E isso foi depois de você me avisar que ia faltar ao trabalho porque estava doente. Aí você arrastou sua dor de cabeça para um restaurante. Sozinha, provavelmente, porque é isso que a gente faz quando está se sentindo mal. Não que eu esteja insinuando alguma coisa!
            Deus nos livre de insinuações quando ela pode falar na lata!
            — Eu não menti, Paty! Estava mesmo me sentindo mal, mas depois tomei um analgésico e comi alguma coisa, como você sugeriu, e fiquei bem.
            — Isso é bom — ela diz pensativamente, depois repete a frase num tom meio professoral que soa muito estranho na voz dela. — Isso é bom. Mas você sabe que eu não me importaria realmente se você tivesse mentido e seu mal-estar fosse apenas uma desculpa para “matar” o trabalho, né? Porque, assim, não é como se eu fosse sua chefe.
            — Eu não menti...
            — E não é como se nosso chefe se importasse também... — ela me interrompe, elevando a voz apenas um pouco acima da minha. — Afinal, ele próprio não apareceu para trabalhar ontem à noite. O mesmo chefe que viu o cachorro ontem, certo? Aquele por quem você anda babando por aí e com quem você some convenientemente de vez em quando.
            — Sim, Paty — suspiro derrotada. — Se é o que você quer saber, Eric esteve aqui para ver como eu estava e...
            — P-p-para. Tudo. — ela coloca as duas mãos diante de meu rosto e gagueja propositalmente. Paty tem um jeito meio teatral, o que é engraçado. Sempre gostei de gente que fala com as mãos. Faz eu me lembrar do meu pai e de Beto. Estou sorrindo quando ela continua. — Ele esteve aqui? — Mais uma vez, ela fez um movimento amplo com as mãos, girando ambas para circular o ambiente em que estávamos. —Tipo... Ontem à noite, você e ele, aqui? Você está dizendo que vocês...
            — Não, Paty! Não é assim! Somos só amigos.
            Eu acho.
            Na verdade, não sei bem o que nós somos, mas não creio que eu possa decidir isso sozinha. Sendo assim, apenas para efeito de explicações temporárias, “amigos” cobre uma boa base.
            — Ah, conta outra, Clara! O clima que rola entre vocês não é de amizade. E Eric não é o Teo, amiga. Ele não é o tipo de cara que aceita ficar amigo de uma mulher de quem esteja a fim. Ou ele vai insistir e te cercar até conseguir ou desistir e partir para outra.
            Desistir e partir para outra.
            As palavras ficam rolando pelas paredes de meu estômago e provocam um enjôo irritante. É possível que ele se canse de mim, que isto tudo que sinto não signifique a mesma coisa para ele. Mas não quero pensar nisso. Não hoje. Nem enquanto eu puder evitar. Sempre achei que inseguranças tolas não têm outra utilidade, a não ser estragar coisas perfeitamente boas. Além do mais, Eric concordou em respeitar o meu tempo. Embora eu ainda tenha que descobrir que tempo é esse.
            — Eu sei disso. Mas nós... Só estamos vendo como as coisas ficam. Eu acho.
            — Então, se você está querendo ir devagar, convidá-lo para vir à sua casa passa a mensagem errada, não acha?
            — Hã, eu não convidei – digo, um pouco espantada, porque pensei que isso fosse tão óbvio que nem valesse a pena mencionar.  — Ele apareceu de surpresa. Eu nem sabia que ele tinha meu endereço.
            — Ele o quê!? E você está achando isso normal? — Tão normal como seu desejo de controlar minha vida! — Espera aí, deve estar aqui em algum lugar... — Ela começa a procurar alguma coisa pelo chão e fico sem entender, porque não percebi nada caindo.
            — O que foi? O que você está procurando?
            Ela nem olha para mim quando faço a pergunta. Em vez disso, continua a busca e me responde distraidamente.
            — Meu queixo. Deve estar por aqui em algum lugar. — Sério. Às vezes eu me pergunto como tolero isso. — Ah, achei! Está ali no cantinho, jogado junto com seu bom senso. — Como? Como? — Branquinha, o cara descobre seu endereço, vem até a sua casa de surpresa e você acha lindo ele ser uma droga de um perseguidor?
            Perseguidor!? Mas que exagero despropositado é esse?
            Tenho um momento para me questionar como foi que ele passou pela entrada principal e deixou um presente em minha porta sem ter uma chave do prédio, mas prefiro pensar que algum vizinho romântico — mais certamente alguma vizinha para quem ele jogou charme — deixou que ele entrasse e depois fosse embora sem ser percebido. Pensando bem, é bem provável que tenha sido assim e seria bem fácil de descobrir simplesmente perguntando a ele, por exemplo.
            De qualquer forma, estou engajada em combater a campanha anti-Eric que Paty vem empreendendo desde sempre, então não acho que seja um bom momento para contar a ela sobre hoje de manhã. Neste instante, estou mais ocupada ficando irritada com o jeito que ela fala dele o tempo todo como uma “chave de cadeia”, como ela diz. Acho que só tolero isso porque... porque... Bom, porque eu adoro essa menina! Mesmo assim, não posso deixá-la pensar que pode controlar de quem eu gosto.
            — Pois não venha com essa você, Paty! — contra-ataco. — Se fosse qualquer outro cara, você acharia romântico ele ter se preocupado comigo e vindo até aqui para ver como eu estava. Você só levantou essa história de como-é-que-ele-tem-seu-endereço, porque estamos falando do Eric, e você não gostava dele antes mesmo de conhecê-lo!
            Paty ainda tem as sobrancelhas arqueadas e sua fina expressão de desdém no rosto, mas nós duas sabemos que agora isso é só parte da cena, porque ela já estaria dando pulinhos de empolgação se outro homem, um que ela aprovasse — ah, a prepotência disso! —, estivesse no lugar de Eric, e ela desconfiasse que rolou algum “romance” entre nós. Sendo assim, aproveito a sorte de ter acertado no argumento e continuo:
            — Talvez você devesse superar o fato de ele ter conseguido o bar numa aposta e dar uma chance a ele. Porque a verdade é que ele tem sido bom para nós, e as coisas estão melhores do que antes, no fim das contas. Pelo menos o bar não vai mais fechar.
            — Mas... — Ela abre a boca várias vezes, tentando encontrar uma boa maneira de responder a isso, porém no fim não encontra e solta um suspiro derrotado e ligeiramente exasperado. — Tudo bem, vai. Eu vou tentar. Principalmente porque agora ele vai ser seu namorado! — diz ela, cantando a última palavra num tom provocativo e infantil.
            Arg! A outra abordagem!
            Quando os argumentos dela cessam, há sempre a possibilidade de me fazer sentir desconfortável com constatações simplistas. Talvez eu seja muito complicada, mas odeio quando as pessoas colocam coisas complexas em termos simples demais.
            A Senhorita Irritante sempre me vence de algum jeito!
            — Não, para! — digo, um tanto aborrecida. — Ninguém falou em namorado aqui. Não como se fosse uma historinha simples da qual eu vou me arrepender e nós vamos rir daqui a pouco. Do jeito que você fala faz parecer tão... Ah, sei lá! Banal!
            De repente, ela olha para mim de um jeito apreensivo. Alguma coisa no que eu falei, ou no jeito como falei, chamou sua atenção e fez com que seu semblante ficasse subitamente sério.
            — E não é nada banal, certo? Você está realmente apaixonada por ele.
            Não é um pergunta. Vejo os lampejos de preocupação, aqueles mesmos que fazem com que às vezes ela pareça estar se metendo na minha vida, passarem por seus olhos sinceros e perspicazes. Paty se preocupa comigo de verdade. No fundo, mesmo que o jeito dela às vezes pareça contundente e invasivo demais, eu sempre soube disso, e me enterneço por ela toda vez que o quanto ela se importa fica assim evidente. Novamente, sinto que ela merece a verdade.
            — Eu estou apaixonada por ele, Paty. Mais do que isso até. Nunca senti por ninguém o que sinto por ele. Eu o amo.
            — Ah, droga! — A seriedade se derrete no rosto dela como um sorvete que caiu no asfalto quente, e então ela parece meio arrependida de alguma coisa. — E eu aqui tentando fazer você desistir disso, porque achei que você estivesse se envolvendo numa situação complicada só por causa de um tesãozinho básico. Mas apaixonada? Amor? Ah, Clara! Você tem certeza?           
            Ela passa da poltrona onde tinha se sentado quando parou de brincar com Blue para o sofá onde estou, olhando bem em meus olhos enquanto espera pela resposta.
            — Sim, eu tenho certeza. E eu sei que você não consegue se livrar da sensação de que ele é encrenca, mas eu me sinto como aconteceu com Blue, sabe? Já estou envolvida. No momento em que pus os olhos nele eu sabia que nunca conseguiria virar as costas. Sei que tem alguma coisa diferente nele. — Como o fato de eu quase nunca conseguir sentir sua energia, por exemplo. — Mas diferente não quer dizer que seja ruim.
            — E se for? Você acha que pode mudá-lo? Porque vou te dizer uma coisa, Branquinha, essa é a pior besteira que a gente pode pensar quando se apaixona. Ninguém muda ninguém.
            — Sim, eu sei, mas talvez eu possa aceitar o que é diferente nele. Ainda não sei. E, de qualquer jeito, se ele me quiser, mesmo que seja apenas como amiga, vou ficar do lado dele e ajudá-lo se ele quiser mudar. Vou ficar enquanto ele deixar.
            — Ah, merda! — Paty diz, afundando a cabeça nas duas mãos, enquanto a balança em desaprovação. — Eu devia estar morrendo de medo de você quebrar a cara, mas não estou. Às vezes você dá a impressão de que sabe de coisas que os outros não sabem, eu já te disse isso? Esta certeza que você tem na bondade das pessoas não é uma coisa saudável, mas de algum jeito você sempre se safa nessas suas apostas. Então eu vou apostar em você, porque... Ah! Porque isso é tão bonitinho! Você é bonitinha! — Ela me agarra num abraço de urso e, subitamente, qualquer vestígio de irritação que houvesse em mim já se foi. — Se você gosta dele, então nós gostamos dele, ok? Eu vou dar um jeito de me acostumar. Só que eu vou sempre gostar um pouco menos, porque assim posso quebrar a cara dele sem culpa, caso o engraçadinho se atreva a estragar tudo.
            Começo a rir e afundo um pouco mais no abraço dela. Ela é só uma menina espevitada, mas é tão certa de sua força que eu nunca ousaria duvidar que ela enfrentasse qualquer um para me defender. Não sei por que ela gosta tanto de mim, mas não acho mais que possa me defender do amor que sinto por ela também.
            Blue começa a pular em nós, tentando se juntar ao abraço, então ela me solta para pegá-lo no colo e continua a conversa num tom completamente diferente agora, mesmo que esteja agindo como se nada de totalmente fofo, como o abraço que me deu, tenha acontecido.
            — Mas só que, vamos combinar, você não me engana com essa coisa de só amigos. Vocês sumiram no sábado e saíram juntos ontem. Alguma coisa rolou!
            — Bom, você sabe como Eric é fechado e trata todo mundo daquele jeito meio seco...
            — Exceto você.
            — É... Não... Quer dizer, às vezes eu também. Mas o caso é que eu pensei que ele não estivesse interessado, aí sábado a gente conversou, não sobre isso, sobre outras coisas, mas o jeito dele estava diferente e eu achei que talvez... Sei lá. Talvez ele estivesse a fim também. Aí ontem ele apareceu aqui e foi todo atencioso comigo, me convidou pra jantar e a gente conversou mais um pouco.
            — Ah, meu Deus! Por que é tão difícil você me contar as coisas que eu realmente quero saber? Que vocês conversaram eu já sei, agora vá direto ao ponto que interessa: vocês ficaram?
            Tenho certeza de que estou vermelha. Não pensei que fosse tão difícil falar sobre isso, mas eu me sinto como se a informação estivesse realmente sendo extraída cirurgicamente. Como uma espécie de apêndice do qual não quero abrir mão.
            Qualquer coisa que eu diga jamais chegará perto do que realmente significou para mim a noite de ontem. Não foi só um beijo. Foi o meu primeiro beijo. E a culminância de momentos ao mesmo tempo tão vagos e tão decisivos, mas sobretudo maravilhosos, ao lado do homem que amo. Eu, que nunca achei que fosse amar alguém. Como posso dizer isso a ela? Não há palavras que caibam numa resposta simples.
            Mas, por outro lado, posso dar apenas a resposta à pergunta que ela fez e, pela primeira vez em muito tempo, não preciso mentir nem manipular minha resposta. A verdade não precisa ser complicada quando a pergunta é simples.
            — Ele me deu um beijo quando me deixou em casa.
            Pronto. Não foi tão difícil. Na verdade, eu me senti bem dizendo isso. “Ele me deu um beijo quando me deixou em casa”. Hum, acho que posso me acostumar a dizer essas coisas. Soa bem e faz meu coração bater num ritmo um pouco acelerado, mas bom.
            A reação de Paty, no entanto, não é a que eu esperava. Eu achei que ela fosse ficar animada e zombar de mim por ter tido vergonha de contar, ou mesmo que fosse voltar a dizer que eu perdi o juízo e aquela história toda, mas ela apenas sorri, depois parece se lembrar de alguma coisa que a faz ficar séria.
            — Teo já sabe? — ela pergunta, e então eu entendo. Ela está preocupada com ele.
            Ela sempre está preocupada com ele. Acho que ela sente mais do que confessa e eu adoraria que desse certo, mesmo que isso significasse que talvez Caio tenha que optar por um caminho diferente do meu, mas não ouso incentivar o sentimento de Paty enquanto ele ainda achar que está apaixonado por mim.
            — Mais ou menos. Ele meio que adivinhou, mas isso foi antes do beijo.
            Beijo. Beijo. Beijo. Nosso beijo. Meu e de Eric. Gosto de ficar repetindo isso em minha cabeça. E, sim, eu sei que sou uma tonta. Minha mente malcriada nem precisa me lembrar disso. Estou feliz, ela que se conforme que eu fico boba também.
            — Hum, isso explica — diz Paty, pensativa.
            — Explica o quê?
            — Bom, ele não sabia que você não tinha ido trabalhar ontem, então foi até o bar te procurar. Eu achei que ele fosse vir aqui quando eu disse que você não estava bem, ou pelo menos te ligar, mas quando ele percebeu que Eric também não estava, desistiu.
            Ah, meu Deus!
            Subitamente, a felicidade embasbacada e tola que eu estava sentindo se recolhe num cantinho do meu coração e dá lugar a uma dorzinha aguda e insistente, que vai crescendo mais e mais na medida em que sou obrigada a imaginar Caio lidando com aquilo com que ele, no entanto, precisa lidar. Ele precisa me esquecer, ainda que tenha que sofrer no processo. Isso, porém, não significa que eu não me entristeça por magoá-lo.
            — Como ele ficou, Paty? Como reagiu?
            — Você ficaria muito decepcionada se eu dissesse que ele não ficou tão triste? Quer dizer, deu pra ver que ele ficou um pouco chateado no começo, mas depois acho que ele foi ficando bem.
            Decepcionada? Será que Paty acha que sou tão vaidosa assim?
            — De jeito nenhum. Eu ficaria feliz. Tudo o que eu mais quero é que ele fique bem.
            — Hã, e importaria muito com quem ele ficasse... bem?
            Será que ela está perguntando o que acho que está perguntando?
            — O que você está querendo me dizer?
            — Bom é que... é... eu fiquei um tempão conversando com ele ontem, sabe? O movimento estava tranquilo e eu fiquei no bar substituindo Eric na maior parte do tempo. Nós ficamos juntos durante quase toda a noite até ele ir embora, porque ele não tinha com quem conversar, mas não parecia a fim de voltar pra casa ou sei lá pra onde ele iria. Então eu fiquei pensando... acho que gostei um pouco demais de ficar junto com ele.
            Rá! Quantas vezes eu já estive na outra ponta de uma conversa constrangedora com Paty? Exatamente o número que você pensou: nenhuma! É melhor eu aproveitar.
            — Paty, você está me dizendo que está apaixonada pelo Teo?
            Ela arregala os olhos numa expressão pretensamente assassina, mas eu sei que ela só foi flagrada numa verdade em que não quer aceitar. Então ela não vai deixar que eu a diga assim, tão diretamente.
            — Claro que não, né? Eu já disse que Patrícia Moraes não se apaixona. Já vi as pessoas sofrerem demais por causa dessa bobagem de sentimento. Então, não. Mas eu acho ele gostoso e estou a fim dele. Isso eu confesso. Pronto. Falei. Já que vocês não vão ficar juntos mesmo.
            — Não, não vamos. — Embora não me agrade ouvir você falar dele como se fosse um objeto. Se eu não soubesse que isso é da boca pra fora... — E ele? O que acha desses seus planos?
            — Ele ainda não sabe — ela brinca, dando uma piscadinha para mim —, mas eu sou o número dele. Espera só ele esquecer você de vez!
            Caímos na risada e minha felicidade tonta está de volta. Não sei se Paty e Caio ficarão juntos ou se é só mais uma das paixões temporárias dela. Não sei o que ele vai decidir ou como vai reagir quando confrontado com suas escolhas, mas não consigo me preocupar com isso. De um jeito ou de outro, sinto que tudo vai ficar bem. E, por ora, posso apenas aproveitar o momento com minha melhor amiga.

            É uma situação surreal essa, mas acho que esta é a conversa mais normal que eu já tive na vida. E a sensação é infinitamente boa.

CD2 - Cap 15

Capítulo 15 – Irrevogavelmente Fundidos

Am I brave enough?
Am I strong enough?
To follow the desire
That burns from within
To push away my fear

To stand where I'm afraid
I am through with this
Cuz I am more than this
I promise to myself
(…)

I am the fire
I am burning brighter

(I Am The Fire – Halestorm)

Estrela

            Foram os tremores que me fizeram despertar. Mas, então, ainda sem abrir os olhos, percebi confusa que não estava frio o suficiente para isso. Tampouco estava calor, mas a camiseta que eu vestia grudava-se ao meu corpo, úmida pelo suor. Tudo em mim parecia tomado por um incômodo que eu não sabia definir, por uma sensação densa e opressora que me puxava bruscamente do torpor do sono.
            Por um instante muito breve, imaginei-me na Instalação de Cura, em outra vida, quando o corpo de Peg me castigava com lembranças que não me pertenciam. Eu sabia, porém, que isso não podia ser verdade. Não fazia sentido. Quando finalmente a consciência conseguiu penetrar por meus pensamentos sonolentos, percebi por quê. Eu realmente não estava na Instalação de Cura. Não estava sonhando com nenhuma lembrança roubada. E não era meu corpo que tremia.
            Oh, não! De novo, não!
            — Logan? Amor?
            Tentei me virar em seus braços, mas eles me estreitaram mais contra a pele nua de seu peito, tornando o movimento impossível. Estendi meu braço para trás e toquei seu rosto, deixando meus dedos deslizarem por sua nuca e afagarem seus cabelos com uma urgência que não consegui controlar. Tudo o que eu menos queria era que ele se sobressaltasse, que acordasse assustado e desnorteado, mas foi exatamente isso que aconteceu depois que um murmúrio abafado saiu de seus lábios.
            Os braços dele se afrouxaram ao meu redor, então eu me virei e o abracei, tentando fazê-lo relaxar com a cabeça aconchegada em meu peito, afagando sua pele úmida pela transpiração em todas as partes que podia alcançar. Eu sabia que qualquer palavra seria inútil neste momento, então fiquei calada, esperando. Era só o que eu fazia e para ele parecia bastar. Embora nunca fosse o bastante para mim.
            Eu queria fazer mais do que consolá-lo, queria poder entendê-lo e dividir com ele o que o afligia, mas Logan me negava o direito de protegê-lo. Ele não me queria dentro de suas lembranças dolorosas e eu estava dividida.
            Quando ele se abria, nas poucas vezes em que isso acontecia, cada palavra me parecia um açoite, ferindo-me ao imaginar o quanto cada coisa doía nele como se estivesse acontecendo de novo, porque era assim que nos sentíamos. Eu me lembrava bem disso. Dos pesadelos. Embora as lembranças de Peg não fossem, nem de longe, tão dolorosas para mim quanto as do Logan humano eram para o meu. E eu era como uma esponja, absorvendo aquela dor e ficando embebida com ela, sentindo-a deslizar para dentro de mim até quase chegar em meus ossos. Não era nada agradável. Especialmente porque isso só fazia potencializar o que ele sentia.
            Por outro lado, ele era meu companheiro, meu parceiro em todos os aspectos desta vida que escolhemos. Eu não podia admitir que houvesse coisas que não compartilhássemos ou palavras das quais ele achava que devia me proteger, quando quem devia cuidar dele neste momento era eu. Isso não devia ser sobre o quanto eu era capaz de suportar as imagens tristes que se desenhavam em minha cabeça, e sim sobre como eu queria — e podia — ser forte por ele.
            Eu tinha pedido a Sunny que ficasse com Lindsay esta noite, porque muitas vezes ela acordava junto com o pai durante os pesadelos. Disse a ela e Kyle que Logan estava tendo problemas para dormir desde o episódio com Jeb, o que era parte da verdade, mas não entrei em detalhes, e eles também não perguntaram. Por isso, naquele momento, eu podia me preocupar apenas com Logan. Estava disposta a esperar a noite toda, se fosse preciso, para que ele finalmente se abrisse comigo. E a suportar a frustração caso ele não o fizesse. Tudo o que eu queria era estar ali para ele. E queria que ele soubesse disso, mas não estava certa sobre como me expressar.
            — Eu amo você, Logan. Amo você. — Foi o que consegui dizer, as mesmas palavras que eu já havia dito tantas vezes antes, mas de alguma forma pareceu bastar.
            Senti-o se aconchegar mais a mim, os pelos da barba crescida fazendo cócegas na base de meu pescoço enquanto seus lábios deslizavam por minha pele. Num instante ele estava sobre mim, mordendo meu seio por cima do tecido da blusa com uma pressão exatamente calculada para me arrepiar, a necessidade de seu corpo pelo meu evidente na rigidez que eu podia sentir contra minha coxa. Meu corpo reagiu imediatamente, mas minha cabeça não estava tão pronta para deixar suas preocupações de lado e, diante desse conflito, abri minha boca para articular alguma coisa, mas fui calada imediatamente pelos lábios dele, por sua língua quente e firme provocando a minha.
            — Logan... — consegui sussurrar numa tentativa que eu já reconhecia como vã. Os dentes dele prenderam meu mamilo outra vez, e seus dedos deslizaram para baixo da camiseta, levantando-a. O arrepio foi instantâneo quando suas mãos, sempre tão mais quentes que minha pele, tocaram minha barriga. — Você... Ah!
            Desta vez, sem nenhum tecido entre nós, ele deixou que sua língua brincasse sobre meu seio, sugando-o de leve em seguida. Quase desisti do que quer que eu estivesse tentando dizer quando sua mão começou a massagear o outro no mesmo ritmo. Mesmo assim, forcei minha mente a se focar e segurei o rosto de Logan para que ele pudesse me olhar nos olhos, embora eles ainda não estivessem suficientemente acostumados à escuridão da noite.
            — Você está bem?    
            Ele se abaixou e me beijou na boca outra vez, os lábios quentes correndo depois pela linha de meu maxilar até pararem perto de meu ouvido.
            — Vou ficar — ele disse, a voz embargada de desejo urgente. — Com você. Preciso de você, Estrela. Preciso saber, com cada parte de mim, que você está aqui.
            Minha sanidade parou por ali, em algum ponto entre o reconhecimento dessa necessidade em meu próprio ventre e o momento em que a rouquidão daquele apelo primitivo instalou o calor entre minhas pernas. Meu próprio desejo assumiu o controle e percebi, já a meio caminho, minha mão deslizar sob o elástico da calça de tecido fino que ele usava — e que certamente não deixava muito para a imaginação — e pousar na carne rija, macia e quente em que meus dedos deslizaram. Primeiro devagar, depois tão rápido quanto eu consegui quando ele tombou para o lado, me dando um acesso melhor.
            Ouvi-o arfar em meu ouvido e capturar meu lóbulo com os lábios, lambendo um ponto especialmente sensível atrás de minha orelha. Precisei de todo meu controle para não perder o foco do que estava fazendo, e ficou pior quando ele começou a se contorcer ligeiramente, nitidamente às portas do clímax.
            — Ainda não — provoquei, diminuindo o ritmo para uma lentidão torturante que o fez gemer, num misto de frustração e prazer.
            Quando senti sua respiração se acalmar, me levantei e me despi deliberadamente devagar, tirando primeiro a camiseta e depois a calcinha. Então brinquei um pouco comigo mesma, para que ele visse. Eu sabia que aquilo o deixava louco. E tão certo como as manhãs seguem as noites, aquela expressão que eu conhecia tão bem apareceu em seu rosto.
            — Você é uma mulher muito, muito má, amor.
            — Mas posso ser boazinha se você se mantiver obediente.
            — E o que devo fazer? — Ele se ajoelhou diante de mim e beijou minha barriga, deixando claras suas intenções de descer até onde eu realmente precisava dele. — Antes de tomar posse dessa brincadeira eu mesmo?
            — Comece por se livrar dessa calça, eu quero ver você.
            Talvez eu não devesse ter pedido isso, porque meus olhos já estavam adaptados às sombras do quarto, e assim que ele me atendeu ficou difícil não pensar apenas no quão fácil seria para mim chegar ao auge enquanto o observava, mas eu tinha começado uma coisa e pretendia concluí-la, então voltei para a cama e o puxei para mim, obrigando-o a se deitar ao meu lado novamente. Inclinei-me sobre ele e continuei o que estava fazendo, mas desta vez não fui devagar. Eu gostava da sensação de tê-lo em minhas mãos e de como seu coração se acelerava enquanto eu ditava o ritmo, antecipando ou adiando seu orgasmo até chegar no ponto em que nada mais poderia retardá-lo, que era onde ele tinha chegado agora.
            Ele apertou meu mamilo entre os dedos e gemeu, enterrando o rosto em meus cabelos. Senti-o se derramar sobre mim enquanto beijava seu pescoço, saboreando seu prazer e acariciando seus músculos retesados. Ainda continuei por um tempo, acariciando-o muito mais lentamente agora, apreciando a sensação do calor que escorria por meu pulso e seu corpo trêmulo voltando ao normal. Eu estava em chamas, mas tinha valido a pena. Poder dominá-lo ao mesmo tempo em que dava o que ele queria me fazia sentir fenomenal.
            Ficamos parados por um tempo, envoltos em gestos de amor e palavras não ditas, abraçados um ao outro e às sensações que não queríamos que desvanecessem. Os minutos correram suaves e eu pensei que talvez pudéssemos adormecer de novo, mas ele me afastou com cuidado e se levantou. Preguiçosamente, observei-o umedecer uma toalha e cuidar primeiro de mim, depois de si mesmo. E pelo olhar em seu rosto enquanto o fazia, me contemplando sem no entanto me encarar de verdade, percebi que nem todas as sombras tinham se afastado de sua cabeça, tampouco as questões da minha.
            — Estava sonhando com sua irmã outra vez? — perguntei suavemente. Os pesadelos envolvendo a morte da menina eram os que mais o afetavam, por isso imaginei que se tratasse disso.
            Logan balançou a cabeça de um lado para outro, ainda sem me olhar. Quando não havia mais como fingir que estava ocupado, ele voltou a se deitar em nossa cama, de frente para mim. Por um segundo, ele me olhou como se estivesse tentando se decidir sobre o que dizer, então suspirou e resolveu ceder ao meu olhar inquisitivo.
            — Foi uma lembrança minha dessa vez.
            Aquilo me desconcertou. Logan tinha sempre vivido na segurança do mundo das Almas antes de me conhecer, alheio a qualquer emoção que não pudesse rechaçar e a quase todas as ações que não tivessem a ver com o cumprimento de seu dever. Na verdade, nada muito além de patrulhas e mapeamento de territórios depois que as inserções acabaram e nossa espécie se instalou plenamente no planeta.
            — Uma lembrança sua? Mas... Você parecia... Parecia algo realmente ruim — afirmei, sem achar necessário elaborar uma pergunta de fato, como se essas palavras entrecortadas formassem um pensamento completo e perfeitamente compreensível para ele.
            — Peg — ele disse simplesmente, e eu soube no mesmo instante que ele estava falando da noite do tiroteio. Daquela madrugada longínqua e brutal em que tudo começou.
            Nós quase nunca falávamos sobre isso. Não parecia sábio revolver os sofrimentos do passado quando o presente que resultou dele era tão pleno de amor, amizade e perdão. Entretanto, aquele dia jamais se tornaria uma lembrança amena e distante para nós. A primeira coisa que senti quando vim a este planeta foi a dor emocional e física daquele acontecimento. E por isso eu sabia que aquilo jamais seria esquecido por nenhum de nós envolvidos.
            — Você não pode se culpar por isso, amor. Só estava fazendo o que achava certo. Você mesmo disse isso — falei, acariciando seu rosto e tentando transmitir a convicção que de fato sentia.
            — E eu não me culpo. Esse é o problema. Eu não senti nada quando fiz aquilo, Estrela. Nada. Depois de todo mal que tinha sido feito a ele, ao Logan humano, eu devia ser mais capaz de compaixão. Era o que devia prevalecer sendo eu uma Alma.
            — Você sabia que ela não ia morrer. Não estava simplesmente eliminando Peg, atirando para matar como se não se importasse. Estava cumprindo uma missão que acreditava ser a serviço de nossa espécie, até mesmo da própria Peregrina.
            — Eu quis atirar nela. Podia tê-la deixado fugir, podia ter esperado por meus companheiros e continuado a persegui-los. Mas eu sequer considerei outra possibilidade que não fosse eliminar o problema.
            — Não diga isso...
            — E atirei em Ian depois.
            — Ele ia te matar.
            — Eu me importava menos com isso do que com deixá-los fugir.
            — Logan...
            — Eu odiava os humanos, Estrela, achava que eles eram um tipo de praga que deveria ser eliminada. Foi isso o que eu fiz com os sentimentos que herdei do humano que estava aqui antes, enchi meu coração de desprezo pela espécie e pelo mundo dele, pela própria vida que eu levava em seu lugar. Não vou me culpar por sermos quem somos. Somos Almas e precisamos de hospedeiros. Mas muito embora eu não estivesse preparado para o que este me fez sentir, mesmo que o Mundo Cantor nunca tenha exigido que eu carregasse o peso que veio com este corpo, acho que eu devia honrá-lo, melhorá-lo, corrigir o que havia de quebrado dentro dele. Mas eu não fiz isso. Acho que nunca serei capaz de fazer.
            Então eu entendi. Quer dizer, era infinitamente mais complexo do que eu tinha imaginado de início, mas eu entendi. Logan estava com medo. Estava apavorado com a raiva, com a dor, com a frieza calculada que tinha herdado do outro, mas que não conseguia mais afetar. Estava com medo de não ser capaz de lidar com os sentimentos desencadeados pelas lembranças com que vinha sonhando.
            — Quem é você? — questionei num rompante.
            — O quê? — Logan perguntou com a sobrancelha arqueada e um meio sorriso que refletia um misto de confusão e divertimento.
            — Responda. Diga a primeira coisa que te vem à cabeça — incitei, beijando seu queixo, seus lábios, seus olhos. Ele riu baixinho, mas parecia intrigado e sabia que só ia entender aonde eu queria chegar se me respondesse.
            — Tudo bem... Eu sou seu marido. E pai da Lindsay. Essas são as coisas mais importantes em que consigo pensar.
            A resposta aqueceu meu coração. Eu não precisava ouvir mais nada, mas ainda queria que ele compreendesse certas coisas.
            — Sim — confirmei, beijando seu nariz. — E é o melhor marido e o melhor pai que suas meninas poderiam querer. Mas o que mais? Isso é muito, mas você não é só isso.
            — Sou um ex-Buscador.
            — E o que isso significava e continua significando para você?
            — Eu protejo. Essa é minha função. É o que eu sempre vivi para fazer.
            — Você faz isso muito bem. Estamos tendo esta conversa justamente por isso. Porque você protegeu seu melhor amigo, salvou a vida dele. Sequer pestanejou quando precisou fazê-lo. Mesmo que houvesse o risco de pagar um preço. Suas lembranças, seus questionamentos são o preço que você pagou por aquele dia, mas você jamais trabalharia para esquecê-los. Você quer proteger a memória do Logan humano tanto quanto quis proteger Jeb.
            — O que isso quer dizer?
            — Diga-me o seu nome.
            — Estrela, eu... — Mantive meu olhar firme, de um jeito que o deixava saber que eu não desistiria da pergunta. — Tudo bem. Meu nome é Logan Smith.
            — Só isso? Diga-me o seu nome. Diga quem você é. Quem sempre foi e quem se tornou.
            Minha mão passeou por todo o lado de seu corpo, percorrendo a perna entrelaçada à minha, esperando o momento em que, presumivelmente, a confusão em seu rosto seria substituída por entendimento. Por fim, aconteceu:
            — Meu nome é Canção Noturna. Eu sou uma Alma. Eu protejo meus semelhantes porque sempre foi minha natureza, mesmo antes de chegar aqui. E sou um humano também. Um pai, um marido, um amigo. Meu nome é Logan Smith. Também.
            — Sim, você é todas essas coisas. E isso te faz forte. Você é uma Alma, e é um homem bom. O Logan Smith que primeiro usou esse coração também era, mas, como você mesmo disse, ele estava quebrado por dentro. Você não. Você honrou o coração e a vida dele ao preenchê-los com amor. E é por isso que eu sei que você não precisa temer conhecê-lo, não precisa temer o quanto isso pode te transformar, porque não importa quanto dele você carregue em si, vocês não são iguais. Ele fez o melhor que pôde, mas você é mais forte.  E não está sozinho. Nunca vai estar enquanto for capaz de amar.
            Logan me olhou nos olhos e tantas coisas passaram por seu semblante que eu jamais conseguiria definir racionalmente, mas eu senti. Foi isso que realmente me importou. Ele segurou meu rosto entre as mãos e me beijou. Com carinho. Amor. Devoção. Tudo o que eu sentia por ele, mas não conseguia expressar com meu corpo com a facilidade com que ele conseguia. Apenas, talvez, com minhas palavras.
            — Eu amo você, Logan. Um pouco mais a cada dia que passo ao seu lado. Muito mais a cada parte de si que você me dá a conhecer. O passado não vai mudar. Nada do que aconteceu com o Logan humano ou o quanto ele foi triste, nada do que aconteceu com você ou o jeito como lidou com essas coisas antes. Mas você mudou. E continua mudando todos os dias. Para melhor. Se eu precisasse de uma razão para te amar, escolheria essa.
            — Você me ama porque é extraordinária — ele disse, beijando minha testa e me olhando ainda mais de perto, colando nossos rostos. — Porque sempre foi capaz de ver o que eu deveria ser ao invés do que eu era e continua fazendo isso. E eu continuo acordando todos os dias para merecer esse amor, para ser o homem que você precisa até o fim.
            — Você é. Sempre foi. Mesmo quando nenhum de nós dois tinha percebido isso — falei e ele riu. Um gesto suave e aliviado que o deixou ainda mais bonito do que era.
            — Você pelo menos tinha um desculpa. Os sentimentos de Peg estavam te deixando confusa, mas eu só estava sendo teimoso mesmo. Tentando me convencer de que só passava o dia todo ao seu lado porque tinha uma missão a cumprir.
            — Mas você tinha. E eu dificultava ao máximo sua vida. Acho que a teimosia foi o traço em comum que nos uniu.
            — Não, não foi isso. — Ele riu outra vez, depois começou a afagar meus cabelos e o sorriso foi substituído por uma expressão terna e pensativa. — Por mais adorável que fosse sua teimosia, foi a forma como você me deixava perdido. Esse misto de fragilidade e fortaleza que me deixava sem saber como reagir a você. Até hoje eu não sei bem.
            — Você sabe, sim.
            — Ainda tento proteger você de tudo... — confessou parecendo um pouco envergonhado, como se soubesse que eu nem sempre precisava ser cuidada, mas que agir assim fosse algo que ele não pudesse evitar.
            — E não creio que isso vá mudar — disse eu, porque era uma conclusão muito simples. Essa era sua natureza, a maneira como ele se relacionava com o mundo. Uma característica que era tão forte nele quanto tinha sido em seu hospedeiro e da qual eu jamais me ressentiria. Como eu poderia não amar algo que o definia? — Mas eu não quero mesmo que mude, porque eu gosto desse seu jeito. Só não me proteja de você. Preciso que você fale comigo. Quero compartilhar as coisas com meu marido.
            — Eu entendi. Desculpe por ter demorado. Posso ser meio cabeça dura às vezes.
            — Às vezes? — provoquei, e isso fez com que ele desse outra de suas risadas adoráveis e em seguida me “atacasse”, prendendo meu corpo sob o dele e me enchendo de beijos que provocavam cócegas e me faziam rir também.
            Aos poucos, porém, as carícias foram ficando mais sérias, mais intensas e meu corpo reagiu tão rápido que era como se não tivéssemos parado o que tínhamos começado antes.
            — Eu também te amo, Estrela — ele disse, enquanto acariciava meus braços, colocando-os acima de minha cabeça. Uma das mãos segurou meus pulsos e a outra correu displicentemente por meu corpo. — Do mesmo jeito e com a mesma loucura desde que parei de lutar contra mim mesmo. Nunca vou te dar menos do que tudo de mim.
            A mão que me acariciava desceu devagar por minha barriga e um dedo ágil me penetrou de repente, explorando com delicadeza meu interior. Um segundo dedo veio em seguida e o polegar passou a estimular meu ponto mais sensível de forma quase enlouquecedora. Todos os meus sentidos estavam em alerta, na proporção inversa em que meu raciocínio se perdia em devaneios agradáveis. Os dedos dele faziam círculos dentro de mim e comecei a me mover de encontro a eles, querendo-os mais fundo. O tempo todo, Logan não desviava os olhos dos meus e o quanto ele parecia gostar disso era quase tão bom quanto seu toque lascivo. Quase.
            — Se você quer que compartilhemos tudo, assim será — ele disse. — Começando por te mostrar o quanto sou louco por você.
            Arfei quando seus dedos deslizaram lentamente para fora, sentindo-me subitamente vazia. Mas então eram seus lábios que estavam lá, sugando, alternando-se com a língua que me explorava habilmente. E a barba. Céus! A barba tinha sido uma excelente ideia. Eu queria que ele fosse mais rápido, mais fundo, e enterrei meus dedos em seus cabelos macios, inclinando meu quadril em sua direção. Minha necessidade desesperada foi prontamente atendida e senti a febre dentro de mim aumentar até uma urgência dolorosa.
            Suas mãos se infiltraram sob meus quadris, contornando minha bunda com firmeza, e quando ele empurrou minhas pernas para trás, deixando-me mais aberta para receber sua boca, eu soube instintivamente o quanto o que eu desejava era iminente. Segurei os cabelos dele com mais força quando a ponta de sua língua provocou meu ponto sensível, circulando-o com vigor e precisão.
            Quando Logan levantou os olhos para mim só havia luxúria neles, e embora sua boca continuasse trabalhando, senti um sorriso de quem planejava o golpe de misericórdia. Embora eu não pudesse ver, percebi o movimento. Ele estava dando prazer a si mesmo enquanto antevia meu orgasmo e isso fez com que este viesse com mais força, como se todos os processos químicos capazes de provocar explosões estivessem acontecendo entre minhas pernas.
            Todo meu corpo gritava porque eu o queria dentro de mim, queria seu cheiro embriagando minha boca, sua voz arranhando minha pele, a visão de seus músculos salpicados de suor sob minha língua. E queria seu coração também, as palavras doces e as afiadas. Eu queria tudo. Assim como ele disse que me daria.
            — Eu quero...
            — Eu sei.
            Como se eu não pesasse nada, seus braços hábeis me viraram e me puseram de joelhos, uma de suas mãos acariciou minhas costas, empurrando-me para a posição em que ele me queria enquanto a outra explorava minha bunda. Meus sentidos estavam aguçados e minha pele quente recebeu com prazer inusitado uma palmada brincalhona, o som e o leve ardor me distraindo por um segundo, longo apenas o suficiente para que ele me preenchesse enfim.
            Eu sempre recebia esse momento como um choque bem-vindo, não importava o quanto estivesse preparada e ansiando por ele, e isso só colaborava ainda mais que as sensações recentes se encadeassem às presentes, gerando uma expectativa avassaladora. De repente, eu estava perto de novo, escalando rumo ao ápice, como se o orgasmo anterior não tivesse realmente chegado a acabar. E acho que não tinha mesmo. Naquele momento, eu não tinha mais certeza de nada além da iminência esmagadora de um novo prazer.
            Logan segurava a minha cintura com força, puxando meus quadris de encontro aos dele, mantendo um ritmo firme e constante que não tinha mais nada da delicadeza normal de seus carinhos amorosos. Quando estávamos entregues um ao outro éramos diferentes, mais primitivos, menos cuidadosos. E era exatamente isso que eu queria, do que eu gostava.
            Tentei isolar as sensações. Suas mãos ásperas e fortes aferradas à minha pele febril. Suas coxas rígidas contra a parte de trás das minhas. Seu silêncio obstinado e contido, quebrado apenas pela respiração ritmadamente acelerada. A rigidez quase colérica que se movia dentro de mim. Rápida, forte, mais e mais fundo.
            E então eu estava lá novamente, na beira do abismo, segurando a respiração porque o próximo movimento, ou o outro ainda, ou o seguinte, me faria cair. E sem dor alguma eu atingiria o chão e sentiria meu corpo se despedaçar ao redor do dele, refazendo-se em seguida para não perder a nova onda prestes a quebrar contra estas pedras em que me choquei. E quando eu não tinha mais forças para me desfazer de novo, tombei para trás com as costas contra seu peito, minha cabeça pendendo em seu ombro.
            Mas ele não parou.
            Prosseguiu com seu domínio implacável sobre o corpo que eu não controlava mais e que era dele para fazer o que quisesse. Até que ele mesmo se desfez, como deve ser, inevitável, abraçando-se a mim com abandono e desespero, gemendo baixo em meu ouvido, em minha boca que se virou para engolir seu som.
            Nossos corpos permaneceram unidos por um tempo cuja noção eu perdi. Abraçados. Irrevogavelmente fundidos. Eventualmente nos deitamos. E quando nos entregamos ao sono, exaustos como estávamos, talvez nossas mãos tenham se separado. Mas nossas almas, não. Quem nós éramos, quem tínhamos nos tornado nesta Terra, existiria sempre como um só.
                       


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