sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Capítulo 8 Entre a Luz e as Sombras

Capítulo 8 – Revelação

In my eyes
Indisposed
In disguise
As no one knows
Hides the face
Lies the snake
The sun
In my disgrace
Boiling heat
Summer stench
'Neath the black
The sky looks dead
Call my name
Through the dream
And I'll hear you
Scream again
Black hole sun
Won't you come
And wash away the rain?
(Black Hole Sun – Soundgarden)

A mãe de Marina não conseguiu sair da escuridão. Às vezes o buraco em que caímos é simplesmente fundo demais.
Ela realmente tentou, agarrando-se com força à esperança de voltar a ser quem era, de encontrar em meio a seus sentimentos destruídos e lembranças fragmentadas, a essência de quem ela foi um dia. Mas acho que era como estar perdida num corredor escuro, lutando para abrir a porta certa, quando havia portas erradas demais.
Por trás de uma delas, um resquício de um passado que ainda era perigosamente presente. Havia uma dívida, uma rixa e as pessoas erradas no caminho. E houve o fim.
Não foi lento, nem especialmente sofrido. Foi apenas o desaparecimento, o cessar de uma vida desperdiçada.
Eu nunca consegui, de fato, gostar dela. Sou humana em essência, portanto, o que me define é a imperfeição. Porém, lamentei sinceramente sua morte. É impossível não lamentar quando o fim, ainda que anunciado, interrompe o que poderia ter sido.
Marina sofreu estoicamente o fim de suas esperanças, o término de uma nova história antes mesmo que tivesse começado, mas temo que ela jamais tenha realmente acreditado que seu sonho se realizaria.
Eu fiquei ao lado dela e deixei que sofresse à sua maneira. Acho que, muitas vezes, só o que uma pessoa pode fazer para te ajudar é deixar você sofrer do jeito que escolher. O jeito de Marina foi sofrer calada. Mas chegou o dia em que a alegria gritou e o silêncio na alma dela teve que ceder. A alegria veio através de um choro de criança. Nosso bebê.
Depois disso, ela voltou a sorrir. Com o tempo voltou também a estudar e a pensar no futuro. Quando a deixei, sabia que ela estava também forte o suficiente para amar de novo. Pergunto-me se ela encontrou alguém. Se é feliz e se achou um homem bom que a amparasse. Às vezes é tão difícil manter-me afastada! Se pelo menos eu soubesse como eles estão...
Mas foi melhor assim, não foi? Se eu os procurasse, se os observasse e descobrisse que estavam sofrendo, como poderia impedir a mim mesma de interferir e estragar os planos divinos para eles?
Balanço a cabeça livrando-me desses pensamentos. Dezoito anos se passaram desde então, mas nunca, nunca deixou de doer quando penso neles. E, sabe-se lá por que, ultimamente tenho pensado neles o tempo todo. Bem, talvez fosse porque, há cerca de seis meses, resolvi voltar para a cidade onde nos conhecemos. De certa forma, senti que tinha chegado o momento de estar novamente perto deles, à espera do dia que eu mais tinha desejado, o dia em que os veria de novo.
É, faz sentido, gênio! Estar perto deles faz você pensar mais nas coisas do passado, sua coisinha perspicaz!
E aí está ela! Acho que não contei que tenho uma mente malcriada e ligeiramente auto-depreciativa, não é? Pois tenho. E é essa a minha única companheira recorrente nos meus dias solitários. De maneira que mesmo que ela às vezes me faça sentir um lixo, acabei me afeiçoando a ela. E também acabei falando de uma parte de mim mesma na terceira pessoa. Vai entender!
Deve ser porque sou sua parte inteligente, resmunga ela, mas eu ignoro porque estou muito ocupada em encher os vidros de catchup e repor os guardanapos de cada uma das mesas do bar onde trabalho. Além disso, há outras tagarelices à minha volta que me forço a escutar.
— Caramba! Acho que quero ter os filhos dele!
Essa é Paty, minha única amiga e também minha colega de trabalho. E esse é o jeito dela de dizer que achou um homem bonito.
— Ai, Paty, desse jeito, daqui a pouco você será mãe da próxima geração inteira — reclamo mal-humorada, sem sequer levantar os olhos do que estou fazendo.
— Não se ele aceitar casar comigo! — brinca ela, ignorando minha rabugice.
Isso é o que eu mais amo em Paty, o mundo para ela é do jeito que ela quer que seja. Ela é sempre alegre, brincalhona e provocadora, e se você não estiver no clima para isso, azar o seu! Ela é daquelas pessoas capazes de ignorar totalmente aquelas barreiras que impomos para nos proteger dos outros.
Eu, por exemplo, costumo fazer a linha moça séria que não se abre para ninguém. Embora eu trate todos com educação, presteza e simpatia, a maior parte das pessoas opta por tomar minha seriedade por sisudez e acaba me deixando em paz, sem falar muito comigo. É mais fácil dessa maneira, para eles e para mim. Tenho que manter as pessoas a uma distância segura, não posso ter amigos. Para alguém como eu, amigos são perigosos. Cedo ou tarde, acabam descobrindo coisas demais sobre nós.
Por isso levo minha vida sem deixar ninguém se acercar além da conta e, mesmo assim, cada vez que tenho que me mudar e sumir da vista dos poucos conhecidos de quem acabo me aproximando um pouco, termino com meu coração em frangalhos.
Não poder ter amigos é outro dos meus fardos, mas estou acostumada a manter as pessoas à distância. Só que isso não funcionou com Paty. Ela simplesmente ignorou toda e qualquer barreira que eu tenha colocado entre ela e o seu desejo de ser minha amiga, e entrou bagunçando tudo ao redor com seu jeito de pequeno furacão.
Além do mais, devo admitir que não me esforcei muito para impedi-la. De quando em quando, preciso de um amigo para não enlouquecer, embora imaginar a hora em que terei que deixá-la estraçalhe meu coração. Então, como sempre, tento não pensar nisso quando vejo seu agradável sorriso de covinhas.
— Preparada para mais uma sexta-feira? — pergunta ela, mudando de assunto enquanto me tasca um beijo na bochecha a título de cumprimento.
— Rock on, baby! — respondo, fazendo-a rir e levantar os dedos no gesto universal dos roqueiros.
Paty e eu trabalhamos como garçonetes num bar onde todo fim de semana tem um show de alguma banda amadora de rock, em geral, tocando covers de bandas famosas. Nos dias de semana, quando o movimento é menor, apenas a cozinha e o bar funcionam normalmente e a música alta das bandas é substituída por DVDs de shows transmitidos por dois telões.
Eu gosto de trabalhar como garçonete. É um trabalho que me mantém em constante contato com as pessoas sem que eu precise me preocupar que elas invadam meu espaço pessoal. Em geral, os frequentadores de um bar estão alegres — ou bêbados — demais para se preocupar com a vida alheia. E estando aqui, eu também posso ajudá-los e impedir que façam besteiras quando estão embriagados demais para dirigir ou sequer andar até um ponto de ônibus. Logo no começo, me encarreguei de cair nas boas graças de um taxista daqui de perto, e ele me faz um desconto quando o passageiro se recusa a pagar porque não se lembra de ter chamado um táxi. Eu não me importo de gastar meu próprio dinheiro com isso, embora João, o taxista, já tenha deixado muito claro que acha isso um absurdo e só faz porque eu sou “tão legal” com ele, ajudando-o a cuidar de sua filhinha quando a mulher precisa sair para um dos bicos que complementam a renda deles.
Além do mais, eu gosto da música. Não existe nada neste mundo que me traga mais paz. Hoje é uma banda chamada Seattle, que canta músicas das bandas grunge dos anos noventa e mais algumas de composição própria. É começo de noite e eles chegaram com antecedência para poder passar o repertório e preparar os instrumentos. Dentro de meia hora abriremos o bar e logo eles começarão a tocar.
Gosto de grunge e certamente admiro o fato de eles terem chegado com antecedência, mas neste momento só consigo pensar no chão que preciso limpar para ser, dentro de pouco tempo, pisoteado e sujo novamente.
— Poxa vida, Clara! Eu aqui dando o maior mole e ele não tira os olhos de você! — diz Paty, referindo-se ao vocalista da banda que ela tinha escolhido como o novo pai de seus futuros filhos.
— Eu não ligo, Paty. Ele só deve estar nos sondando para ver com qual de nós vai conseguir alguma coisa. Faça bom proveito. É só você continuar dando mole que cedo ou tarde ele desiste de mim e olha só pra você.
— Ah, obrigada, Santa Clara! Eu aceito a oferenda. Deus livre uma freira como você de beijar um roqueiro gostoso! Mas acontece que ele só teve olhos pra você desde que chegou. Se você tivesse desgrudado os seus desses frascos de catchup e olhado pra ele um segundo, teria percebido isso. Por que ele olharia pra mim?
Freira!? Santa!? Não, nem perto disso.
— Ele vai olhar pra você porque não pode ser tão burro de passar a noite ignorando o quanto você é maravilhosa.Você está linda hoje, aliás.
— Obrigada — diz ela, piscando os olhos pra mim para exibir sua maquiagem carregada, mas totalmente apropriada para uma garçonete do On The Rocks, e que combina perfeitamente com nossos uniformes pretos de saias rodadas e curtas e botas de cano longo que arrebentam nossos pés.
Paty para em minha frente e se curva para me olhar nos olhos enquanto faço meu serviço. Ela solta um suspiro e sei que é seu suspiro preciso-perguntar-uma-coisa-séria.
— O que foi? Pode falar — encorajo.
— Amiga, eu juro que não ligo. Você é minha irmã e eu te amo.
Ela para aí um momento e mentalmente agradeço, porque sua declaração me pega totalmente desprevenida e meu coração se enche de uma ternura praticamente insuportável por ela, um sentimento que me faz sentir desarmada. Não posso ficar desprotegida quando Paty me faz perguntas. A curiosidade dela é perigosa. Não obstante, enquanto desabo, ela se arma para continuar.
 — Mas já que você não diz, eu preciso perguntar... — Nova pausa dramática ao melhor estilo Paty: — Você é lésbica?
— Paty! — repreendo-a sem muita convicção, pensando por um momento se não seria melhor deixá-la pensar assim.
Depois de ponderar por um segundo, porém, percebo que aí ela tentaria me arrumar uma namorada, o que me colocaria em situação ainda mais complicada, então ensaio uma meia-verdade qualquer, mas não tenho realmente tempo de formular nada, porque Paty começa a parecer arrependida de sua pergunta súbita.
— Olha, desculpe, mas é o que todo mundo fala. Eu não ligo mesmo, por isso só fiquei esperando você me contar, mas a verdade é que é mais fácil extrair um dente de você do que uma informação espontânea! E então, você é homossexual?
— Não, Paty — confesso suspirando, porque não quero ter aquela conversa com ela ali, no meio do bar, ou em qualquer outro lugar que seja, para ser bem sincera, mas sei que minha cota de mentiras e omissões já é grande demais. Então decido eliminar a necessidade de mais uma. — Não sou homossexual. Eu só não tenho vontade de namorar.
Isso até que é bem próximo da verdade. Se não posso ter amigos, quem dirá um namorado? O que eu diria para ele? A verdade? O amor é, basicamente, a única razão para que alguns de nós optem por abrir mão de seu chamado, mas temos também o que parece ser uma espécie de proteção natural contra ele. Relacionamentos amorosos simplesmente não me interessam. Nunca aconteceu. Simples assim. Não é que eu ache impossível. Não tenho o “corpo fechado” para o amor ou algo do tipo. É só que não é uma coisa em que eu pense ou algo que deseje, mesmo que remotamente.
— Como assim, Clara? Que espécie de bobagem é essa? Eu também não curto relacionamentos sérios, mas estamos falando só de dar uns “pegas”. Todo mundo precisa de um pouco de calor humano. Francamente, às vezes acho que não tem limites para a sua esquisitice! As únicas pessoas que pensam assim são aquelas que foram magoadas... — Paty faz outra de suas pausas, desta vez deixando seu rosto se iluminar com alguma descoberta obviamente muito sagaz. — Espera aí! É isso, não é? Alguém te magoou. O que foi? Você foi traída?
— Er... Sim, foi isso! — Ufa! Outra coisa que eu adoro em Paty é que ela sempre cria suas próprias respostas, o que é um verdadeiro alívio, mesmo para uma mentirosa escolada como eu.
Ironicamente, mentiras são ossos do ofício, pensa minha mente malcriada. Então que mal tem em aproveitar o embuste que ela mesma criou?
— Podemos não falar a respeito? Eu não quero pensar nisso. Ainda mais numa sexta-feira grunge.
— É isso aí, garota! Deixa este cretino pra lá e vamos nos divertir.
— Claro! Mal posso esperar pelo show.
— Aham, eu também. Só preciso dar um pulo lá nos fundos para colocar o uniforme e estarei pronta pra tudo. Porque hoje é sexta-feira, baby! — diz Paty, arrematando a sua parte da limpeza do chão e, minutos depois, sumindo em direção ao banheiro.
E eu fico aqui, sentindo-me culpada e ao mesmo tempo aliviada por ter encontrado uma mentira que sossegasse a curiosidade dela por um tempo e que me garantisse alguns dias livres de perguntas.
Claro que mentir ou “retocar a verdade”, como gosto de chamar, não é nada agradável. Eu sou um anjo, pelo amor de Deus! É lógico que sei que é incoerente. Mas eu também sei que é necessário e que, desde que essas mentiras não prejudiquem ninguém e sirvam para me proteger, posso “acertar minhas contas” lá em cima depois. Também humana e tenho direito à imperfeição e ao erro. Além disso, vivo em sociedade. É parte essencial de meu chamado que eu esteja perto de outras pessoas. Sendo assim, como é possível ser verdadeira, ou mesmo apenas omissa, cem por cento do tempo?
Resolvo parar de pensar nisso e enquanto ajeito o bar me concentro nos sons. Não passam de pequenos ruídos inarticulados dos instrumentos sendo afinados.
Céus, quantas cordas tem uma guitarra? Seiscentas? Demora tanto assim pra afinar?
Então eles começam a tocar.
Os primeiros acordes de Black Hole Sun[1] começam a se insinuar pelas frestas de meus escudos e vou ficando vulnerável, frágil. Sei que nos próximos instantes estarei longe, pensando em um sol negro que suga tudo ao seu redor, sei que estarei pensando na luz que todos carregamos e nos buracos negros que existem em cada uma de nossas almas paradoxais. Sim, sei que soo como uma maluca, mas não posso evitar.
O garoto começa a cantar e a voz dele é linda e puxa meu olhar em sua direção pela primeira vez. É quando algo estranho acontece. Cores e sons se misturam num segundo de sinestesia eletrizante quando o vejo. Sua voz é sorrateira e entra em mim como uma intrusa bem-vinda, desfazendo-se em minúsculos pedacinhos que se diluem em minhas veias, fazendo coisas com meu sangue que vozes não deveriam fazer com sangues. É intenso e perfeito.
Ele é lindo, alto, forte. Tem uma pele pálida e os cabelos castanhos claros, quase louros, e olhos cor de mel em formato amendoado. Ele sorri enquanto canta e sei que está possuído pela música. Está vivendo num mundo só dele e tem um jeito encantador de fechar os olhos devagar e abri-los com cuidado, deixando escapar em breves vislumbres a magia que acontece dentro de seu coração enquanto se deixa levar pela música.
Nem preciso de meu dom para enxergar a luz ofuscante que emana dele. Quando saio de meu torpor e o observo fechar os olhos mais uma vez eu sei, no mesmo instante em que ele os abre novamente, que ele é um de nós.
Ele é como eu.







[1] Soundgarden, do álbum Superunknown, de 1994.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

mv-capítulo-7

Não sabia ao certo de onde havia removido forças e autocontrole para apenas ver Bella seguir com Alice e não se permitir ir junto, suportar toda a noite ao lado dos outros quando sua mente e aquela parte que a um século não batia, parecia revirar em agonia para estar com ela.
A ideia de Siobhan para treinarem suas mentes contra os ataques de Jane serviram apenas para amenizar sua agonia, sua mente cansada com sua luta assim como a luta dos outros, permanecia em Bella.
Jasper compartilhava de sua agonia. Assim como lia em sua mente a culpa, suas tentativas de não deixar escapar o quanto se sentia culpado, imaginando que sem sua provocação ao decapitar Alec, Aro não teria a desculpa perfeita para atacar os Cullen.
– Sabe melhor do que eu que não teve culpa, Aro só esperava por uma desculpa. Se ele não encontrasse, certamente ele criaria – disse em um tom que apenas ambos e Carlisle, que estava mais próximo conseguiria ouvir.
 Por acaso conseguiu ver o que os lobos estão escondendo? – retrucou fugindo do assunto.
 Não. Até mesmo a mente de Jacob aparenta uma letargia, suas imagens vivas estão apagadas, fragmentadas.
 Isso poderá ajudá-los quando Jane ou Aro atacá-los.
 Certamente, mas não gosto disso. Mas não posso forçar, eu sou um grande perigo aos nossos planos.
“Aro quer as duas, Edward. Não falei antes, mas tenho a certeza de que ele não virá com apenas uma frente de batalha.”
– Eu penso o mesmo.
“São nossas parceiras, manteremos entre nós. O máximo possível!”
Enquanto a chuva finava e a noite escura aos poucos dava lugar ao céu claro e alguns lobos se aproximavam, Edward permaneceu atento a cada mente, mesmo com varias tentativas de dissipar as vozes e imagens em sua mente.
De olhos fechados permitiu que cada imagem de Bella passasse como um filme, o primeiro olhar, seu humor acido e defensivo. Sua postura despreocupada, o olhar arrogante ao retribuir sua falta de educação.
O olhar inocente na campina se transformando em desejo com sua aproximação, o rosto corado ao tocar seu colo enquanto estava hipnotizado com a linda visão do corpo frágil sobre o manto de flores, o primeiro beijo, a primeira discussão.
A dor da separação, a dor ao encontrá-la com Jacob, quando fui fraco e apaixonado ao extremo para esquecer que sua presença era o pior para ela. A determinação para conquistá-la, o inesquecível sim.
A lembrança de cada momento único passado ao lado dela, cada mínimo detalhe fora lembrado, tempo suficiente para que sentisse o sol sobre sua pele de mármore. Seus olhos dourados cintilavam com os reflexos da enorme esfera vermelha, ainda perdido na visão das labaredas amarelas que escapavam da grande bola de fogo sentiu o cheiro dos lobos.
Antes que pudesse controlar já estava a procurar noticias de Bella. Suspirando frustrado ao ver que os outros nada sabiam além de Quil e Seth estarem cuidando delas. Um grande vazio após isso, antes de surgir em suas mentes imagens e lembranças de amigos, família e suas imprinted.
Apesar de tentar bloquear aquela imagem, assim como o próprio Jacob tentou, ela foi compartilhada. Cindy adormecida em seus braços, a alegria em seu peito ao vê-la dormir serena. Pele com pele.
Rapidamente Jacob bloqueou sua mente para que nada fosse compartilhado com seus irmãos, o sentimento de posse e ciúmes de seu lobo fez todos afastarem suas mentes.
“Pare de invadir nossas mentes, sanguessuga!” – pensou já recuperado da lembrança. – “Elas estão seguras, conviva com isso.” – Jacob se aproximou, mandando uma simples e única imagem de Bella dormindo entre as patas de Quil.
Imagem que não delatou plano algum, Edward nunca estivera entre as terras Quileutes, além da caçada interpelado pelo bisavô de Jacob, não conhecia as terras. Não faria diferença mostrar uma pequena parcela da caverna em que estavam escondidas.
– Vou tentar.
Um uivo cortou o silencio da mata, a imagem de um novato sentindo o cheiro de vampiro tomou o bando, Edward reconheceu.
– Eles estão próximos.
Com esta frase todos pararam as conversas e divagações, seguindo para a beira da grande campina. Um ultimo olhar para o céu, os humanos desconfiariam de algo. Como uma pegadinha, justamente aquele dia seria ensolarado. Um breve olhar para Sam e Jacob ainda escondidos entre as arvores.
Fechou as mãos em punho ao imaginar quantas pessoas estariam em La Push, quantos humanos poderiam presenciar e morrer caso Aro e sua guarda passasse por eles. Quão rapidamente Aro poderia encontrar sua Bella e Alice entre os jovens Quileutes?
Os casais se união, Patrick caminhou o mais próximo de Tanya, pondo-se em suas costas, segurando sua mão. – se sobrevivermos, quero que prometa me dar uma oportunidade.
 Não é hora pra isso, Patrick. – quase rosnou em resposta.
 Sempre é hora para romance, cunhadinha. Vou com sua irmã para onde ela quiser quando tudo acabar – retrucou Garrett beijando o pescoço de Kate.
 Só quero ver quanto tempo essa promessa vai durar!
Patrick não desistiu – Eu sou um traidor, Tanya. Tenho maior probabilidade de não sobreviver a esta guerra –sussurrou deslizando a mão sobre a cintura fina.
 Uma caçada, nada mais que isso – retrucou removendo sua mão.
 Será o suficiente – rebateu colando os corpos e beijando-a sem se importar com os outros.
Sons parecidos com as tossidas antes de um cachorro vomitar foram ouvidas, a matilha presenciou a cena com asco.
“Sexo de vampiros, que nojo!” – pensou Embry.
Em poucos segundos uma enorme fileira de mantos negros cobriram a outra extremidade da campina. Abrindo espaço para que Aro, Marcus e Caius se detivessem no meio, alguns passos a frente da enorme fileira.
Renata estava literalmente grudada às costas de Aro. As esposas eram mantidas ao final da fileira, e assim como houve os que se aliaram contra os Volturi ou a favor, por temerem uma represaria, ainda houve os que apenas foram curiosos o suficientes para ver até onde iria toda a batalha.
Ambos os lados ouviram as poucas e sutis aproximações. Muitos vampiros sentiam o cheiro dos transmorfos, estavam confusos já que o sol estava quase por completo no céu.
Aro percorreu a linha de aliado dos Cullens, seus olhos pousaram irritados em Patrick e Edward, que calou um rosnado ao ver a fúria na mente do Volturi ao perceber que um dos seus fora um traidor e que tanto Bella quanto Alice não estava presentes.
Deu um passo a frente ao ler o pensamento sombrio de Aro, Carlisle e Jasper ergueram a mão como barreira para ele. Aro ergueu a mão olhando para um ponto especifico, todos ouviram o som suave de uma chamada.
– Sim – a voz masculina de Demetri ao fundo.
E desta vez, foi Jasper quem rosnou.
– Rastreias – uma voz desconhecida, vindo do meio da linha de mantos.
Emmett e Rosalie se aproximam de ambos, Emmett tendo uma mão em cada e Rosalie segurou a mão em punho de Jasper. Aro voltou sua atenção para a linha, estrategicamente sobre Carlisle.
– Tornamos a nos encontrar em uma situação desagradável, Carlisle. Seus... filhos me afrontaram e com o auxilio de um traidor, imperdoável.
– Sei exatamente o que aconteceu, Aro.
– Esta ciente e mesmo assim organizou um... pequeno exercito contra mim?
– Sempre estarei apoiando minha família, mesmo quando não fazem algo... aceitável.
– Sinto por você, meu amigo. Mas esta ofensa não passará em branco.
A conversa cordial servia apenas para trazer todo o nervosismo a tona e Jasper esforçou para acalmar e trazer confiança para cada um na fileira de amigos.
– Sinto por esta situação, meu amigo. Mas acredito que não mudou seu caráter e que cada um ao seu lado esta aqui por vontade própria – disse fazendo um breve sinal para sua guarda, sinal captado por Edward. – talvez queiram pensar sobre o que lhes é mais correto e seguro – disse olhando para cada amigo de Carlisle.
– Chelsea esta procurando abertura em nossos laços para dissipá-los. – alertou em um tom ainda mais baixo.
Para o espanto de todos, sendo Volturis ou amigos, nenhum vampiro se moveu. Contendo o sorriso, Edward olhou para Shioban que mantinha o olhar firme em Chelsea.
Sua mente firme no pensamento de que cada um, incluindo os lobos, faziam parte de uma única família e que nada os separariam. Repetia com o fervor maior a cada segundo.
Vendo seu plano fracassar, Aro trincou os dentes, após um olhar confuso para Chelsea que retornou ainda mais confusa.
– Posso ser benevolente com os outros, caso entregue os três que me afrontaram – disse olhando para Edward, enquanto Jane dava um passo à frente, esperando pela permissão de Aro. Seus olhos carmins sobre Jasper esperando sua oportunidade de retribuir o que fez com seu irmão.
Carlisle apenas se pôs entre os filhos, abraçando-os por sobre o ombro. Seu olhar firme – jamais os entregaria sem lutar.
– Como desejar – disse Aro com um sorriso malicioso.
Não fora preciso mais palavras para que Jane usasse seu dom, fazendo Jasper ser o primeiro a cair, o maxilar trincado evitando gritar, os lobos uivaram vorazes, dando passos à diante, mas Sam permitiu que atacassem apenas quando a linha de mantos correu em direção aos Cullens.
Zafrina rapidamente usou seu poder contra Jane que ficou primeiramente no escuro e com muita raiva, para logo em seguida ser levada ao fundo de um vulcão. Seus gritos de pavor enquanto se debatia paralisaram a guarda Volturi.
Foram os segundos preciosos para os Cullen. Que se aproveitou para destruir alguns, Jasper se restabeleceu e correu cego em direção a Jane, recebendo um golpe de Felix. Aro seguiu diretamente para Edward.
Já este se encontrava seguindo ate o irmão que lutava em igualdade com Felix, tendo Jane a poucos centímetros. Suas mãos a milímetros de Jane quando percebeu a aproximação de Aro.
Desviou antes que as mãos de Aro tocassem seu pescoço desprotegido, girando vendo-o cair sobre Jane. Antes que outro guarda atacasse-o, este fora decapitado por Tanya e Emmett. Aro rosnou, sua fixação estava em ler todos os pensamentos de Edward, saber onde estava Alice e Bella. Os sentimentos de posse e obsessão chegaram a Edward que rosnou enojado, seguindo até Aro e recebendo um golpe de Caius.
Ambos partiram em sua direção, desta vez Emmett e Tanya estavam ocupados, mas Jacob vendo o que ocorria afundou suas patas na terra fresca, saltando sobre Caius que urrou.
O som de pedras desabando ecoou na campina, Jacob girou caindo sobre Caius, as patas dianteiras sobre o peito de pedra do vampiro, enquanto uma pata traseira afundava sobre o pé do vampiro que gritou empurrando-o. Jacob inclinou com a boca aberta pronto para arrancar um pedaço de Caius quando Aro agarrou sua pata arremessando-o longe.
Cada linha de pensamento de Jacob chegou rápido aos pensamentos de Aro, que sorriu vitorioso ao ver exatamente onde Bella e Alice estavam, mesmo vendo Emmett decapitar Jane, seu sorriso continuou intacto.
 Julius? Ao sul, na colina mais alta. – ordenou para um dos seus guardas.
A ordem com o paradeiro de Alice e Bella fizeram Jasper e Edward rosnarem em sincronia.
 Benjamin? – gritou Zafrina antes de colocar seu poder sobre a maioria dos guardas.
Em um golpe planejado e treinado pelos dois, Benjamin usou seu poder para manipular a terra, grandes blocos se erguiam, solidificando e modificando sua forma, enquanto Zafrina escolhia uma visão dolorosa para os Volturis.
Levando-os ao fundo de vulcão, tendo braços e pernas presos com correntes de lava, com vários filhos da lua sobre seus corpos, arrancando os pedaços. Em sincronia com a terra que apertava o pulso e pernas dos vampiros.
 Vá atrás Edward! Meu dom não alcançou o vampiro. –disse apontando para o guarda Julius.
Sendo assim, Jasper que ainda duelava com Felix lhe golpeou ganhando tempo suficiente para desviar e correr em direção ao vampiro. Felix se recompôs e seguiu até Jasper, mas fora interpelado por Emmett. Assim como Carlisle bloqueou a frente de Aro, Leah e Sam bloquearam Caius.
Sem esperarem por mais uma ordem, Edward olhou para sua família, vendo que a maioria estava sobre o poder de Zafrina e os poucos que ela não pode alcançar eram dizimados por seus amigos, antes de girar e parear Jasper em sua corrida.

sábado, 18 de outubro de 2014

Capítulo 7 Entre a Luz e as Sombras

Capítulo 7 – Perdão

After my dreaming,
I woke with this fear.
What am I leaving,
When I'm done here?
(…)
When my time comes
Forget the wrong that I've done,
Help me leave behind some
Reasons to be missed.
Don't resent me,
When you're feeling empty
Keep me in your memory,
Leave out all the rest
Leave out all the rest...
(Leave out all the rest – Linkin Park)

— Você precisa ir! — insisti, enquanto Marina teimava comigo no banco do carro. — Se não for, depois vai ficar arrependida.
— Ah, eu garanto que não vou! — exclamou ela, cruzando os braços num gesto cada vez mais familiar para mim: a pose de menina teimosa.
— Vai sim. Você pensa que eu não percebi sua cara de preocupação quando você não está ocupada demais fingindo que não liga?
Eu estava me referindo à overdose de Débora. Dias atrás, quando estive em sua casa para falar sobre Marina, ela começou a passar mal na minha frente e eu tive que sair correndo, gritando por socorro. Dona Fátima chamou uma ambulância e Débora pôde ser salva.
Eu tinha ligado diversas vezes para o hospital para saber dela e pude sentir o pânico dar lugar ao alívio nos olhos de Marina quando soubemos que estava tudo bem. Aparentemente, o acontecimento tinha ativado um alerta do tipo “conserte as coisas, senão as coisas consertam você” na cabeça de Débora, porque ela mandou um recado através de Fátima, que tinha ficado com meu número de telefone, pedindo que eu levasse a filha dela lá, pois ela queria se desculpar.
— Tá! Tudo bem. É minha mãe, né? É claro que eu fiquei preocupada, mas isso não significa que eu queira vê-la. Não vai dizer que você acreditou mesmo nesta história de se desculpar?
— Não sei. Talvez seja ingenuidade da minha parte estar insistindo com você para ir lá, mas acho que você deve ao menos ouvir o que ela tem a dizer.
— Por quê?
— Porque ela podia ter morrido e você sabe disso. E você nunca teria a chance de falar com ela de novo.
— Não sei se isso seria tão terrível assim — disse Marina, reassumindo sua máscara de quem não se importa, mas eu sabia que ela entendia o que eu queria dizer. Era um ato reflexo dela reagir com cinismo diante das verdades que lhe causavam dor.
— Não diga isso — respondi simplesmente, lembrando apenas de minha própria dor e do quanto eu daria por um só dia a mais ao lado de minha mãe.
Marina pareceu perceber que tinha “atingido um nervo” e perguntou baixinho, como se falar mais alto pudesse tornar a pergunta mais invasiva:
— Onde está sua mãe?
— Morreu há um tempo. Podemos não falar sobre isso? Falar nela acaba me deixando com muitas saudades.
— Tudo bem.
O resto do caminho foi silencioso, cada uma de nós imersa em suas próprias lembranças, em sua própria dor. Eu, por sentir tanta falta da única pessoa que sabia quem eu era. Ela, por saber exatamente quem era a mãe de quem ela tanto sentia falta, mesmo que ainda estivesse viva.
— Chegamos — disse eu, quebrando o silêncio depois de vários minutos paradas na frente da casa de Débora.
— Você pode entrar comigo? — disse Marina, desistindo de fingir que aquela situação não a afetava.
— Não acho que devo. O assunto é entre vocês duas.
— Por favor. Você é minha única amiga — disse ela, segurando minha mão. — E eu me sinto fraca pra fazer isso sem você.
— Tudo bem. Vamos juntas então.
Tenho que confessar que estava perdida com aquela garota. Toda vez que ela me olhava com aqueles olhos de menina indefesa, eu cedia para praticamente tudo que ela quisesse. Entramos, enfim. Sem bater nem nada, porque Marina tinha uma chave. Débora estava sentada no sofá sujo e rasgado que um dia deve ter sido florido. Agora era apenas um tecido desbotado e manchado.
— Vejo que trouxe a sua guarda-costas. Por quê? Você acha que vou fazer alguma coisa contra você? — disse Débora, assim que me viu.
Marina não gostou de ouvir isso e senti sua mão tremer entre meus dedos. Não era fácil pra ela estar ali. E Débora não parecia querer facilitar. Quando ela se virou pra mim, percebi seu rosto cheio de raiva, medo e frustração. Uma aura negra a envolveu e eu soube o quanto aquele lugar lhe fazia mal. Imersa em sombras, Marina parecia ainda mais com sua mãe: o mesmo rosto, a mesma linha perfeita do maxilar, a pele morena apenas uns tons mais clara, os cachos negros maiores e mais soltos, diferenças sutis. Mas o que era realmente diferente eram os olhos, mais claros, com seu tom quase cor de mel, e infinitamente mais fortes. Ela era só uma menina, mas jamais se deixaria envolver por aquela atmosfera negativa que a mãe lhe trazia. Era simplesmente forte e boa demais para isso.
— Ela não é minha guarda-costas. É minha amiga e está cuidando de mim. Você devia ter mais respeito, porque ela salvou sua vida. Se ela não estivesse aqui pra chamar a ambulância a tempo... — disse ela me defendendo, sua voz rígida mostrando que ela estava no controle daquela situação.
— Tá, tá, não precisa ficar nervosa. Eu sei que você tem razão. Obrigada, loira.
— Não tem de quê — respondi. — Meu nome é Clara, aliás.
— Certo, Clara. Você pode me dar um minuto com minha filha?
— Não! Ela fica! — gritou Marina, interrompendo minha saída.
— Tudo bem — disse Débora. — Eu só queria te dizer que sinto muito por ter feito todas as coisas que fiz com você, e que estou feliz que você tenha encontrado alguém que faz por você o que eu não pude, mesmo se ela quiser alguma coisa em troca.
— Eu não quero nada em troca — me defendi. — Eu só encontrei alguém que precisava de ajuda e ajudei. Não há nada além disso.
— Tá certo, loira. Eu só quero que você saiba que isso é temporário. Quando eu quase morri, percebi que não quero ir embora. Está cedo demais ainda. Os médicos me disseram que eu preciso tomar juízo, porque de outra dessa eu não escapo, que eu já abusei demais do meu corpo e da minha saúde. Eu só dou graças a Deus que a Marina nunca quis se meter com essas coisas. Não sei como, mas ela é uma menina ajuizada. Lá no hospital me disseram que tem uma clínica de reabilitação de caridade, eles vão conseguir uma vaga pra mim lá. Quando eu sair, eu queria tentar de novo, minha filha. Eu queria tentar ser sua mãe. Você acha que a gente consegue?
— Eu... Acho que podemos tentar — respondeu Marina com voz relutante, mas seus olhos se encheram de esperança.
— Você pode me dar um abraço?
Marina hesitou novamente. Acho que não porque ela não quisesse, mas, ao contrário, porque parecia ser algo que ela quisesse muito. É estranha a sensação de finalmente ter diante de si algo que você sempre desejou. Eu toquei as costas dela, impulsionando-a ligeiramente para frente. O primeiro passo forçado pareceu libertar os demais e num instante elas estavam nos braços uma da outra.
— Eu vou sair dessa, minha filha. Eu te prometo.
— É o que eu mais quero, mãe.

O cômodo para mim se encheu de luz. Era algo que eu podia enxergar, mesmo quando ninguém mais podia: esperança.

sábado, 4 de outubro de 2014

Capítulo 6 Entre a Luz e as Sombras

Capítulo 6 – Fantasma

What if I wanted to break?
Laugh it all off in your face
What would you do?
What if I fell to the floor?
Couldn't take this anymore
What would you do, do, do?

Come break me down
Bury me, bury me
I am finished with you
(The Kill – 30 Seconds to Mars)

Era uma casa horrível. Há muitos anos e várias camadas de sujeira atrás, deve até ter sido um lugar aconchegante, mas agora parecia mais um barraco perdido no tempo. Lá de dentro, irradiava uma luz estranha: desespero e maldade. Certos lugares têm uma energia tão forte que eu consigo enxergá-la, ouvi-la até. E o som que vinha de lá era distorcido e perturbador.
Respirei fundo ao me lembrar da criança assustada em minha casa, carregando outra pobre criança em sua barriga. Eu não queria entrar, mas por eles era preciso. Olhei ao redor e não achei uma campainha ou algo do tipo, então bati palmas. Ninguém respondeu. Da casa vizinha, tão pobre quanto aquela, mas infinitamente mais limpa, surgiu uma velha senhora.
— O que você quer, minha filha?
— Queria falar com Débora.
— Ih, menina, a essas horas ela já está em outro planeta!
— Como?
A mulher me observou melhor. Ela não tinha a luz estranha que envolvia aquela casa e irradiava por toda a rua, e pareceu perceber que havia algo de diferente em mim também.
— Você não é uma daquelas amigas dela, não é? Não aquele tipo de amiga que vem para comprar coisas.
Eu entendi o que ela tinha querido dizer, mas não quis que ela soubesse o quanto eu realmente captara a “mensagem”.
— Eu não a conheço, na verdade. Vim aqui falar de Marina.
— Ah, pobrezinha! Aquela coitadinha vive jogada. Sempre que eu posso, trago ela pra casa. Mas eu tenho uma família grande, nem sempre tem lugar...
— Entendi. Ela disse mesmo que tinha uma vizinha que era muito boa com ela – menti, tentando ganhar a confiança da mulher.
Pareceu funcionar, porque ela abriu um enorme sorriso meio desdentado e eu me enterneci.
— Eu sou Clara. Qual é o seu nome?
— Me chamo Fátima. Que nome bonito o seu!
— Obrigada.
— Olha, menina. Você parece uma moça de família, uma pessoa certa na vida. Não vem aqui, não. Deus me livre de ficar falando mal dos outros, mas essa Débora não é companhia pra alguém como você. Se você sabe da Marina, guarde isso pra você, porque é melhor a Débora não saber.
— Por quê? O que a senhora acha que pode acontecer?
— Desde que a coitadinha da menina engravidou, ela está fazendo a vida da pobre um inferno. Eu ouço os gritos lá da minha casa. Acho que ela até bate na filha. Isso não é ambiente para uma menina grávida. Se eu pudesse, tiraria ela daqui, mas não tenho recursos. Sabe como é, a gente é pobre...
— A senhora tem razão. Marina me disse algo muito parecido. Mas, mesmo assim, eu acho que preciso ao menos avisar que a filha dela está bem, a senhora não acha?
— Não, minha filha. Já que você está me perguntando, acho que você devia entrar no seu carrinho e sair daqui pra nunca mais voltar. Mas cada um sabe de si. Você pode entrar sem bater mesmo, porque ela não vai acordar. Deve estar lá, desmaiada. Dá uma espiada primeiro se não tem ninguém lá dentro e depois entra. Mas não vai ter ninguém, não. Essa hora é hora da bandidagem dormir. Só gente honesta está de pé trabalhando. Pode ir, filha, eu fico aqui e, qualquer coisa, você grita. Eu não posso fazer muito, mas posso chamar uns vizinhos, ligar pra polícia, bater em alguém com uma frigideira...
— A senhora bateria em alguém por mim, dona Fátima? Para me proteger?
— Ah, minha filha, pode confiar que eu sou porreta.
Eu ri e não pude evitar dar um beijinho no rosto dela. As pessoas normalmente se surpreendem com minhas demonstrações súbitas de carinho, mas ela pareceu gostar, mesmo que tenha me achado um tanto esquisita.
Eu segui seu conselho e avancei uns passos em direção à porta. Olhei para ela, insegura, mas ela jogou a mão pra frente me incentivando a continuar. Bati na porta e não houve resposta. Girei a maçaneta, enojada com a sujeira, e a porta cedeu facilmente. Pela fresta que se abriu, pude olhar em volta. Era meio-dia, mas dentro da casa parecia tudo escuro. Havia apenas claridade o suficiente para eu ver um vulto de uma mulher prostrada num colchão jogado no canto da sala pequena.
Ela estava de costas para mim, virada para a parede. Entrei e pude ver que havia poucos móveis e nenhum eletrodoméstico visível. Era uma casa muito pobre e meu coração ficou apertado ao imaginar Marina vivendo em meio a essa sujeira com um bebezinho em seus braços.
— Débora — chamei.
— Hum? — houve um gemido em resposta enquanto ela se virava para mim. — Acabou o pó hoje. Não tenho nada pra vender. Agora me deixa em paz!
— Débora! — insisti, falando um pouco mais alto. — Não vim aqui comprar nada. Vim falar sobre sua filha.
Ela se levantou com dificuldade. Via-se que tinha sido uma mulher bonita algum dia, a linha perfeita de seu maxilar denunciava um rosto outrora harmonioso e simétrico, olhos ligeiramente puxados e um lindo tom de pele morena completavam o quadro que agora parecia arruinado.
Tudo nela, desde os cabelos desgrenhados até os olhos indiferentes, parecia opaco. Um fantasma, uma casca, era isso que ela parecia. Mesmo assim, alguma coisa mais feia que a morte parecia movê-la e com um esgar ela disse:
— O que você sabe sobre aquela vadia?
— Por favor, não fale assim dela. Eu só vim dizer que ela está bem. Está na minha casa. Eu vou cuidar dela para você e...
Débora irrompeu numa risada de escárnio:
— Cuidar? Puxa! E eu achando que não tinha mais otários na Terra! Deixa de ser besta, garota. Aquela menina não precisa de ninguém, ela é muito safa. E, olha só, fica esperta, porque senão ela vai transar com seu namorado, como transou com o meu. Bom, pelo menos ele era meu quando resolveu traçar ela também.
— Bem, sinto muito. Eu não sabia disso — falei, fingindo que me importava. — Mas também não faz diferença, eu não tenho namorado.
— Aaaah, então eu já sei qual é a sua. Você joga no outro time, né? Está assumindo a responsabilidade por sua namoradinha.
— Não é nada disso! — exasperei-me. — Mesmo que fosse esse o caso, Marina é só uma menina.
Outra risada pavorosa.
— De qualquer jeito, eu vim apenas te dar uma satisfação — continuei. — De tempos em tempos eu ligo pra dizer como ela está, ok? Mas neste momento, nós duas decidimos que você deve ficar longe dela.
— Não me importa — disse ela, fazendo uma carreira de pó sobre uma mesa de centro toda quebrada. — Só que isso vai te custar.
— Marina me avisou que você diria isso. Mas eu não tenho dinheiro.
— Se vira, vadia! Senão eu vou na polícia.
— Bem, depois do que eu vi aqui seria bem interessante metermos a polícia nessa história. Se eu te denunciasse, o Conselho Tutelar tiraria Marina daqui de qualquer jeito. Eu não ficaria com ela, mas você ia perder seus “negócios” — disse eu, tentando fazer uma ameaça à altura.

Acho que consegui intimidá-la um pouco, porque ela me olhou com um ódio que acendeu seus olhos baços, e então sorveu a carreira com a mesma rapidez com que respirava. Algo pareceu dar errado, no entanto, porque foi como se seus olhos fossem puxados para a parte de trás de sua cabeça e uma espuma grossa começou a sair de sua boca enquanto ela caia de lado, convulsa.

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Entre a Luz e as Sombras

Entre a luz e a sombras. Confira já.