sábado, 18 de outubro de 2014

Capítulo 7 Entre a Luz e as Sombras

Capítulo 7 – Perdão

After my dreaming,
I woke with this fear.
What am I leaving,
When I'm done here?
(…)
When my time comes
Forget the wrong that I've done,
Help me leave behind some
Reasons to be missed.
Don't resent me,
When you're feeling empty
Keep me in your memory,
Leave out all the rest
Leave out all the rest...
(Leave out all the rest – Linkin Park)

— Você precisa ir! — insisti, enquanto Marina teimava comigo no banco do carro. — Se não for, depois vai ficar arrependida.
— Ah, eu garanto que não vou! — exclamou ela, cruzando os braços num gesto cada vez mais familiar para mim: a pose de menina teimosa.
— Vai sim. Você pensa que eu não percebi sua cara de preocupação quando você não está ocupada demais fingindo que não liga?
Eu estava me referindo à overdose de Débora. Dias atrás, quando estive em sua casa para falar sobre Marina, ela começou a passar mal na minha frente e eu tive que sair correndo, gritando por socorro. Dona Fátima chamou uma ambulância e Débora pôde ser salva.
Eu tinha ligado diversas vezes para o hospital para saber dela e pude sentir o pânico dar lugar ao alívio nos olhos de Marina quando soubemos que estava tudo bem. Aparentemente, o acontecimento tinha ativado um alerta do tipo “conserte as coisas, senão as coisas consertam você” na cabeça de Débora, porque ela mandou um recado através de Fátima, que tinha ficado com meu número de telefone, pedindo que eu levasse a filha dela lá, pois ela queria se desculpar.
— Tá! Tudo bem. É minha mãe, né? É claro que eu fiquei preocupada, mas isso não significa que eu queira vê-la. Não vai dizer que você acreditou mesmo nesta história de se desculpar?
— Não sei. Talvez seja ingenuidade da minha parte estar insistindo com você para ir lá, mas acho que você deve ao menos ouvir o que ela tem a dizer.
— Por quê?
— Porque ela podia ter morrido e você sabe disso. E você nunca teria a chance de falar com ela de novo.
— Não sei se isso seria tão terrível assim — disse Marina, reassumindo sua máscara de quem não se importa, mas eu sabia que ela entendia o que eu queria dizer. Era um ato reflexo dela reagir com cinismo diante das verdades que lhe causavam dor.
— Não diga isso — respondi simplesmente, lembrando apenas de minha própria dor e do quanto eu daria por um só dia a mais ao lado de minha mãe.
Marina pareceu perceber que tinha “atingido um nervo” e perguntou baixinho, como se falar mais alto pudesse tornar a pergunta mais invasiva:
— Onde está sua mãe?
— Morreu há um tempo. Podemos não falar sobre isso? Falar nela acaba me deixando com muitas saudades.
— Tudo bem.
O resto do caminho foi silencioso, cada uma de nós imersa em suas próprias lembranças, em sua própria dor. Eu, por sentir tanta falta da única pessoa que sabia quem eu era. Ela, por saber exatamente quem era a mãe de quem ela tanto sentia falta, mesmo que ainda estivesse viva.
— Chegamos — disse eu, quebrando o silêncio depois de vários minutos paradas na frente da casa de Débora.
— Você pode entrar comigo? — disse Marina, desistindo de fingir que aquela situação não a afetava.
— Não acho que devo. O assunto é entre vocês duas.
— Por favor. Você é minha única amiga — disse ela, segurando minha mão. — E eu me sinto fraca pra fazer isso sem você.
— Tudo bem. Vamos juntas então.
Tenho que confessar que estava perdida com aquela garota. Toda vez que ela me olhava com aqueles olhos de menina indefesa, eu cedia para praticamente tudo que ela quisesse. Entramos, enfim. Sem bater nem nada, porque Marina tinha uma chave. Débora estava sentada no sofá sujo e rasgado que um dia deve ter sido florido. Agora era apenas um tecido desbotado e manchado.
— Vejo que trouxe a sua guarda-costas. Por quê? Você acha que vou fazer alguma coisa contra você? — disse Débora, assim que me viu.
Marina não gostou de ouvir isso e senti sua mão tremer entre meus dedos. Não era fácil pra ela estar ali. E Débora não parecia querer facilitar. Quando ela se virou pra mim, percebi seu rosto cheio de raiva, medo e frustração. Uma aura negra a envolveu e eu soube o quanto aquele lugar lhe fazia mal. Imersa em sombras, Marina parecia ainda mais com sua mãe: o mesmo rosto, a mesma linha perfeita do maxilar, a pele morena apenas uns tons mais clara, os cachos negros maiores e mais soltos, diferenças sutis. Mas o que era realmente diferente eram os olhos, mais claros, com seu tom quase cor de mel, e infinitamente mais fortes. Ela era só uma menina, mas jamais se deixaria envolver por aquela atmosfera negativa que a mãe lhe trazia. Era simplesmente forte e boa demais para isso.
— Ela não é minha guarda-costas. É minha amiga e está cuidando de mim. Você devia ter mais respeito, porque ela salvou sua vida. Se ela não estivesse aqui pra chamar a ambulância a tempo... — disse ela me defendendo, sua voz rígida mostrando que ela estava no controle daquela situação.
— Tá, tá, não precisa ficar nervosa. Eu sei que você tem razão. Obrigada, loira.
— Não tem de quê — respondi. — Meu nome é Clara, aliás.
— Certo, Clara. Você pode me dar um minuto com minha filha?
— Não! Ela fica! — gritou Marina, interrompendo minha saída.
— Tudo bem — disse Débora. — Eu só queria te dizer que sinto muito por ter feito todas as coisas que fiz com você, e que estou feliz que você tenha encontrado alguém que faz por você o que eu não pude, mesmo se ela quiser alguma coisa em troca.
— Eu não quero nada em troca — me defendi. — Eu só encontrei alguém que precisava de ajuda e ajudei. Não há nada além disso.
— Tá certo, loira. Eu só quero que você saiba que isso é temporário. Quando eu quase morri, percebi que não quero ir embora. Está cedo demais ainda. Os médicos me disseram que eu preciso tomar juízo, porque de outra dessa eu não escapo, que eu já abusei demais do meu corpo e da minha saúde. Eu só dou graças a Deus que a Marina nunca quis se meter com essas coisas. Não sei como, mas ela é uma menina ajuizada. Lá no hospital me disseram que tem uma clínica de reabilitação de caridade, eles vão conseguir uma vaga pra mim lá. Quando eu sair, eu queria tentar de novo, minha filha. Eu queria tentar ser sua mãe. Você acha que a gente consegue?
— Eu... Acho que podemos tentar — respondeu Marina com voz relutante, mas seus olhos se encheram de esperança.
— Você pode me dar um abraço?
Marina hesitou novamente. Acho que não porque ela não quisesse, mas, ao contrário, porque parecia ser algo que ela quisesse muito. É estranha a sensação de finalmente ter diante de si algo que você sempre desejou. Eu toquei as costas dela, impulsionando-a ligeiramente para frente. O primeiro passo forçado pareceu libertar os demais e num instante elas estavam nos braços uma da outra.
— Eu vou sair dessa, minha filha. Eu te prometo.
— É o que eu mais quero, mãe.

O cômodo para mim se encheu de luz. Era algo que eu podia enxergar, mesmo quando ninguém mais podia: esperança.

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