Capítulo 7 – Perdão
After my dreaming,
I woke with this fear.
What am I leaving,
When I'm done here?
(…)
When my time comes
Forget the wrong that I've done,
Help me leave behind some
Reasons to be missed.
Don't resent me,
When you're feeling empty
Keep me in your memory,
Leave out all the rest
Leave out all the rest...
(Leave out
all the rest – Linkin
Park )
— Você precisa ir! — insisti, enquanto Marina teimava comigo no banco do
carro. — Se não for, depois vai ficar arrependida.
— Ah, eu garanto que não vou! — exclamou ela, cruzando os braços num
gesto cada vez mais familiar para mim: a pose de menina teimosa.
— Vai sim. Você pensa que eu não percebi sua cara de preocupação quando
você não está ocupada demais fingindo que não liga?
Eu estava me referindo à overdose de Débora. Dias atrás, quando estive em
sua casa para falar sobre Marina, ela começou a passar mal na minha frente e eu
tive que sair correndo, gritando por socorro. Dona Fátima chamou uma ambulância
e Débora pôde ser salva.
Eu tinha ligado diversas vezes para o hospital para saber dela e pude
sentir o pânico dar lugar ao alívio nos olhos de Marina quando soubemos que
estava tudo bem. Aparentemente, o acontecimento tinha ativado um alerta do tipo
“conserte as coisas, senão as coisas consertam você” na cabeça de Débora,
porque ela mandou um recado através de Fátima, que tinha ficado com meu número
de telefone, pedindo que eu levasse a filha dela lá, pois ela queria se
desculpar.
— Tá! Tudo bem. É minha mãe, né? É claro que eu fiquei preocupada, mas
isso não significa que eu queira vê-la. Não vai dizer que você acreditou mesmo
nesta história de se desculpar?
— Não sei. Talvez seja ingenuidade da minha parte estar insistindo com
você para ir lá, mas acho que você deve ao menos ouvir o que ela tem a dizer.
— Por quê?
— Porque ela podia ter morrido e você sabe disso. E você nunca teria a
chance de falar com ela de novo.
— Não sei se isso seria tão terrível assim — disse Marina, reassumindo
sua máscara de quem não se importa, mas eu sabia que ela entendia o que eu
queria dizer. Era um ato reflexo dela reagir com cinismo diante das verdades
que lhe causavam dor.
— Não diga isso — respondi simplesmente, lembrando apenas de minha
própria dor e do quanto eu daria por um só dia a mais ao lado de minha mãe.
Marina pareceu perceber que tinha “atingido um nervo” e perguntou
baixinho, como se falar mais alto pudesse tornar a pergunta mais invasiva:
— Onde está sua mãe?
— Morreu há um tempo. Podemos não falar sobre isso? Falar nela acaba me
deixando com muitas saudades.
— Tudo bem.
O resto do caminho foi silencioso, cada uma de nós imersa em suas
próprias lembranças, em sua própria dor. Eu, por sentir tanta falta da única pessoa
que sabia quem eu era. Ela, por saber exatamente quem era a mãe de quem ela
tanto sentia falta, mesmo que ainda estivesse viva.
— Chegamos — disse eu, quebrando o silêncio depois de vários minutos
paradas na frente da casa de Débora.
— Você pode entrar comigo? — disse Marina, desistindo de fingir que
aquela situação não a afetava.
— Não acho que devo. O assunto é entre vocês duas.
— Por favor. Você é minha única amiga — disse ela, segurando minha mão. —
E eu me sinto fraca pra fazer isso sem você.
— Tudo bem. Vamos juntas então.
Tenho que confessar que estava perdida com aquela garota. Toda vez que
ela me olhava com aqueles olhos de menina indefesa, eu cedia para praticamente
tudo que ela quisesse. Entramos, enfim. Sem bater nem nada, porque Marina tinha
uma chave. Débora estava sentada no sofá sujo e rasgado que um dia deve ter
sido florido. Agora era apenas um tecido desbotado e manchado.
— Vejo que trouxe a sua guarda-costas. Por quê? Você acha que vou fazer
alguma coisa contra você? — disse Débora, assim que me viu.
Marina não gostou de ouvir isso e senti sua mão tremer entre meus dedos.
Não era fácil pra ela estar ali. E Débora não parecia querer facilitar. Quando
ela se virou pra mim, percebi seu rosto cheio de raiva, medo e frustração. Uma
aura negra a envolveu e eu soube o quanto aquele lugar lhe fazia mal. Imersa em
sombras, Marina parecia ainda mais com sua mãe: o mesmo rosto, a mesma linha
perfeita do maxilar, a pele morena apenas uns tons mais clara, os cachos negros
maiores e mais soltos, diferenças sutis. Mas o que era realmente diferente eram
os olhos, mais claros, com seu tom quase cor de mel, e infinitamente mais
fortes. Ela era só uma menina, mas jamais se deixaria envolver por aquela
atmosfera negativa que a mãe lhe trazia. Era simplesmente forte e boa demais
para isso.
— Ela não é minha guarda-costas. É minha amiga e está cuidando de mim.
Você devia ter mais respeito, porque ela salvou sua vida. Se ela não estivesse
aqui pra chamar a ambulância a tempo... — disse ela me defendendo, sua voz
rígida mostrando que ela estava no controle daquela situação.
— Tá, tá, não precisa ficar nervosa. Eu sei que você tem razão. Obrigada,
loira.
— Não tem de quê — respondi. — Meu nome é Clara, aliás.
— Certo, Clara. Você pode me dar um minuto com minha filha?
— Não! Ela fica! — gritou Marina, interrompendo minha saída.
— Tudo bem — disse Débora. — Eu só queria te dizer que sinto muito por
ter feito todas as coisas que fiz com você, e que estou feliz que você tenha
encontrado alguém que faz por você o que eu não pude, mesmo se ela quiser
alguma coisa em troca.
— Eu não quero nada em troca — me defendi. — Eu só encontrei alguém que
precisava de ajuda e ajudei. Não há nada além disso.
— Tá certo, loira. Eu só quero que você saiba que isso é temporário. Quando
eu quase morri, percebi que não quero ir embora. Está cedo demais ainda. Os
médicos me disseram que eu preciso tomar juízo, porque de outra dessa eu não
escapo, que eu já abusei demais do meu corpo e da minha saúde. Eu só dou graças
a Deus que a Marina nunca quis se meter com essas coisas. Não sei como, mas ela
é uma menina ajuizada. Lá no hospital me disseram que tem uma clínica de
reabilitação de caridade, eles vão conseguir uma vaga pra mim lá. Quando eu
sair, eu queria tentar de novo, minha filha. Eu queria tentar ser sua mãe. Você
acha que a gente consegue?
— Eu... Acho que podemos tentar — respondeu Marina com voz relutante, mas
seus olhos se encheram de esperança.
— Você pode me dar um abraço?
Marina hesitou novamente. Acho que não porque ela não quisesse, mas, ao
contrário, porque parecia ser algo que ela quisesse muito. É estranha a
sensação de finalmente ter diante de si algo que você sempre desejou. Eu toquei
as costas dela, impulsionando-a ligeiramente para frente. O primeiro passo
forçado pareceu libertar os demais e num instante elas estavam nos braços uma
da outra.
— Eu vou sair dessa, minha filha. Eu te prometo.
— É o que eu mais quero, mãe.
O cômodo para mim se encheu de luz. Era algo que eu podia enxergar, mesmo
quando ninguém mais podia: esperança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentem e façam uma Autora Feliz!!!