Capítulo 34 — Acompanhada
Hold on to me as we go
As we roll down this unfamiliar road
And although this wave is stringing us along
Just know you're not alone
Cause I'm gonna make this place your home
Settle down, it'll all be clear
Don't pay no mind to the demons
They fill you with fear
The trouble it might drag you down
If you get lost, you can always be found
Just know you're not alone
(Home - Phillip Phillips)
Marina se diverte com a saída tempestuosa de Paty, dá para
perceber, porque Caio não é muito bom em disfarçar seu constrangimento e acaba
soltando trechos da verdade quando ela pergunta o que aconteceu. No entanto,
ela não insiste nos detalhes, com certeza pretende me perguntar depois.
Ficamos
jogando conversa fora por um tempinho, com a ajuda dos assuntos que a televisão
do quarto nos fornece, mas logo o horário de visitas termina e sinto que chegou
a hora de ir. Minha presença ali já não soa tão natural agora que nosso garoto
está alerta o suficiente para fazer perguntas e posso perceber que Marina precisa
tirar um cochilo. A enfermeira acabou de vir aplicar um medicamento e Caio já
está ficando com as pálpebras pesadas de novo. Quando não houver mais a
necessidade de manter tópicos banais de conversa, eles dois vão, provavelmente,
cair no sono tão rápido quanto as luzes de um cômodo se apagando ao desligar o
interruptor. Espero que eles descansem, apesar do entra e sai necessário de
enfermeiros, e a melhor forma de ajudar nisso é deixá-los em paz.
Depois de me certificar
de que eles não precisam de nada, faço Marina prometer que não dirigirá se
estiver cansada demais e me despeço, pensando que a mim também cairia bem um
descanso. Então me lembro do quanto estive ansiosa por ver Alberto e a saudade
fala mais alto. Posso descansar depois de vê-lo. Não sou muito de café, mas
hoje, graças à necessidade de ficar acordada apesar das poucas horas de sono,
tomei o bastante para me manter desperta por um bom tempo ainda.
Ligo para ele antes de
dar a partida no carro e minha ansiedade quando ele me explica o caminho do
hotel é tanta que quase me perco quando dirijo até lá. Apesar disso, chego em
poucos minutos, e sou só uma animação irritante embalada a saudade e cafeína
quando pulo em seu pescoço assim que ele abre a porta do quarto em que está.
— Beto!
— Olá, Estrela Clara.
Ele me abraça apertado e
estou tão feliz por vê-lo que demoro uns segundos para notar:
— O que... O que está
diferente?
Alberto suspira. Somos
suficientemente parecidos para eu saber que ele ensaiou o que dizer, mas neste
momento está descartando todos os preâmbulos e escolhendo a melhor forma de ir
direto ao ponto, porque não consegue fazer diferente comigo. Não quando nos
conhecemos tão bem.
— O nome dela é Júlia —
diz finalmente. E embora eu já comece a adivinhar o que ele tem a dizer, preciso
de um tempo para digerir a ideia, então decido protelar o impacto só por uns
segundos.
— Oi? — pergunto como se
ele tivesse falado grego. Só para poder decidir se estou feliz ou em pânico.
— Entre. Vou te explicar
tudo.
Ele me cede passagem e eu
entro, sentando-me na cama sem pedir licença, sabendo que ele vai se sentar ao
meu lado, apoiar-se na cabeceira e me acomodar em seu peito exatamente como
sempre fazemos para matar a saudade. Observo-o chutar os chinelos para longe e
sorrir quando me lembro de fazer o mesmo com os tênis que estou usando.
Estudo-o enquanto ele também me observa com o mesmo cuidado de sempre e me
estende a mão, fazendo todos os gestos de sempre, na mesma ordem de sempre. Se
eu não o conhecesse não notaria nada. Em essência, ele parece exatamente a
mesma pessoa. Exceto por aquilo que só eu poderia reconhecer.
— Você renunciou.
— Sim — ele diz
simplesmente. E então eu vejo, não preciso de palavras ou respostas, não
preciso de perguntas. Ele está feliz.
— Faz alguns meses, mas
eu não consegui dizer por telefone. Tive que ver você.
— Mas por quê? Eu nunca
te censuraria, nunca...
— Eu sei. Eu só queria
que você visse por si mesma, porque as palavras não pareciam boas o suficiente
para explicar.
— Foi muito difícil?
A maioria das pessoas
passa a vida procurando por Deus, incapazes às vezes de perceber que ele está
dentro delas mesmas, em cada célula de seu corpo, em cada coisa nova que
aprendem, em cada vez que tocam o mundo e ele as toca de volta. Mas nós
sabemos. Nós escutamos. Temos a possibilidade de “trapacear” com essa espécie
de conhecimento prévio de Suas vontades que nos é concedido. E é inebriante.
Para nós, vale todos os sacrifícios que demanda. Renunciar a isso deve ser um
pouco como abrir mão de si mesmo.
— Foi a decisão mais difícil
que já tomei — ele responde. — E também a que me pareceu mais certa. Eu quero
ter um filho, quero poder envelhecer e descansar ao lado da Júlia.
Penso em Eric. E em todas
as vezes em que achei que devia ter renunciado ao Chamado para cuidar de Marina
e Caio. Em todas as vezes que me arrependi por não ter conseguido abdicar da
missão que eu amava. Não passo muito tempo pensando nisso geralmente, porque
sei que tomei a decisão certa daquela vez. E porque também sei que, mesmo
agora, ainda não estou pronta. Mas não posso evitar uma pontada de tristeza
pelas coisas de que tenho aberto mão.
Um filho. Mais de um até.
Eu também gostaria disso.
— Como ela é? — pergunto
em vez de continuar pensando em mim mesma. — Me conte sobre a Júlia.
Ainda o estou estudando
freneticamente, procurando algum sinal de engano ou de que, talvez, haja algum
arrependimento. Mas quando digo o nome dela, o sorriso que ele abre ilumina o
mundo e de repente todos os meus receios desaparecem. Estou tão feliz por ele
que olhar o brilho em seus olhos mal me deixa pensar, então aceito o colo que
ele me ofereceu e me estendo ao seu lado na cama, apoiando a cabeça em seu
peito para ouvir sobre a namorada do meu irmão.
— Ela é... perfeita.
Rio. É claro que ela é
perfeita. Ele a ama.
— É cabeça dura e
inteligente — ele continua. — Debochada às vezes, o que me faz sentir
engraçado, porque eu gosto, mas ainda sou um cara de cem anos.
— Cento e dois — corrijo,
provocando-o.
— Certo, certo. Cento e
dois. — Ele estreita os olhos para mim, abrindo um sorriso logo em seguida. —
Ela não tem vergonha de nada e sempre diz o que pensa. Quando nos conhecemos
ela não gostou de mim, acredita?
— Impossível!
— Bom, na verdade, ela
diz que me tratou mal porque gostou — ele se corrige, rindo da cena em sua memória.
Perco a noção do tempo
ouvindo-o falar sobre ela e sobre a maneira como quase precisou expulsá-la do
local de um acidente na primeira vez que a viu. Era um desmoronamento de um
prédio e Júlia — que é repórter — estava obcecada por colher todas as informações
que pudessem ajudar as vítimas em um processo contra a empreiteira. O problema
é que as ruínas ainda ofereciam perigo de mais desmoronamentos e Beto temia que
ela pudesse se enfiar em local proibido e acabasse se machucando. Eles tiveram
uma tremenda troca de farpas até ela finalmente ceder e se afastar.
Já gosto dela.
— Ela sabe? — pergunto. E
não preciso ser mais específica sobre o que estou falando.
— Eu tive que contar.
— Como assim, “teve que
contar”? Você não pretendia desde o início?
— Você pretende contar a
Eric?
Touché!
Não faço nada além de me
afastar para poder lhe lançar meu melhor olhar de isso-foi-golpe-baixo. Tento
pensar em algo irritante para dizer, mas a verdade é que ele tem razão em me
devolver a pergunta. O complicado de se estar com alguém que te conhece bem é
que as palavras de um para o outro atingem todos os botões certos, sem
necessidade de doses de ironia extra.
— Eu vou contar. Mas é
tudo muito recente, não sei como dizer algo assim a ele.
— O mesmo aconteceu
comigo. Não que eu pretendesse omitir isso para sempre. É só que... Era tão
tentador deixar tudo como estava e agir como se minha vida tivesse começado
quando a conheci.
— Não é? — Suspiro. — O
que fez você mudar de ideia?
— Eu precisei, não estava
brincando quando disse que tive que
contar. Senti necessidade de que ela me conhecesse, que soubesse quem eu sou.
Não me pareceria verdadeiro se não fosse assim. Até contar a ela, parecia que
eu estava me dando pela metade quando, na realidade, era o contrário. Eu estava
dando tudo o que podia a ela, exceto por essa parte. Então não pude mais
mantê-la de fora.
Mais uma vez, não consigo
evitar pensar em Eric. Mas não apenas em como eu gostaria que, dentre todas as
pessoas, fosse ele a me conhecer por completo. O anseio por integridade é mesmo
pungente. E por isso mesmo, o que me perturba de verdade são os receios dele.
Em vez de querer que eu o conheça, ele tem vergonha e medo de que isso
aconteça.
— Como a Júlia reagiu? —
Tento voltar o foco para Beto, mas sei que ele percebeu que algo me incomoda.
— Ela ficou confusa.
Achou que eu estava brincando. Mas, na verdade, acreditou desde o começo. Ela
sabia que eu não ia mentir para ela. Depois quis saber de tudo, de cada
detalhe. E me disse que me amava inexplicavelmente mais do que achava que seria
capaz um momento antes. — Ele sorri com a lembrança das palavras de Júlia e eu
tento imaginar outra voz dizendo isso. Sorrio também, mas deve parecer o gesto
ambíguo que de fato é, porque Beto segura meu rosto e me olha nos olhos. — Com
ele vai ser a mesma coisa, Clara. Se você o ama é porque ele é especial. O amor
também é um desígnio de Deus e nós temos o privilégio de não nos confundir
quanto a isso.
— Você não teve medo? Eu
sei que nosso amor... esse tipo de
amor é reservado apenas para as pessoas certas, mas... Podemos nos enganar.
Somos humanos, afinal.
Beto balança a cabeça.
Para qualquer pessoa seria perfeitamente admissível se enganar, experimentar,
confundir as coisas, mas conosco nunca é assim. Temos muitos fardos, mas também
alguns privilégios.
— Você sabe com seu corpo
e com sua alma, não sabe? Soube desde que o viu.
Sim.
Eric é como uma espécie
de déjà vu para mim, é como ler o fim
do livro antes mesmo que ele seja escrito. E meu corpo... Quando ele me toca é
como se soubéssemos, como se eu sempre tivesse existido à espera da pele dele.
Perfeito demais para ser
verdade. Perfeito demais para não temer. Embora eu queira mandar o medo às
favas e confiar no que sinto. Confiar nele, mesmo que não saiba nada a seu
respeito.
— Eu cheguei a achar que
estava apaixonada pelo Caio... — lembro, porque quero acreditar que não nos
enganamos quanto a esse desígnio também, mas sentimentos humanos são confusos
às vezes.
— Isso é porque seu
coração o reconheceu. E pelo mesmo motivo ele acha que está apaixonado, porque
sabe que encontrou algo, mas não entende ainda o quê. Vocês dois têm um laço
como o que temos você e eu, mas há ainda mais coisas envolvidas. Tem o passado
que pesa para você.
— Às vezes eu penso que
enfiei os pés pelas mãos construindo esse passado. Acho que interferi no
destino deles quando resolvi ficar com ela. Mas eu simplesmente não consegui ir
embora, não senti que minha missão estava completa até ser tarde demais para
ignorar o laço entre nós.
— Talvez você tenha se permitido confundir as coisas e sua
missão fosse apenas acudir Marina naquela noite, reconciliá-la com a mãe no dia
seguinte e ir embora até que ela e Caio precisassem de você de novo. Mas eu não
acho que era isso, não consigo. Acho que você fez o que sentiu que era certo
porque não podia ter sido diferente e, ao menos daquela vez, sua missão era
mesmo ficar. E quem sabe não se trate do quanto você interferiu no destino
deles, mas sim do quanto eles interferiram no seu. Talvez eles estivessem
destinados a fazer parte de sua vida por mais tempo. Talvez isso seja sobre
você.
Eu costumava achar
impossível que alguém sempre soubesse o que dizer, mas Beto acabou com essa
crença. Ele simplesmente sabe como acalmar meu coração, mas mais do que isso,
ele me faz olhar para mim mesma com a humildade necessária para sonhar.
— Você acha mesmo? Acha
que não é egoísmo meu querer que eles sejam minha família de novo, independente
do destino que Caio escolher?
— Acho que se ele
escolher permanecer humano, ainda assim vai precisar de você na vida dele.
Acredito nisso, porque, francamente, eu não teria deixado você e sua mãe saírem
da minha vida depois que as conheci. Sempre daria um jeito de voltar para
vocês. No final, nós temos um ao outro acima de tudo e vocês sempre foram minha
casa. Laços assim não se rompem. Dizem por aí que o nome disso é família — diz
com seu jeito suave e brincalhão de sempre, então segura meu nariz entre os nós
dos dedos até me obrigar a fazer força para me livrar e poder rir junto com
ele.
Família. Meus pais.
Alberto. Marina e Caio... Aqueles que a vida me deu e que Deus escolheu para
mim. Não há como não lhe dar razão.
— Eu amo você, Beto. Já
disse isso?
— Hoje ainda não. — Ele
solta outra risada. — Mas eu sei.
Sim, ele sabe. E o
conforto que há nisso é indescritível.
— Vou contar a verdade a
ele. Ao Caio — disparo. — Não consigo mais esperar a melhor hora, nem sei se
algo assim existe. Só sei que preciso que ele saiba o que significa para mim.
Essa madrugada, quando Marina me ligou... Eu pensei que ia perdê-lo, Beto.
Com seu jeito protetor
tão característico, meu mentor, meu irmão querido, segura meu rosto com uma das
mãos e me puxa para si, como se me protegesse do mundo. Encostada em seu peito,
sentindo seu amor, eu quase acredito que ele pode.
— Se você não estivesse
ali naquela rua vazia, se não tivesse ouvido o Chamado a tempo de socorrê-lo,
talvez o pior tivesse acontecido.
— Quanto a isso — ele
fala cuidadosamente —, tem algo de que precisamos falar.
— O quê?
— Eu não... Bem, eu
pensei que você ia deduzir sozinha agora que sabe que eu não sou mais como
você...
Olho para ele espantada e
observo suas sobrancelhas erguidas, esperando que eu perceba alguma coisa que
parece muito óbvia, mas com a qual eu ainda não atinei. Até que finalmente eu
ouço o “clique”.
— Você não deveria ter
ouvido o Chamado — constato.
Alberto apenas balança a
cabeça e ficamos mudos, pensando juntos numa explicação minimamente plausível.
— Talvez seja uma questão
de linhagem — arrisco. — Nós já conversamos sobre isso outras vezes e acho que
é mais do que uma teoria. Você sabe que eu sempre senti uma conexão grande com
Sebastião, mesmo depois que ele voltou a ser humano, e a de vocês nunca se
esgotou. Talvez Caio esteja ligado a você através de mim.
Sebastião era o mentor de
Alberto. Há trinta anos, ele tinha renunciado ao Chamado e passado a viver como
médico, marido e pai devotado, mas ainda parecia sentir quando Beto e eu
estávamos tendo dificuldades de alguma ordem. Ele sempre nos telefonava ou
escrevia, e essas comunicações pareciam coincidir com os momentos em que mais
sentíamos a falta dele. De certa forma, me adaptei à ideia de que ele era uma
espécie de avô torto para mim, embora sua aparência atual fosse de alguém com
idade no máximo para ser meu pai.
— Falei com Sebastião
hoje e ele pensa como você — diz Alberto. — Ele acha que o fato de minha
renúncia ser recente também pode ter mantido nossa conexão forte. E
coincidentemente ou não, eu estava muito perto do Caio, enquanto você estava do
outro lado da cidade. Isso também é uma explicação. Mas, além disso, tem outras
coisas... A rua não era tão deserta assim, outras pessoas podiam ter passado e
chamado socorro a tempo, então talvez eu não estivesse ali necessariamente para
ligar para a emergência, mas quem sabe...
A frase para pela metade
e as palavras ficam dançando no ar à espera de que alguém as pegue, e é isso
que quero fazer, porém não sei por onde puxá-las. Beto sabe que eu detesto
quando ele faz isso, e eu sei que ele só faz quando não consegue evitar, então
espero que ele encontre seu tempo para retomar o que quer que tenha a me dizer.
— Não quero me precipitar
— ele diz finalmente —, mas acho que eu precisava
estar ali e ver o que aconteceu. Ou pelo menos um de nós precisava.
Não gosto da expressão no
rosto dele quando diz isso. Combinada com seus preâmbulos, faz parecer que ele
está escolhendo muito as palavras e isso não é bom. Há uma certa inquietude em
suas maneiras, no jeito como ele está cercando o assunto de declarações
ambíguas desde que nos falamos hoje de manhã. Isso significa que sua mente está
trabalhando em alguma coisa que ele acha importante dizer, mas contra a qual
não quer me alarmar antes da hora. Já estou alarmada, porém. A calma quase
imperturbável de Beto é desafiada por poucas coisas nesta vida, por isso seja
lá o que for que o incomoda, certamente vai ser difícil de ouvir.
— Eu não entendo. Se você
não pôde impedir o acidente e nem ver quem dirigia a moto, por que seria tão
importante ver o que aconteceu?
— Porque eu não acho que
tenha sido acidente — ele diz, depois de respirar fundo. — A pessoa que
atropelou o Caio parecia querer fazer isso.
O ar me foge por um
momento. Na verdade, acho que tudo em mim fica momentaneamente suspenso
enquanto tento processar as palavras que ouvi. Beto não diria uma coisa dessas
se não estivesse praticamente certo do que viu, mas mesmo assim não faz
sentido. Caio não tem inimigos, mal consigo conceber a ideia disso. Para além
do potencial que existe nele, ele é um anjo de fato, no sentido cotidiano da
palavra. O tipo de pessoa com conduta irrepreensível. Quem poderia querer
machucar um...
De repente uma noção
bizarra se forma em minha mente. Algo tão inédito para mim que quase cheguei a
achar que não era real.
— Foi um deles! —
arquejo, pondo a mão sobre a boca como se fosse pecado formular a ideia.
— Eu acho que sim. E não
pretendo sair de perto de vocês enquanto não esclarecermos isso.
Inimigos naturais. Nós
poderíamos chamá-los assim se os considerássemos dessa maneira, mas para nós
são apenas almas perdidas. Infelizmente, para eles isto é uma guerra. E nós
somos os adversários. Como nos recusamos a esse papel, simplesmente ficamos
longe sempre que possível, quando já é tarde demais para salvá-los. E pelo
resto do tempo, a Providência Divina nos protege deles. Normalmente.
— Estamos juntos nessa,
Estrela Clara. Seja o que for, vamos enfrentar juntos. Estou aqui agora — Beto
me consola.
— E quanto ao seu
trabalho? E a Júlia?
— Estou de férias e a
Júlia quer mesmo te conhecer quando tiver uma folga. Daremos um jeito nisso. Só
preciso saber que você está em segurança. E Caio também. Acho que tenho um neto
agora, ao que parece. Preciso cuidar da minha família.
Rimos juntos, apesar da
tensão que paira no ar. Sei que não há motivo para pânico. Apesar do que
aconteceu com Caio, nossos instintos costumam ser suficientes para nos manter
em segurança, e talvez quem fez isso já esteja longe. Eles não costumam ficar
muito tempo por perto, nossa presença os perturba de formas particulares que
mal consigo entender, mas que são a defesa extra que o Criador nos
proporcionou. Beto só precisa ficar tempo suficiente para se certificar disso.
Mesmo assim, estou muito
feliz que ele esteja aqui.
— Que bom que você está
em casa, Beto — digo, abraçando-o forte.
— Sempre que você
precisar, irmãzinha — ele responde quando retribui meu aperto.