terça-feira, 4 de junho de 2019

CD 2 Cap 42


Capítulo 42

Sobre Reaprender a Respirar



It's true the way I feel

Was promised by your face

The sound of your voice

Painted on my memories

Even if you're not with me I'm

With you

(With You – Linkin Park)



Jamie



“Chegaremos em meia hora”, Estrela me mandou a mensagem mais ou menos na hora do almoço e eu decidi que só podia ser um sinal de sorte.

As pessoas sempre conversam melhor quando estão comendo.

Imagino que eles vão chegar com fome demais para se preocuparem com qualquer outra coisa, então nos sentaremos todos e deixaremos qualquer constrangimento para quando estivermos de barriga cheia. Daí, nesse ponto, nem vai mais fazer sentido ficar sem jeito.

“Diga a eles que o almoço está pronto...”, digitei, mas graças aos neurônios que me restavam, apaguei antes de enviar.

Tipo, que coisa mais aleatória!

Tá, ok. Não precisa ficar nervoso, Jamie Stryder.

Então tentei me recompor e pensar em algo para escrever de volta. Quer dizer, tinha mil coisas que eu queria perguntar e, claro, estava ansioso e feliz também, mas pareceria maluquice disparar um monte de exclamações e perguntas. Ou ligar para Estrela, sendo que ela estava no carro com eles. Não dava pra bancar o esquisito e assustá-los.

“Eles estão bem?”, resumi, por fim.

“Estão bem tranquilos. Estamos tendo uma conversa agradável e Rio está tentando ver se consegue se lembrar de alguma coisa na paisagem. Fique calmo você também, ok?”

“Ok”

“Vai dar tudo certo, querido.”

“Vai, sim. Está tudo pronto aqui”, falei, querendo soar confiante. “Carinha piscando”, escrevi no nosso código.

“Mandando beijinho”, ela respondeu e eu ri.

Soava bobo agora, mas tinha virado nosso costume. Quando voltamos a usar celulares e aplicativos de troca de mensagens, fiz questão de improvisar os emojis que as Almas tinham feito o “favor” de abolir, porque achavam a interpretação das expressões muito vagas.

— Como se as palavras também não fossem — resmunguei.

— O que foi, lindo? — perguntou Kate entrando no quarto toda atarantada.

— Chegou a hora — falei e ela parou olhando para mim.

Depois se sentou ao meu lado na cama, segurou meu rosto com as duas mãos e me deu um beijo.

— Está pronto?

— Sim — respondi sem a menor hesitação.

Até que para um sobrevivente do mundo-pós-apocalíptico-pré-restaurado eu tinha tido que tomar poucas decisões na vida, mas uma coisa sobre a qual nunca tive dúvidas, mesmo antes de saber que era possível, era que queria conhecer “meus pais”.

Anos atrás, quando conheci Peg, soube que me apegaria a ela de qualquer jeito. E se nunca disse a Melanie que achava que sentiria o mesmo pelas Almas nos corpos de nossos pais, foi porque sabia que ela não lidava bem com o assunto. Não que o sentimento de minha irmã não fosse super compreensível.

Claro que eu entendia. Para ela, sempre tinha sido mais difícil.

Quando perdemos nossos pais, minha irmã se transformou em minha mãe e, mais tarde, ganhei uma espécie de pai em Jared. Não era a mesma coisa, mas eu tinha quem cuidasse de mim. A ficha da perda só caiu com força quando achei que Mel tinha morrido. Antes disso, e antes de Jared, principalmente, era só uma loucura de fugas rápidas e de esperar que ela conseguisse comida para nós.

Mel, por outro lado, precisou se confrontar rapidamente com a realidade de que só tinha a si mesma para contar. E não dava para pensar muito nisso. Tinha que ser, como tio Jeb dizia, “uma certeza empedernida” para que ela pudesse agir.

Por isso era tão difícil para ela entender que agora podia relaxar. Que não precisava me proteger. Não era como se eu não tivesse vivido as mesmas coisas que ela, as mesmas perdas. Eu só sabia que podia deixar o passado ir embora.

— Acho que preciso parar de me referir a eles como “meus pais” — concluí como se Kate tivesse acesso aos meus pensamentos e não fosse preciso contextualizar. Mas é que, no geral, não precisava mesmo. Ela me entendia.

— Isso deixa Mel maluca — comentou. — E acho que eles vão achar esquisito também, pra ser sincera.

— É, eu sei. Quando me ouvem falar assim, todo mundo pensa que eu não sei a diferença.

— É claro que sabe! — Kate protestou.

E fiquei me sentindo orgulhoso de ser tão claro para ela.

Minha garota.

Corri os dedos pelo cabelo comprido e cheiroso que ela tinha, grato pelos olhos que me viam sempre como eu queria ser visto.

Eu não sabia se merecia, mas era muito bom.

— Só não achei outro meio confortável de falar. Tipo, não dava pra ficar dizendo: “Ei, Mel, vamos marcar um encontro com as Almas que estão nos corpos dos nossos pais?” Sei lá, pareceu meio bruto.

— Bem, mas agora que já sabemos os nomes deles, podemos usá-los — observou Kate.

— Sim, nomes de Almas. Como quase sempre, super práticos — brinquei, meio que na tentativa de manter a defensiva. — É tipo como se a gente usasse nome e sobrenome toda vez que fosse falar com alguém.

Kate deu uma risada alta, que foi a primeira coisa que aprendi a amar nela, então entrou na brincadeira.

— “Por favor, James Paul Stryder, passe-me o saleiro.”

— “Claro, Katherine Janet Stuart. Depois que você me passar as batatas.”

Rimos juntos e senti a tensão se esvair aos poucos. Era sempre assim com Kate. Eu nunca precisava ter medo de que ela me julgasse ou se preocupasse demais. Podia apenas ser eu mesmo que ela acompanhava o tom.

— Por falar em batatas, já que pelas contas de Estrela eles chegariam mesmo na hora do almoço, arrumei uma mesa lá na estufa da Lily. É só buscar a comida quando vocês decidirem almoçar — ela comentou. — Sunny se encarregou da cozinha e, olha, ela caprichou!

— Humm! Preciso agradecer a ela. E a você também, claro. A ideia da estufa foi boa.

— Cal veio esta semana. Está tudo lindo lá. Achei que era mais reservado, mas não pessoal demais.

Tivemos muito cuidado com isso, porque refeições eram especiais. Ao longo dos anos, apesar de vivermos tão próximos, muitas vezes a gente nas cavernas passava muito tempo cuidando apenas das nossas obrigações. Dava até para esquecer que algumas pessoas estavam ali. Mas aí nos juntávamos para comer e “bum”! A sensação de família estava lá de novo.

Por isso, embora todas as casas tivessem cozinhas bem legais, a gente também pediu a Paddy que fizesse uma cozinha coletiva, com mesas compridas como eram nas cavernas. E apesar das paredes de vidro e estilão moderno do nosso refeitório, as horas do dia que passávamos lá nos faziam nos sentir de volta à nossa antiga casa. Apenas por estarmos juntos.

E era por isso mesmo que eu tinha tido a ideia. Ao menos desta vez, a gente podia lembrar como eram os velhos tempos. Nós, os Stryder. Só por um momento. Parecia besteira, mas sei lá. Talvez não fosse.

Então Kate pensou que a gente podia escolher um lugar neutro, para não parecer muita pressão para ninguém, mas, ainda assim, ter aquele jeitão de encontro de família. Da nossa família. E eu simplesmente embarquei na coisa da estufa, porque era mesmo o lugar mais bonito que a gente tinha até agora, bem onde era a antiga sede da fazenda em que meu pai e meus tios cresceram.

Quando Paddy estava ajudando Nate com uns projetos para a montagem de um condomínio na antiga fábrica, Cal decidiu fazer algo legal por nós também. Então ele construiu a estufa, plantou as flores mais bacanas que nosso clima tolerava e tem ensinado Lily a manter tudo perfeito. O que estava sendo muito bom, se você me perguntasse, porque Lily estava bem empolgada com a tarefa.

Por fim, era isso. Parecia ser o local perfeito para mim e ninguém discordou. Ou acho que só estavam tentando me deixar resolver tudo do meu jeito, porque era minha responsabilidade, já que fui eu que fiz questão do contato.

E quer saber? Deixar por minha conta era o melhor que podiam fazer mesmo. As coisas não precisavam ser complicadas e eu era bom em simplificar.

Provavelmente qualquer um consideraria surreal demais estar preparando um almoço com “meus pais” — assim, entre aspas mesmo — e o resto da minha família humana. Maluco demais para ser corriqueiro, com certeza. Isso até eu reconhecia. Ainda assim, para quem tem convivido com Almas na família há tanto tempo, era quase normal.

Por isso podia ser simples, sabe? Embora também fosse esquisito. Mas é que já fazia uns anos que eu tinha decidido não complicar as coisas refletindo demais sobre elas.

As pessoas são o que são. E a gente se vira como pode para encaixar o que somos com o ser dos outros. Saber disso e ter boa vontade tem sido o suficiente para mim.

No caso, não importava muito que tipo de pessoas seriam Céu de Inverno e Rio Entre as Montanhas. Jamie Stryder era do tipo que fazia dar certo, como Kate me disse uma vez. E lembrar disso me ajudava a ficar tranquilo.

Por isso respirei fundo e fui com Kate até a Grande Cozinha — era assim que eu estava chamando o refeitório, porque gostei de como soou estranhamente épico. Como previsto, quase todo mundo estava lá e Mel levantou o olhar para mim assim que cheguei.

— Estrela já te avisou? — perguntei.

— Estou pronta — ela disse, depois de balançar a cabeça positivamente.

Sinceramente, minha irmã era uma rocha. Então não era surpresa que já tivesse achado um meio de não parecer tão ansiosa e preocupada como no começo disso tudo. Mesmo assim, me espantei com aquela expressão serena. Dava quase para a gente se assustar com o clima de calmaria quando Tia Maggie se levantou e colocou as mãos nos ombros dela, encarando nós dois depois de trocar um olhar com Tio Jeb.

Achei que minha tia fosse dizer alguma coisa, mas ela apenas sorriu para mim e deu um aceno de cabeça para Melanie, como se estivessem conversando sobre isso antes de eu chegar. Por fim, Sharon e Tio Jeb se aproximaram, ele com aquela cara indecifrável de sempre, e os três seguiram para a estufa enquanto Mel e Jared se despediam.

— A gente já superou o impossível, certo? — ele disse.

— É, então isso vai ser fácil — Mel respondeu.

Quanto a mim, fiquei apenas observando tudo, achando meio exagerado. Quer dizer, sim, a gente já tinha passado por coisas muito malucas. O dia de hoje nem chegava perto. Então ia ser fácil, não ia? Bem, pelo menos eu achava...

— Pare de revirar os olhos, Jamie! — minha irmã esbravejou e todo mundo deu risada.

— Mas... Eu não... Você nem estava olhando pra mim!

— Não preciso de sentidos para saber o que você está pensando, guri.

Ah, pronto.

Mas aí eu nem tive tempo de ficar irritado, porque Melanie segurou minha nuca e encostou a testa na minha, como fazia quando eu era pequeno. Só que agora as posições tinham se invertido e era eu que tinha que abaixar meu rosto.

Dois segundos assim e eu já me sentia melhor, mais calmo. Quando nos separamos, achei que Mel estava se sentindo como eu.

— Vai dar tudo certo, gente — disse Ian, e Kyle complementou a frase com os dois polegares levantados enquanto Sunny batia palminhas de empolgação.

Peg se aproximou e deu um abraço em cada um.

— Eu sei que eles vão adorar estar aqui — garantiu com aquela certeza da qual ninguém tinha vontade de discordar.

Por fim, Kate me deu um beijo e eu segurei a mão dela até nossos braços estarem esticados demais enquanto eu caminhava para fora com minha irmã ao meu lado.

Quer dizer, se minha família ia se encarregar de deixar tudo dramático, por que não fazer minha parte?

Por isso, lá fora, passei o braço em torno do corpo de Mel e beijei a testa dela. Ela sorriu e tomamos fôlego juntos. Não era preciso dizer mais nada.



********



A primeira pessoa que vi, ainda meio ao longe, através do vidro da estufa, foi Céu de Inverno. E, meu Deus, minha mãe continuava linda.

Quem tivesse conhecido Melanie antes acharia que se tratava de uma versão mais velha, ligeiramente grisalha e menos esguia, mas eu me lembrava bem. Minha mãe tinha uma beleza só dela, uma coisa qualquer que não se parecia com ninguém. E continuava lá, mesmo que não fosse mais ela.

Eu não sabia o que pensar do fato de Céu ter entrado primeiro, tão tranquila como se achasse que nós ainda não estaríamos esperando, mas ela estancou assim que nos viu e meu coração disparou.

Meu Deus, só não deixe nenhum de nós sair correndo. Amém.

Pois é, fiquei meio religioso de repente.

Eu mal tinha conseguido respirar depois de ver o rosto de Céu, quando Rio entrou logo atrás. Ele sorria carregando Lindsay no colo, parecendo se divertir com alguma coisa que ela dizia, então parou também, mais ou menos ao mesmo tempo em que a gente se levantava da mesa.

Depois disso, fiquei meio sem coragem de checar as reações dos outros, porque, cara, eu ficava repetindo para mim mesmo que era para ser uma coisa sem complicações. E era. Ou podia ser. Mas descomplicada não era a mesma coisa que fácil, e naquele momento eu estava sentindo o peso de tudo. Especificamente das bolas de cimento que pareciam estar amarradas aos meus tornozelos, porque eu não conseguia me mover. E, pelo jeito, eu não era o único, já que ninguém fez um único movimento ou som que eu pudesse ouvir.

Só Lindsay.

Mexendo-se no colo de Rio até ser colocada no chão, ela correu em nossa direção, pulando primeiro no pescoço do Tio Jeb, que tinha se abaixado para pegá-la.

— Vovô!

— Ah, patinha, que saudade! Cadê meu beijo?

E assim ela o cumprimentou e depois repetiu o ritual de beijos e abraços com todo mundo, o que obrigou a gente a sair do congelamento e voltar a parecer pessoas, em vez de robôs assustadores sem respiração.

Daí então, lentamente, Céu e Rio foram chegando perto, meio que a reboque quando Estrela pegou ambos pelas mãos e Logan os incentivou com tapinhas nas costas.

— Melanie. Jamie — Rio falou baixinho e num tom estranho, que eu não sabia se era de reconhecimento ou se ele estava só cumprimentando.

De qualquer jeito... Caramba! Meus olhos se encheram de lágrimas por ouvir meu nome na voz do meu pai outra vez.

— Viu, Céu de Inverno? Eles não são fofos? — disse Lindsay.

Céu deu um sorrisinho, obviamente sem saber o que responder. Não acho que “fofos” fosse um adjetivo muito comum para ela. De qualquer jeito ela procurou alguma coisa para dizer.

— A criança falou muito de vocês durante a viagem. Ela estava ansiosa para rever todo mundo. Parece gostar muito de vocês.

Puxa, sem prestar atenção nas palavras, a voz dela soava quase como minha mãe.

Olhei para Mel, buscando nela a mesma sensação que aquilo me dava. Mas seu rosto estava meio rígido, esquisito. Como se estivesse tentando imitar a cara de pôquer do Tio Jeb. Então ela passou a mão nos cabelos de Lindy e se abaixou para dar outro beijo no topo da cabecinha dela.

— Somos a família da Lindsay — falou, frisando o nome.

Ah, droga! Eu sabia que ela tinha odiado ouvir Céu chamar nossa menininha de “a criança”.

Mel sempre detestou isso nas Almas, porque, segundo ela, fazia parecer que estavam falando de um cachorrinho ou algo assim. Mas, sinceramente, achei que ela daria um desconto para as primeiras palavras que trocamos.

Oh, merda!

— É claro que ela sente falta — continuou. — Crianças precisam estar perto da família. Não é, Jamie?

Tio Jeb limpou a garganta e olhou para mim, como se estivesse me mandando dar um jeito naquilo e eu arregalei os olhos, sem saber como reagir. Acho que Mel também percebeu o que ele queria dizer, porque pareceu se dar conta na hora do quanto tinha sido rude sem necessidade. Mesmo assim, ficamos os dois sem falar nada. Constrangimento estampado nas nossas caras enquanto nossos visitantes deviam estar achando que éramos um bando de loucos.

Contudo, o que aconteceu foi que um minuto de clareza se abateu sobre mim, porque, de repente, olhando para Mel ali, tão desamparada que nem parecia ela, percebi que estive me preocupando tanto com Rio e Céu que tinha me esquecido da minha irmã. Esse tempo todo nós não tínhamos tido uma única conversa sobre aquele momento, simplesmente porque achei que ela estivesse pronta.

Bom, claramente não estava.

Ah, pelo amor de Deus! Dê um jeito nisso, Jamie Stryder.

— Desculpem, estamos meio sem jeito, mas a gente queria dizer obrigado por vocês terem largado tudo e vindo nos ver — falei olhando para Mel com uma cara de quem tinha tudo sob controle, já que não me custava fingir. — A gente ficou muito feliz com a visita, não é, Melanie?

— É, sim. Obrigada. Ficamos felizes mesmo — ela respondeu sem graça, mas com uma sinceridade que eu esperava que desse para eles sentirem.

— Nós também ficamos — disse Rio.

— Sim. Pareceu interessante... Quer dizer, acho que foi bom ter vindo — Céu completou meio desastrada.

Parecia que Rio estava bem, apesar de todo mundo ter apostado que a situação toda seria mais difícil para ele. Mas Céu, pelo jeito, estava nervosa. Então decidi que precisava quebrar o gelo com um golpe frontal.

— Eu queria fazer um pedido, espero que não soe inconveniente, mas... Posso dar um abraço em vocês?

Eu ia pedir por mim e por Melanie, mas não me atrevi, porque agora sim eu estava prestando atenção. Então eu ia primeiro traçar o caminho para ela passar quando estivesse pronta.

Nenhum dos dois disse nada, mas acho que a pergunta teve um efeito. De algum modo, a gente não estava precisando muito de palavras naquela hora.

Céu de Inverno respirou fundo, como se tivesse sido pega de surpresa, depois assentiu. Mas aí ela parou, meio sem saber o que fazer, se esperava ou tomava a iniciativa. Então ficou olhando de mim para Melanie e de nós para Rio. A situação ficando cada vez mais estranha como se o ar tivesse sido sugado do ambiente. De novo.

E o fato de eu continuar travado também não ajudava em nada, devo acrescentar. Mas o que eu podia fazer?

É claro que eu sabia que tinha que dar o primeiro passo, já que inventei a coisa toda, mas tenho que admitir que congelei. Porque, caramba, aquilo não era qualquer coisa. Só ouvir a voz deles já tinha feito meu coração disparar.

Por isso fiquei aliviado quando Rio deu um sorriso para Céu, se comunicando com ela de um jeito que devia ser só deles, e depois passou os braços ao meu redor, do mesmo jeito que meu pai teria feito. Sem hesitação, sabe?

Então foi isso.

Eu só fechei os olhos e correspondi.

E nem sei como explicar como me senti.

Geralmente não me faltam palavras, mas...

Ouvi alguém fungar, mas não quis saber quem estava chorando, não quis olhar, só não queria abrir os olhos e lembrar que eu não era mais um menino nos braços do pai.

Mesmo assim eu lembrei. Devagar, a consciência daquilo foi se infiltrando em mim. E não foi ruim. Porque aquilo não era só ausência, nós éramos alguma coisa boa também.

Éramos Jamie Stryder e Rio Entre as Montanhas. Humano e Alma. Filho e pai biológicos. Ainda que completos desconhecidos nesta vida.

Bom, nem tão completamente desconhecidos a partir daquele momento.

Se me perguntarem, foi um ótimo começo.

Não sei dizer quanto tempo durou, mas acho que eu estava chorando quando a gente se afastou e Rio estendeu os braços para Melanie. Não cheguei a ficar um segundo inteiro preocupado, porque sabia que ela não teria coragem de se negar. E foi quando aconteceu.

Acho que foi este o momento em que todo mundo se encontrou no meio do caminho.

No começo, Mel só se deixou abraçar, mas vi exatamente o instante em que o corpo dela relaxou e começou a corresponder. Os braços se fechando em torno de Rio e o rosto afundando na curva do ombro dele. Mesmo que ela tivesse fechado os olhos como eu, dava para saber que ela também estava chorando. E foi quando eu tive aquela sensação de que tudo estava no lugar.

Finalmente, Céu tomou coragem e estendeu a mão para tocar meu rosto.

— Você cresceu — ela falou.

— Passou muito tempo — respondi de um jeito meio mecânico, porque meus sentimentos estavam um tanto fora de controle quando ela secou uma lágrima minha e ficou pensativa, contemplando a gota na ponta do dedo enquanto o calor dela ainda estava na minha bochecha.

— Eu me lembro agora — murmurou. — Lembro de fazer isso sempre. Quando você era pequeno.

Oh. Tá. Ok.

Ela se lembra de mim.

Minha nossa.

Senti uma coisa me aquecer por dentro. Era tristeza. Saudades da minha mãe de verdade. Mas também era um carinho incontrolável por aquela pessoa à minha frente.

Não que eu já não soubesse disso, mas tive certeza de que, uma vez que agora tinha conhecido Céu e Rio, nunca mais deixaria de pensar neles. Não tinha outra opção que não fosse amar os dois.

Senti a mão dela em mim de novo, os dedos se enrolando no meu cabelo e me puxando de leve mais para perto. O resto meu corpo fez sozinho, porque acho que a gente não esquece o caminho para esse tipo de abraço, e, quando percebi, estava perdido no cheiro dela.

O cheiro da minha mãe. Que agora era também o perfume que me faria lembrar de Céu de Inverno.

E, sim, eu podia aprender a gostar muito da sensação. Poder sentir o perfume, o toque e ouvir a voz ganhavam disparado da alternativa, que era não ter nada disso.

Por isso decidi que de jeito nenhum arriscaria deixar Mel se esquivar de se sentir como eu estava me sentindo. Não tinha nem cinco minutos desde que eu tinha decidido respeitar o ritmo dela, mas havia um limite do quanto uma pessoa podia ser madura numa situação dessas. Por mais que minha irmã fosse a força em pessoa, às vezes ela precisava de ajuda. E eu sabia que com Céu seria mais difícil.

Com nosso pai as coisas sempre foram mais naturais, e com Rio tinha fluído tão bem quanto, mas era da nossa mãe que Mel sentia mais falta. Eu não saberia explicar como percebi, mas sempre soube. E minha irmã tinha medo dessa emoção, medo de não saber lidar com Céu de Inverno. Por isso tinha sido rude com ela.

Olhando para Mel ali, esfregando os braços naquela pose desengonçada de constrangimento, os olhos buscando se focar em outra coisa, só tive mais certeza disso. Então segurei a mão de Céu, puxei a de Melanie e uni as duas.

Eu já ia tomar uma atitude menos sutil enquanto elas se olhavam como se estivessem com medo uma da outra, mas não precisei. Céu começou a afagar o braço de Melanie, depois o rosto, o cabelo, colocando com cuidado uma mecha atrás da orelha... Por fim, Mel cedeu e a puxou para perto.

É como respirar, eu acho. Amar as pessoas. A gente só precisa parar de segurar o fôlego.

— Obrigada — disse Céu.

— Pelo quê? — Mel perguntou surpresa.

— Não sei... Mas creio que sua mãe gostaria que eu dissesse isso. Pela forma como vocês cuidaram um do outro. Sei que não foi fácil. Estrela me contou — disse ela, olhando para minha outra irmã que assistia a tudo abraçada a Lindsay e Logan.

Melanie abraçou Céu mais forte e ambas respiraram fundo antes de se afastarem.

— Foi importante eles nos contarem. Não podíamos imaginar os detalhes — completou.

— Bem, tivemos ajuda — Mel admitiu, olhando para nossos tios.

— Nós não sabíamos — Rio interferiu. — Podíamos supor que tinham se encontrado com Jeb e presumimos que estavam seguros. Mas não tínhamos ideia do quanto tinha sido difícil. Sempre ouvimos falar sobre os saques que os humanos fugitivos faziam, de que havia esconderijos que os Buscadores não eram capazes de localizar...

— Nós ficamos bem — interrompi, porque percebi que quanto mais Rio falava, mais constrangido ele se sentia. Era difícil de olhar e eu não queria que nossa primeira conversa fosse sobre aquilo.

— Será que vocês conseguem nos perdoar? — ele insistiu. — Naquela época, chamar os Buscadores era a única opção que acreditávamos ter. Achamos que estávamos fazendo o melhor para mantê-los conosco. A realidade deste planeta, os sentimentos... Estávamos apenas começando a entender.

— Você não tem que fazer isso, Rio — falei. — O que todo mundo acreditava era diferente. As coisas aconteceram do jeito que tinham que acontecer. Ninguém nunca tinha pensado que podia ser como agora.

— Nós não culpamos mais vocês — Mel explicou. — É que às vezes ainda dói muito. E acho que vai doer sempre. Mas não queremos construir nossa relação com vocês em cima da parte mais difícil de encarar. — Aproximando-se de Rio, ela tocou o rosto dele e o fez levantar a cabeça. — Vamos construir a partir de agora.

Percebi que Mel o deixava seguro. De um jeito próprio e natural, ela conseguia definir as bases de um jeito que eu mesmo tinha que me esforçar para fazer. Mas minha irmã sempre foi boa nisso, em fazer as pessoas confiarem nela. Era cuidando que ela se sentia forte, e todo mundo conseguia perceber isso.

Fiquei aliviado quando ele pôs a mão sobre a dela e sorriu de leve, parecendo mais calmo. A gente não estava mais andando em campo minado.

Ufa.

— Entendo. Mas estarei pronto para conversarmos a respeito se um dia vocês quiserem.

— É importante conversar — Céu interferiu, concordando com Rio. — Sempre partimos do ponto de que é necessário verbalizar o que...

Mel segurou a mão dela, interrompendo.

— Não dá.

— Um dia então — assentiu e Mel sorriu daquele jeito que eu sabia que significava que ela nunca mais ia tocar no assunto.

Por fim, Melanie passou o braço sobre o ombro de Rio e apontou para nossos tios.

— Tem mais gente aqui para te ver.

Tia Maggie foi a primeira a se aproximar, agora que todos tinham nos dado espaço suficiente. Rígida e com aquela cara resignada, ela estendeu a mão para Rio que lhe deu um sorriso antes de segurar a mão dela e lhe dar um beijo no rosto.

— Magnólia. Eu me lembro muito de você. E você deve ser a Sharon. É muito bonita.

— Obrigada — Sharon respondeu sorrindo enquanto Tia Maggie tentava fingir que não tinha se comovido. — Você é muito bem-vindo na nossa casa.

— Vocês dois são — Tio Jeb complementou olhando para Céu, depois para Rio de novo. — Posso chamá-los de Céu e Rio? Costumamos abreviar por aqui.

— É claro. Já estávamos imaginando. Logan nos avisou — Rio respondeu pelos dois enquanto Céu concordava com a cabeça.

— Então muito prazer. Sou Jeb, mas vocês já sabem disso.

Céu retribuiu o cumprimento, mas Rio ficou em silêncio, observando.

— O que foi? — Tio Jeb perguntou.

— Ele te amava muito. Amava todos, mas, por alguma razão, achava mais difícil dizer isso a você.

Ah, pronto.

Tio Jeb ficou meio em choque, o contato seco e civilizado que ele estava fazendo até agora foi empurrado garganta abaixo quando ele engoliu em seco. Para a surpresa de todos, Tia Maggie afagou as costas dele. Acho que para ajudar a descer a emoção.

Eu precisava reconhecer que a famosa cara de pôquer do meu tio não era mais a mesma, porque a gente conseguia ver que ele estava bem comovido e sem saber como reagir. De repente, olhou para Logan, respirou fundo e colocou a mão no ombro de Rio.

— Bem, então que bom que você disse. Andei aprendendo que é a melhor coisa.

— É o que sempre digo. É preciso externar os sentimentos sempre que possível — Céu comentou e a gente disfarçou o riso, porque não era bem no sentido de uma conversa com Confortadores que Tio Jeb estava falando aquilo.

Mas servia.

Quer dizer, eu tinha começado o dia achando que as coisas seriam diferentes. Então pensei em mil maneiras de simplificar para todo mundo, sendo que, no fim, a gente só precisava deixar o coração ditar o tempo e o caminho. Para além disso, era só inspirar e expirar. Não tinha nada de complicado nisso.


















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