Capítulo 42
Sobre Reaprender a Respirar
It's true the way I feel
Was promised by your face
The sound of your voice
Painted on my memories
Even if you're not with me I'm
With you
(With You – Linkin Park)
Jamie
“Chegaremos em meia hora”, Estrela me
mandou a mensagem mais ou menos na hora do almoço e eu decidi que só podia ser
um sinal de sorte.
As pessoas sempre conversam melhor
quando estão comendo.
Imagino que eles vão chegar com fome demais
para se preocuparem com qualquer outra coisa, então nos sentaremos todos e
deixaremos qualquer constrangimento para quando estivermos de barriga cheia.
Daí, nesse ponto, nem vai mais fazer sentido ficar sem jeito.
“Diga a eles que o almoço está pronto...”,
digitei, mas graças aos neurônios que me restavam, apaguei antes de enviar.
Tipo, que coisa mais aleatória!
Tá, ok. Não precisa ficar nervoso, Jamie Stryder.
Então tentei me recompor e pensar em
algo para escrever de volta. Quer dizer, tinha mil coisas que eu queria
perguntar e, claro, estava ansioso e feliz também, mas pareceria maluquice
disparar um monte de exclamações e perguntas. Ou ligar para Estrela, sendo que
ela estava no carro com eles. Não dava pra bancar o esquisito e assustá-los.
“Eles estão bem?”, resumi, por fim.
“Estão bem tranquilos. Estamos tendo
uma conversa agradável e Rio está tentando ver se consegue se lembrar de alguma
coisa na paisagem. Fique calmo você também, ok?”
“Ok”
“Vai dar tudo certo, querido.”
“Vai, sim. Está tudo pronto aqui”, falei,
querendo soar confiante. “Carinha piscando”, escrevi no nosso código.
“Mandando beijinho”, ela respondeu e
eu ri.
Soava bobo agora, mas tinha virado
nosso costume. Quando voltamos a usar celulares e aplicativos de troca de
mensagens, fiz questão de improvisar os emojis que as Almas tinham feito o
“favor” de abolir, porque achavam a interpretação
das expressões muito vagas.
— Como se as
palavras também não fossem — resmunguei.
— O que foi, lindo?
— perguntou Kate entrando no quarto toda atarantada.
— Chegou a hora —
falei e ela parou olhando para mim.
Depois se sentou ao
meu lado na cama, segurou meu rosto com as duas mãos e me deu um beijo.
— Está pronto?
— Sim — respondi
sem a menor hesitação.
Até que para um
sobrevivente do mundo-pós-apocalíptico-pré-restaurado eu tinha tido que tomar
poucas decisões na vida, mas uma coisa sobre a qual nunca tive dúvidas, mesmo
antes de saber que era possível, era que queria conhecer “meus pais”.
Anos atrás, quando
conheci Peg, soube que me apegaria a ela de qualquer jeito. E se nunca disse a
Melanie que achava que sentiria o mesmo pelas Almas nos corpos de nossos pais,
foi porque sabia que ela não lidava bem com o assunto. Não que o sentimento de
minha irmã não fosse super compreensível.
Claro que eu
entendia. Para ela, sempre tinha sido mais difícil.
Quando perdemos
nossos pais, minha irmã se transformou em minha mãe e, mais tarde, ganhei uma
espécie de pai em Jared. Não era a mesma coisa, mas eu tinha quem cuidasse de
mim. A ficha da perda só caiu com força quando achei que Mel tinha morrido.
Antes disso, e antes de Jared, principalmente, era só uma loucura de fugas
rápidas e de esperar que ela conseguisse comida para nós.
Mel, por outro
lado, precisou se confrontar rapidamente com a realidade de que só tinha a si
mesma para contar. E não dava para pensar muito nisso. Tinha que ser, como tio
Jeb dizia, “uma certeza empedernida” para que ela pudesse agir.
Por isso era tão
difícil para ela entender que agora podia relaxar. Que não precisava me
proteger. Não era como se eu não tivesse vivido as mesmas coisas que ela, as
mesmas perdas. Eu só sabia que podia deixar o passado ir embora.
— Acho que preciso
parar de me referir a eles como “meus pais” — concluí como se Kate tivesse acesso
aos meus pensamentos e não fosse preciso contextualizar. Mas é que, no geral,
não precisava mesmo. Ela me entendia.
— Isso deixa Mel
maluca — comentou. — E acho que eles vão achar esquisito também, pra ser
sincera.
— É, eu sei. Quando
me ouvem falar assim, todo mundo pensa que eu não sei a diferença.
— É claro que sabe!
— Kate protestou.
E fiquei me
sentindo orgulhoso de ser tão claro para ela.
Minha garota.
Corri os dedos pelo
cabelo comprido e cheiroso que ela tinha, grato pelos olhos que me viam sempre
como eu queria ser visto.
Eu não sabia se
merecia, mas era muito bom.
— Só não achei
outro meio confortável de falar. Tipo, não dava pra ficar dizendo: “Ei, Mel,
vamos marcar um encontro com as Almas que estão nos corpos dos nossos pais?”
Sei lá, pareceu meio bruto.
— Bem, mas agora
que já sabemos os nomes deles, podemos usá-los — observou Kate.
— Sim, nomes de
Almas. Como quase sempre, super práticos — brinquei, meio que na tentativa de
manter a defensiva. — É tipo como se a gente usasse nome e sobrenome toda vez
que fosse falar com alguém.
Kate deu uma risada
alta, que foi a primeira coisa que aprendi a amar nela, então entrou na brincadeira.
— “Por favor, James
Paul Stryder, passe-me o saleiro.”
— “Claro, Katherine
Janet Stuart. Depois que você me passar as batatas.”
Rimos juntos e senti
a tensão se esvair aos poucos. Era sempre assim com Kate. Eu nunca precisava
ter medo de que ela me julgasse ou se preocupasse demais. Podia apenas ser eu
mesmo que ela acompanhava o tom.
— Por falar em
batatas, já que pelas contas de Estrela eles chegariam mesmo na hora do almoço,
arrumei uma mesa lá na estufa da Lily. É só buscar a comida quando vocês
decidirem almoçar — ela comentou. — Sunny se encarregou da cozinha e, olha, ela
caprichou!
— Humm! Preciso
agradecer a ela. E a você também, claro. A ideia da estufa foi boa.
— Cal veio esta
semana. Está tudo lindo lá. Achei que era mais reservado, mas não pessoal
demais.
Tivemos muito
cuidado com isso, porque refeições eram especiais. Ao longo dos anos, apesar de
vivermos tão próximos, muitas vezes a gente nas cavernas passava muito tempo
cuidando apenas das nossas obrigações. Dava até para esquecer que algumas
pessoas estavam ali. Mas aí nos juntávamos para comer e “bum”! A sensação de
família estava lá de novo.
Por isso, embora
todas as casas tivessem cozinhas bem legais, a gente também pediu a Paddy que
fizesse uma cozinha coletiva, com mesas compridas como eram nas cavernas. E
apesar das paredes de vidro e estilão moderno do nosso refeitório, as horas do
dia que passávamos lá nos faziam nos sentir de volta à nossa antiga casa. Apenas
por estarmos juntos.
E era por isso
mesmo que eu tinha tido a ideia. Ao menos desta vez, a gente podia lembrar como
eram os velhos tempos. Nós, os Stryder. Só por um momento. Parecia besteira,
mas sei lá. Talvez não fosse.
Então Kate pensou
que a gente podia escolher um lugar neutro, para não parecer muita pressão para
ninguém, mas, ainda assim, ter aquele jeitão de encontro de família. Da nossa
família. E eu simplesmente embarquei na coisa da estufa, porque era mesmo o
lugar mais bonito que a gente tinha até agora, bem onde era a antiga sede da
fazenda em que meu pai e meus tios cresceram.
Quando Paddy estava
ajudando Nate com uns projetos para a montagem de um condomínio na antiga
fábrica, Cal decidiu fazer algo legal por nós também. Então ele construiu a
estufa, plantou as flores mais bacanas que nosso clima tolerava e tem ensinado
Lily a manter tudo perfeito. O que estava sendo muito bom, se você me
perguntasse, porque Lily estava bem empolgada com a tarefa.
Por fim, era isso.
Parecia ser o local perfeito para mim e ninguém discordou. Ou acho que só
estavam tentando me deixar resolver tudo do meu jeito, porque era minha responsabilidade,
já que fui eu que fiz questão do contato.
E quer saber? Deixar
por minha conta era o melhor que podiam fazer mesmo. As coisas não precisavam
ser complicadas e eu era bom em simplificar.
Provavelmente qualquer
um consideraria surreal demais estar preparando um almoço com “meus pais” — assim,
entre aspas mesmo — e o resto da minha família humana. Maluco demais para ser
corriqueiro, com certeza. Isso até eu reconhecia. Ainda assim, para quem tem
convivido com Almas na família há tanto tempo, era quase normal.
Por isso podia ser
simples, sabe? Embora também fosse esquisito. Mas é que já fazia uns anos que eu
tinha decidido não complicar as coisas refletindo demais sobre elas.
As pessoas são o
que são. E a gente se vira como pode para encaixar o que somos com o ser dos
outros. Saber disso e ter boa vontade tem sido o suficiente para mim.
No caso, não
importava muito que tipo de pessoas seriam Céu de Inverno e Rio Entre as
Montanhas. Jamie Stryder era do tipo que fazia dar certo, como Kate me disse
uma vez. E lembrar disso me ajudava a ficar tranquilo.
Por isso respirei
fundo e fui com Kate até a Grande Cozinha — era assim que eu estava chamando o
refeitório, porque gostei de como soou estranhamente épico. Como previsto,
quase todo mundo estava lá e Mel levantou o olhar para mim assim que cheguei.
— Estrela já te
avisou? — perguntei.
— Estou pronta —
ela disse, depois de balançar a cabeça positivamente.
Sinceramente, minha
irmã era uma rocha. Então não era surpresa que já tivesse achado um meio de não
parecer tão ansiosa e preocupada como no começo disso tudo. Mesmo assim, me
espantei com aquela expressão serena. Dava quase para a gente se assustar com o
clima de calmaria quando Tia Maggie se levantou e colocou as mãos nos ombros dela,
encarando nós dois depois de trocar um olhar com Tio Jeb.
Achei que minha tia
fosse dizer alguma coisa, mas ela apenas sorriu para mim e deu um aceno de
cabeça para Melanie, como se estivessem conversando sobre isso antes de eu
chegar. Por fim, Sharon e Tio Jeb se aproximaram, ele com aquela cara
indecifrável de sempre, e os três seguiram para a estufa enquanto Mel e Jared
se despediam.
— A gente já
superou o impossível, certo? — ele disse.
— É, então isso vai
ser fácil — Mel respondeu.
Quanto a mim,
fiquei apenas observando tudo, achando meio exagerado. Quer dizer, sim, a gente
já tinha passado por coisas muito malucas. O dia de hoje nem chegava perto.
Então ia ser fácil, não ia? Bem, pelo menos eu achava...
— Pare de revirar
os olhos, Jamie! — minha irmã esbravejou e todo mundo deu risada.
— Mas... Eu não...
Você nem estava olhando pra mim!
— Não preciso de
sentidos para saber o que você está pensando, guri.
Ah, pronto.
Mas aí eu nem tive tempo
de ficar irritado, porque Melanie segurou minha nuca e encostou a testa na
minha, como fazia quando eu era pequeno. Só que agora as posições tinham se
invertido e era eu que tinha que abaixar meu rosto.
Dois segundos assim
e eu já me sentia melhor, mais calmo. Quando nos separamos, achei que Mel
estava se sentindo como eu.
— Vai dar tudo
certo, gente — disse Ian, e Kyle complementou a frase com os dois polegares
levantados enquanto Sunny batia palminhas de empolgação.
Peg se aproximou e
deu um abraço em cada um.
— Eu sei que eles
vão adorar estar aqui — garantiu com aquela certeza da qual ninguém tinha
vontade de discordar.
Por fim, Kate me
deu um beijo e eu segurei a mão dela até nossos braços estarem esticados demais
enquanto eu caminhava para fora com minha irmã ao meu lado.
Quer dizer, se
minha família ia se encarregar de deixar tudo dramático, por que não fazer
minha parte?
Por isso, lá fora,
passei o braço em torno do corpo de Mel e beijei a testa dela. Ela sorriu e
tomamos fôlego juntos. Não era preciso dizer mais nada.
********
A primeira pessoa
que vi, ainda meio ao longe, através do vidro da estufa, foi Céu de Inverno. E,
meu Deus, minha mãe continuava linda.
Quem tivesse
conhecido Melanie antes acharia que se tratava de uma versão mais velha,
ligeiramente grisalha e menos esguia, mas eu me lembrava bem. Minha mãe tinha
uma beleza só dela, uma coisa qualquer que não se parecia com ninguém. E
continuava lá, mesmo que não fosse mais ela.
Eu não sabia o que
pensar do fato de Céu ter entrado primeiro, tão tranquila como se achasse que
nós ainda não estaríamos esperando, mas ela estancou assim que nos viu e meu
coração disparou.
Meu Deus, só não deixe nenhum de nós sair correndo. Amém.
Pois é, fiquei meio
religioso de repente.
Eu mal tinha
conseguido respirar depois de ver o rosto de Céu, quando Rio entrou logo atrás.
Ele sorria carregando Lindsay no colo, parecendo se divertir com alguma coisa
que ela dizia, então parou também, mais ou menos ao mesmo tempo em que a gente
se levantava da mesa.
Depois disso,
fiquei meio sem coragem de checar as reações dos outros, porque, cara, eu
ficava repetindo para mim mesmo que era para ser uma coisa sem complicações. E
era. Ou podia ser. Mas descomplicada não era a mesma coisa que fácil, e naquele
momento eu estava sentindo o peso de tudo. Especificamente das bolas de cimento
que pareciam estar amarradas aos meus tornozelos, porque eu não conseguia me
mover. E, pelo jeito, eu não era o único, já que ninguém fez um único movimento
ou som que eu pudesse ouvir.
Só Lindsay.
Mexendo-se no colo
de Rio até ser colocada no chão, ela correu em nossa direção, pulando primeiro
no pescoço do Tio Jeb, que tinha se abaixado para pegá-la.
— Vovô!
— Ah, patinha, que
saudade! Cadê meu beijo?
E assim ela o
cumprimentou e depois repetiu o ritual de beijos e abraços com todo mundo, o
que obrigou a gente a sair do congelamento e voltar a parecer pessoas, em vez
de robôs assustadores sem respiração.
Daí então,
lentamente, Céu e Rio foram chegando perto, meio que a reboque quando Estrela
pegou ambos pelas mãos e Logan os incentivou com tapinhas nas costas.
— Melanie. Jamie —
Rio falou baixinho e num tom estranho, que eu não sabia se era de reconhecimento
ou se ele estava só cumprimentando.
De qualquer jeito...
Caramba! Meus olhos se encheram de lágrimas por ouvir meu nome na voz do meu
pai outra vez.
— Viu, Céu de
Inverno? Eles não são fofos? — disse Lindsay.
Céu deu um
sorrisinho, obviamente sem saber o que responder. Não acho que “fofos” fosse um
adjetivo muito comum para ela. De qualquer jeito ela procurou alguma coisa para
dizer.
— A criança falou
muito de vocês durante a viagem. Ela estava ansiosa para rever todo mundo.
Parece gostar muito de vocês.
Puxa, sem prestar
atenção nas palavras, a voz dela soava quase como minha mãe.
Olhei para Mel,
buscando nela a mesma sensação que aquilo me dava. Mas seu rosto estava meio
rígido, esquisito. Como se estivesse tentando imitar a cara de pôquer do Tio Jeb.
Então ela passou a mão nos cabelos de Lindy e se abaixou para dar outro beijo
no topo da cabecinha dela.
— Somos a família da
Lindsay — falou, frisando o nome.
Ah, droga! Eu sabia
que ela tinha odiado ouvir Céu chamar nossa menininha de “a criança”.
Mel sempre detestou
isso nas Almas, porque, segundo ela, fazia parecer que estavam falando de um
cachorrinho ou algo assim. Mas, sinceramente, achei que ela daria um desconto
para as primeiras palavras que trocamos.
Oh, merda!
— É claro que ela
sente falta — continuou. — Crianças precisam estar perto da família. Não é,
Jamie?
Tio Jeb limpou a
garganta e olhou para mim, como se estivesse me mandando dar um jeito naquilo e
eu arregalei os olhos, sem saber como reagir. Acho que Mel também percebeu o
que ele queria dizer, porque pareceu se dar conta na hora do quanto tinha sido
rude sem necessidade. Mesmo assim, ficamos os dois sem falar nada.
Constrangimento estampado nas nossas caras enquanto nossos visitantes deviam
estar achando que éramos um bando de loucos.
Contudo, o que
aconteceu foi que um minuto de clareza se abateu sobre mim, porque, de repente,
olhando para Mel ali, tão desamparada que nem parecia ela, percebi que estive
me preocupando tanto com Rio e Céu que tinha me esquecido da minha irmã. Esse
tempo todo nós não tínhamos tido uma única conversa sobre aquele momento, simplesmente
porque achei que ela estivesse pronta.
Bom, claramente não
estava.
Ah, pelo amor de Deus! Dê um jeito nisso, Jamie Stryder.
— Desculpem,
estamos meio sem jeito, mas a gente queria dizer obrigado por vocês terem largado
tudo e vindo nos ver — falei olhando para Mel com uma cara de quem tinha tudo
sob controle, já que não me custava fingir. — A gente ficou muito feliz com a
visita, não é, Melanie?
— É, sim. Obrigada.
Ficamos felizes mesmo — ela respondeu sem graça, mas com uma sinceridade que eu
esperava que desse para eles sentirem.
— Nós também
ficamos — disse Rio.
— Sim. Pareceu
interessante... Quer dizer, acho que foi bom ter vindo — Céu completou meio
desastrada.
Parecia que Rio
estava bem, apesar de todo mundo ter apostado que a situação toda seria mais
difícil para ele. Mas Céu, pelo jeito, estava nervosa. Então decidi que
precisava quebrar o gelo com um golpe frontal.
— Eu queria fazer
um pedido, espero que não soe inconveniente, mas... Posso dar um abraço em
vocês?
Eu ia pedir por mim
e por Melanie, mas não me atrevi, porque agora sim eu estava prestando atenção.
Então eu ia primeiro traçar o caminho para ela passar quando estivesse pronta.
Nenhum dos dois
disse nada, mas acho que a pergunta teve um efeito. De algum modo, a gente não
estava precisando muito de palavras naquela hora.
Céu de Inverno
respirou fundo, como se tivesse sido pega de surpresa, depois assentiu. Mas aí
ela parou, meio sem saber o que fazer, se esperava ou tomava a iniciativa.
Então ficou olhando de mim para Melanie e de nós para Rio. A situação ficando
cada vez mais estranha como se o ar tivesse sido sugado do ambiente. De novo.
E o fato de eu
continuar travado também não ajudava em nada, devo acrescentar. Mas o que eu
podia fazer?
É claro que eu
sabia que tinha que dar o primeiro passo, já que inventei a coisa toda, mas
tenho que admitir que congelei. Porque, caramba, aquilo não era qualquer coisa.
Só ouvir a voz deles já tinha feito meu coração disparar.
Por isso fiquei
aliviado quando Rio deu um sorriso para Céu, se comunicando com ela de um jeito
que devia ser só deles, e depois passou os braços ao meu redor, do mesmo jeito
que meu pai teria feito. Sem hesitação, sabe?
Então foi isso.
Eu só fechei os
olhos e correspondi.
E nem sei como
explicar como me senti.
Geralmente não me
faltam palavras, mas...
Ouvi alguém fungar,
mas não quis saber quem estava chorando, não quis olhar, só não queria abrir os
olhos e lembrar que eu não era mais um menino nos braços do pai.
Mesmo assim eu
lembrei. Devagar, a consciência daquilo foi se infiltrando em mim. E não foi
ruim. Porque aquilo não era só ausência, nós éramos alguma coisa boa também.
Éramos Jamie
Stryder e Rio Entre as Montanhas. Humano e Alma. Filho e pai biológicos. Ainda
que completos desconhecidos nesta vida.
Bom, nem tão
completamente desconhecidos a partir daquele momento.
Se me perguntarem,
foi um ótimo começo.
Não sei dizer
quanto tempo durou, mas acho que eu estava chorando quando a gente se afastou e
Rio estendeu os braços para Melanie. Não cheguei a ficar um segundo inteiro
preocupado, porque sabia que ela não teria coragem de se negar. E foi quando
aconteceu.
Acho que foi este o
momento em que todo mundo se encontrou no meio do caminho.
No começo, Mel só
se deixou abraçar, mas vi exatamente o instante em que o corpo dela relaxou e
começou a corresponder. Os braços se fechando em torno de Rio e o rosto
afundando na curva do ombro dele. Mesmo que ela tivesse fechado os olhos como
eu, dava para saber que ela também estava chorando. E foi quando eu tive aquela
sensação de que tudo estava no lugar.
Finalmente, Céu
tomou coragem e estendeu a mão para tocar meu rosto.
— Você cresceu —
ela falou.
— Passou muito
tempo — respondi de um jeito meio mecânico, porque meus sentimentos estavam um
tanto fora de controle quando ela secou uma lágrima minha e ficou pensativa,
contemplando a gota na ponta do dedo enquanto o calor dela ainda estava na
minha bochecha.
— Eu me lembro agora
— murmurou. — Lembro de fazer isso sempre. Quando você era pequeno.
Oh. Tá. Ok.
Ela se lembra de mim.
Minha nossa.
Senti uma coisa me
aquecer por dentro. Era tristeza. Saudades da minha mãe de verdade. Mas também
era um carinho incontrolável por aquela pessoa à minha frente.
Não que eu já não
soubesse disso, mas tive certeza de que, uma vez que agora tinha conhecido Céu
e Rio, nunca mais deixaria de pensar neles. Não tinha outra opção que não fosse
amar os dois.
Senti a mão dela em
mim de novo, os dedos se enrolando no meu cabelo e me puxando de leve mais para
perto. O resto meu corpo fez sozinho, porque acho que a gente não esquece o
caminho para esse tipo de abraço, e, quando percebi, estava perdido no cheiro
dela.
O cheiro da minha
mãe. Que agora era também o perfume que me faria lembrar de Céu de Inverno.
E, sim, eu podia aprender
a gostar muito da sensação. Poder sentir o perfume, o toque e ouvir a voz ganhavam
disparado da alternativa, que era não ter nada disso.
Por isso decidi que
de jeito nenhum arriscaria deixar Mel se esquivar de se sentir como eu estava
me sentindo. Não tinha nem cinco minutos desde que eu tinha decidido respeitar
o ritmo dela, mas havia um limite do quanto uma pessoa podia ser madura numa
situação dessas. Por mais que minha irmã fosse a força em pessoa, às vezes ela
precisava de ajuda. E eu sabia que com Céu seria mais difícil.
Com nosso pai as
coisas sempre foram mais naturais, e com Rio tinha fluído tão bem quanto, mas
era da nossa mãe que Mel sentia mais falta. Eu não saberia explicar como
percebi, mas sempre soube. E minha irmã tinha medo dessa emoção, medo de não
saber lidar com Céu de Inverno. Por isso tinha sido rude com ela.
Olhando para Mel
ali, esfregando os braços naquela pose desengonçada de constrangimento, os
olhos buscando se focar em outra coisa, só tive mais certeza disso. Então segurei
a mão de Céu, puxei a de Melanie e uni as duas.
Eu já ia tomar uma
atitude menos sutil enquanto elas se olhavam como se estivessem com medo uma da
outra, mas não precisei. Céu começou a afagar o braço de Melanie, depois o
rosto, o cabelo, colocando com cuidado uma mecha atrás da orelha... Por fim,
Mel cedeu e a puxou para perto.
É como respirar, eu
acho. Amar as pessoas. A gente só precisa parar de segurar o fôlego.
— Obrigada — disse
Céu.
— Pelo quê? — Mel
perguntou surpresa.
— Não sei... Mas creio
que sua mãe gostaria que eu dissesse isso. Pela forma como vocês cuidaram um do
outro. Sei que não foi fácil. Estrela me contou — disse ela, olhando para minha
outra irmã que assistia a tudo abraçada a Lindsay e Logan.
Melanie abraçou Céu
mais forte e ambas respiraram fundo antes de se afastarem.
— Foi importante
eles nos contarem. Não podíamos imaginar os detalhes — completou.
— Bem, tivemos
ajuda — Mel admitiu, olhando para nossos tios.
— Nós não sabíamos —
Rio interferiu. — Podíamos supor que tinham se encontrado com Jeb e presumimos
que estavam seguros. Mas não tínhamos ideia do quanto tinha sido difícil.
Sempre ouvimos falar sobre os saques que os humanos fugitivos faziam, de que
havia esconderijos que os Buscadores não eram capazes de localizar...
— Nós ficamos bem —
interrompi, porque percebi que quanto mais Rio falava, mais constrangido ele se
sentia. Era difícil de olhar e eu não queria que nossa primeira conversa fosse
sobre aquilo.
— Será que vocês
conseguem nos perdoar? — ele insistiu. — Naquela época, chamar os Buscadores
era a única opção que acreditávamos ter. Achamos que estávamos fazendo o melhor
para mantê-los conosco. A realidade deste planeta, os sentimentos... Estávamos
apenas começando a entender.
— Você não tem que
fazer isso, Rio — falei. — O que todo mundo acreditava era diferente. As coisas
aconteceram do jeito que tinham que acontecer. Ninguém nunca tinha pensado que
podia ser como agora.
— Nós não culpamos
mais vocês — Mel explicou. — É que às vezes ainda dói muito. E acho que vai
doer sempre. Mas não queremos construir nossa relação com vocês em cima da
parte mais difícil de encarar. — Aproximando-se de Rio, ela tocou o rosto dele
e o fez levantar a cabeça. — Vamos construir a partir de agora.
Percebi que Mel o
deixava seguro. De um jeito próprio e natural, ela conseguia definir as bases
de um jeito que eu mesmo tinha que me esforçar para fazer. Mas minha irmã
sempre foi boa nisso, em fazer as pessoas confiarem nela. Era cuidando que ela
se sentia forte, e todo mundo conseguia perceber isso.
Fiquei aliviado
quando ele pôs a mão sobre a dela e sorriu de leve, parecendo mais calmo. A
gente não estava mais andando em campo minado.
Ufa.
— Entendo. Mas
estarei pronto para conversarmos a respeito se um dia vocês quiserem.
— É importante conversar
— Céu interferiu, concordando com Rio. — Sempre partimos do ponto de que é
necessário verbalizar o que...
Mel segurou a mão
dela, interrompendo.
— Não dá.
— Um dia então —
assentiu e Mel sorriu daquele jeito que eu sabia que significava que ela nunca
mais ia tocar no assunto.
Por fim, Melanie
passou o braço sobre o ombro de Rio e apontou para nossos tios.
— Tem mais gente
aqui para te ver.
Tia Maggie foi a
primeira a se aproximar, agora que todos tinham nos dado espaço suficiente.
Rígida e com aquela cara resignada, ela estendeu a mão para Rio que lhe deu um
sorriso antes de segurar a mão dela e lhe dar um beijo no rosto.
— Magnólia. Eu me
lembro muito de você. E você deve ser a Sharon. É muito bonita.
— Obrigada — Sharon
respondeu sorrindo enquanto Tia Maggie tentava fingir que não tinha se
comovido. — Você é muito bem-vindo na nossa casa.
— Vocês dois são —
Tio Jeb complementou olhando para Céu, depois para Rio de novo. — Posso
chamá-los de Céu e Rio? Costumamos abreviar por aqui.
— É claro. Já
estávamos imaginando. Logan nos avisou — Rio respondeu pelos dois enquanto Céu
concordava com a cabeça.
— Então muito
prazer. Sou Jeb, mas vocês já sabem disso.
Céu retribuiu o
cumprimento, mas Rio ficou em silêncio, observando.
— O que foi? — Tio
Jeb perguntou.
— Ele te amava
muito. Amava todos, mas, por alguma razão, achava mais difícil dizer isso a
você.
Ah, pronto.
Tio Jeb ficou meio
em choque, o contato seco e civilizado que ele estava fazendo até agora foi
empurrado garganta abaixo quando ele engoliu em seco. Para a surpresa de todos,
Tia Maggie afagou as costas dele. Acho que para ajudar a descer a emoção.
Eu precisava
reconhecer que a famosa cara de pôquer do meu tio não era mais a mesma, porque
a gente conseguia ver que ele estava bem comovido e sem saber como reagir. De
repente, olhou para Logan, respirou fundo e colocou a mão no ombro de Rio.
— Bem, então que
bom que você disse. Andei aprendendo que é a melhor coisa.
— É o que sempre
digo. É preciso externar os sentimentos sempre que possível — Céu comentou e a
gente disfarçou o riso, porque não era bem no sentido de uma conversa com
Confortadores que Tio Jeb estava falando aquilo.
Mas servia.
Quer dizer, eu
tinha começado o dia achando que as coisas seriam diferentes. Então pensei em
mil maneiras de simplificar para todo mundo, sendo que, no fim, a gente só
precisava deixar o coração ditar o tempo e o caminho. Para além disso, era só inspirar
e expirar. Não tinha nada de complicado nisso.
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