sábado, 4 de outubro de 2014

Capítulo 6 Entre a Luz e as Sombras

Capítulo 6 – Fantasma

What if I wanted to break?
Laugh it all off in your face
What would you do?
What if I fell to the floor?
Couldn't take this anymore
What would you do, do, do?

Come break me down
Bury me, bury me
I am finished with you
(The Kill – 30 Seconds to Mars)

Era uma casa horrível. Há muitos anos e várias camadas de sujeira atrás, deve até ter sido um lugar aconchegante, mas agora parecia mais um barraco perdido no tempo. Lá de dentro, irradiava uma luz estranha: desespero e maldade. Certos lugares têm uma energia tão forte que eu consigo enxergá-la, ouvi-la até. E o som que vinha de lá era distorcido e perturbador.
Respirei fundo ao me lembrar da criança assustada em minha casa, carregando outra pobre criança em sua barriga. Eu não queria entrar, mas por eles era preciso. Olhei ao redor e não achei uma campainha ou algo do tipo, então bati palmas. Ninguém respondeu. Da casa vizinha, tão pobre quanto aquela, mas infinitamente mais limpa, surgiu uma velha senhora.
— O que você quer, minha filha?
— Queria falar com Débora.
— Ih, menina, a essas horas ela já está em outro planeta!
— Como?
A mulher me observou melhor. Ela não tinha a luz estranha que envolvia aquela casa e irradiava por toda a rua, e pareceu perceber que havia algo de diferente em mim também.
— Você não é uma daquelas amigas dela, não é? Não aquele tipo de amiga que vem para comprar coisas.
Eu entendi o que ela tinha querido dizer, mas não quis que ela soubesse o quanto eu realmente captara a “mensagem”.
— Eu não a conheço, na verdade. Vim aqui falar de Marina.
— Ah, pobrezinha! Aquela coitadinha vive jogada. Sempre que eu posso, trago ela pra casa. Mas eu tenho uma família grande, nem sempre tem lugar...
— Entendi. Ela disse mesmo que tinha uma vizinha que era muito boa com ela – menti, tentando ganhar a confiança da mulher.
Pareceu funcionar, porque ela abriu um enorme sorriso meio desdentado e eu me enterneci.
— Eu sou Clara. Qual é o seu nome?
— Me chamo Fátima. Que nome bonito o seu!
— Obrigada.
— Olha, menina. Você parece uma moça de família, uma pessoa certa na vida. Não vem aqui, não. Deus me livre de ficar falando mal dos outros, mas essa Débora não é companhia pra alguém como você. Se você sabe da Marina, guarde isso pra você, porque é melhor a Débora não saber.
— Por quê? O que a senhora acha que pode acontecer?
— Desde que a coitadinha da menina engravidou, ela está fazendo a vida da pobre um inferno. Eu ouço os gritos lá da minha casa. Acho que ela até bate na filha. Isso não é ambiente para uma menina grávida. Se eu pudesse, tiraria ela daqui, mas não tenho recursos. Sabe como é, a gente é pobre...
— A senhora tem razão. Marina me disse algo muito parecido. Mas, mesmo assim, eu acho que preciso ao menos avisar que a filha dela está bem, a senhora não acha?
— Não, minha filha. Já que você está me perguntando, acho que você devia entrar no seu carrinho e sair daqui pra nunca mais voltar. Mas cada um sabe de si. Você pode entrar sem bater mesmo, porque ela não vai acordar. Deve estar lá, desmaiada. Dá uma espiada primeiro se não tem ninguém lá dentro e depois entra. Mas não vai ter ninguém, não. Essa hora é hora da bandidagem dormir. Só gente honesta está de pé trabalhando. Pode ir, filha, eu fico aqui e, qualquer coisa, você grita. Eu não posso fazer muito, mas posso chamar uns vizinhos, ligar pra polícia, bater em alguém com uma frigideira...
— A senhora bateria em alguém por mim, dona Fátima? Para me proteger?
— Ah, minha filha, pode confiar que eu sou porreta.
Eu ri e não pude evitar dar um beijinho no rosto dela. As pessoas normalmente se surpreendem com minhas demonstrações súbitas de carinho, mas ela pareceu gostar, mesmo que tenha me achado um tanto esquisita.
Eu segui seu conselho e avancei uns passos em direção à porta. Olhei para ela, insegura, mas ela jogou a mão pra frente me incentivando a continuar. Bati na porta e não houve resposta. Girei a maçaneta, enojada com a sujeira, e a porta cedeu facilmente. Pela fresta que se abriu, pude olhar em volta. Era meio-dia, mas dentro da casa parecia tudo escuro. Havia apenas claridade o suficiente para eu ver um vulto de uma mulher prostrada num colchão jogado no canto da sala pequena.
Ela estava de costas para mim, virada para a parede. Entrei e pude ver que havia poucos móveis e nenhum eletrodoméstico visível. Era uma casa muito pobre e meu coração ficou apertado ao imaginar Marina vivendo em meio a essa sujeira com um bebezinho em seus braços.
— Débora — chamei.
— Hum? — houve um gemido em resposta enquanto ela se virava para mim. — Acabou o pó hoje. Não tenho nada pra vender. Agora me deixa em paz!
— Débora! — insisti, falando um pouco mais alto. — Não vim aqui comprar nada. Vim falar sobre sua filha.
Ela se levantou com dificuldade. Via-se que tinha sido uma mulher bonita algum dia, a linha perfeita de seu maxilar denunciava um rosto outrora harmonioso e simétrico, olhos ligeiramente puxados e um lindo tom de pele morena completavam o quadro que agora parecia arruinado.
Tudo nela, desde os cabelos desgrenhados até os olhos indiferentes, parecia opaco. Um fantasma, uma casca, era isso que ela parecia. Mesmo assim, alguma coisa mais feia que a morte parecia movê-la e com um esgar ela disse:
— O que você sabe sobre aquela vadia?
— Por favor, não fale assim dela. Eu só vim dizer que ela está bem. Está na minha casa. Eu vou cuidar dela para você e...
Débora irrompeu numa risada de escárnio:
— Cuidar? Puxa! E eu achando que não tinha mais otários na Terra! Deixa de ser besta, garota. Aquela menina não precisa de ninguém, ela é muito safa. E, olha só, fica esperta, porque senão ela vai transar com seu namorado, como transou com o meu. Bom, pelo menos ele era meu quando resolveu traçar ela também.
— Bem, sinto muito. Eu não sabia disso — falei, fingindo que me importava. — Mas também não faz diferença, eu não tenho namorado.
— Aaaah, então eu já sei qual é a sua. Você joga no outro time, né? Está assumindo a responsabilidade por sua namoradinha.
— Não é nada disso! — exasperei-me. — Mesmo que fosse esse o caso, Marina é só uma menina.
Outra risada pavorosa.
— De qualquer jeito, eu vim apenas te dar uma satisfação — continuei. — De tempos em tempos eu ligo pra dizer como ela está, ok? Mas neste momento, nós duas decidimos que você deve ficar longe dela.
— Não me importa — disse ela, fazendo uma carreira de pó sobre uma mesa de centro toda quebrada. — Só que isso vai te custar.
— Marina me avisou que você diria isso. Mas eu não tenho dinheiro.
— Se vira, vadia! Senão eu vou na polícia.
— Bem, depois do que eu vi aqui seria bem interessante metermos a polícia nessa história. Se eu te denunciasse, o Conselho Tutelar tiraria Marina daqui de qualquer jeito. Eu não ficaria com ela, mas você ia perder seus “negócios” — disse eu, tentando fazer uma ameaça à altura.

Acho que consegui intimidá-la um pouco, porque ela me olhou com um ódio que acendeu seus olhos baços, e então sorveu a carreira com a mesma rapidez com que respirava. Algo pareceu dar errado, no entanto, porque foi como se seus olhos fossem puxados para a parte de trás de sua cabeça e uma espuma grossa começou a sair de sua boca enquanto ela caia de lado, convulsa.

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