sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Doce Amargo Capítulo 18



~ 18 ~

Robert

“Temos que obrigar a realidade a responder nossos sonhos, e é necessário continuar sonhando até abolir a falsa fronteira entre o ilusório e o tangível, até realizarmos e descobrirmos que o paraíso estava ali, ao redor de todas as esquinas.”

Julio Cortázar

Havia uma estreita faixa de luz ao meu lado, na cama, proveniente da fresta na cortina sobre a cabeceira. Num primeiro momento, eu estranhei o ambiente ao meu redor, mas o cheiro de Linda adentrando minhas narinas quando me movi sobre seu travesseiro me lembrou de onde eu estava: sua casa. Sua cama. Mas ela não estava em lugar algum. Sentindo-me um pouco mais forte, eu joguei os cobertores para um lado, incomodado com o suor grudado ao meu corpo. Afastei as cortinas da janela, e espreitei o dia lá fora, meu carro parado em frente à calçada, e a rua deserta. Mas não foi isso o que me impressionou
.

Dia. Já era dia; o que só podia significar que eu havia dormido na casa de Linda por toda a noite. Mas... isso não estava nos meus planos, estava? Eu não havia acordado em nenhum momento? É claro que havia! Agora conseguia me lembrar.

Eu me movi desconfortavelmente, banhado de suor. Meus olhos fitaram o espaço à minha volta, mas eu não o reconheci, e isso fez com que minha agitação se elevasse. Eu havia sonhado com Frederick, mas não era apenas isso. Alexandra também estava presente no sonho, bem como Elizabeth, e uma outra mulher. De fato eu não a conhecia, mas ligando todos os pontos, só poderia ser ela. Frederick carregava uma mala em uma das mãos, e minha mãe chorava abraçada a mim e a Lizzy, enquanto o assistia caminhar em direção a uma mulher mais jovem. Seu rosto não estava claro em minha mente, mas eu sabia de quem se tratava.

Paige Williams. E Frederick caminhava em sua direção.

Ao que parecia, Linda se deu conta de minha agitação e, instantes depois, ela estava ao meu lado. Seus dedos tocaram minha testa úmida e Linda me fez engolir alguns comprimidos mais.

― Tente voltar a dormir, está bem? ― ela me sussurrou docemente.

Senti que ela começava a se afastar, mas não era isso o que eu queria. Não queria que ela me deixasse sozinho, sob nenhuma hipótese. Eu a queria por perto!

― Fique ― eu pedi tateando cegamente o espaço onde Linda deveria estar, e alcancei sua perna. Sua mão se fechou sobre a minha, num aperto leve.

― Estou aqui ― tranquilizou-me.

E foi quando a inconsciência me tragou outra vez.

***

― Onde você estava? ― inquiri a Linda assim que ela cruzou a porta de entrada.

Eu estava acomodado em seu sofá, passando os canais de televisão tediosamente através do controle remoto, de banho tomado e trajando a última peça de roupa limpa que eu ainda tinha.

Ela me olhou de olhos arregalados por um momento, provavelmente surpresa por ver que eu estava praticamente me apossando de seu espaço, mas não demorou muito a se recuperar.

― Fui comprar algumas coisas para o desjejum ― explicou erguendo as sacolas que trazia em suas mãos, como se quisesse enfatizar o que dizia. ― Como você se sente? ― quis saber, com seu semblante preocupado.

― Entediado ― eu dei de ombros.

― Humm... eu imagino que deve ser bem difícil para você ficar um pouquinho à toa, mas se você se cuidar direitinho, vai poder voltar para a empresa dentro de poucos dias.

― Estou voltando para a empresa dentro de alguns minutos, Linda ― decidi. ― Só estava esperando que você chegasse... sabe como é, alguém precisava abrir a porta.

Ela apertou os olhos em minha direção, e meneou a cabeça de um lado para o outro, incrédula. Passos firmes levaram-na até a cozinha e eu obriguei meu corpo ainda pouco disposto a segui-la.

― Você quer que eu prepare algo específico para você comer?

― Eu não como pela manhã, bebo apenas café puro.

― Mas isso não é saudável! ― ela me advertiu unindo as sobrancelhas. ― Você sabia que o café da manhã é a...

― Refeição mais importante do dia. Já sei, já sei ― eu a interrompi. ― Minha mãe costumava dizer isso, mas eu não tenho tempo para essas coisas.

― Acho que você precisa de alguém que cuide da sua saúde por você ― ela observou depositando as sacolas que carregava sobre a mesa.

Alguém como uma esposa? ― eu questionei a mim mesmo.

Certamente não isso. Linda não queria se casar comigo, mas isso não significava me empurrar para outros braços. Disso eu estava certo.

― Eu vou ver o que posso fazer quanto a isso ― prometi. ― Mas agora eu tenho uma empresa para administrar, e muito trabalho acumulado.

― Robert, você está doente. Faltar um dia de trabalho não vai matar você! ― protestou.

― Linda, eu vou. Já passamos dessa fase da discussão ― apontei. ― Aliás, isso nem chegou a ser uma discussão, realmente.

Em resposta, ela fechou os olhos com força excessiva, e então voltou a fixá-los em mim.

― Tudo bem ― ela anuiu a contragosto. ― Mas você vai tomar seu desjejum. Um desjejum decente ― ponderou.

― Eu atenderia ao seu pedido, se tivesse tempo, mas preciso ir até o meu apartamento e trocar de roupa ― apontei, fazendo um gesto displicente em direção à minha camiseta de algodão.

― Não é um pedido ― objetou. ― É uma condição.

Eu ergui uma sobrancelha numa expressão irônica, mas a de Linda permaneceu a mesma. Ignorando meu ato, ela se empenhou em preparar a mesa do café da manhã.

― Nós não podemos barganhar? ― eu testei. ― Eu saio antes do café, e você tem o dia de folga ― sugeri.

― Não vou barganhar quando o assunto é a sua saúde! Você está doente, se não se alimentar, de onde vai extrair forças?

― Linda...

― Chega disso, está bem? ― ela me cortou. Seu semblante não estava nada satisfeito, então eu não quis contrariá-la ainda mais. Não depois de ela ter sido tão prestativa na noite anterior, cuidando de mim como apenas uma pessoa verdadeiramente preocupada faria, porque ela era isso: uma pessoa verdadeiramente preocupada.

― Depois do café, então ― rendi-me. ― Eu vou embora só depois de você se certificar de que eu me alimentei direito.

― Nós vamos ― ela me corrigiu. ― Ainda não confio em você dirigindo, então vou com você até o seu apartamento! ― abri minha boca para dizer algo, um protesto que fosse, mas Linda foi mais rápida. ― E isso não é um pedido, ou uma sugestão ― emendou. ― É outra condição.

Eu não reclamei, porque de certo modo, gostava daquela postura que Linda estava assumindo. Nunca aprovei que alguém ditasse regras para que eu seguisse, mas aquelas regras eram tão, que chegavam a me divertir. Talvez não divertir, mas instalavam um calor agradável no meu peito. Isso me fazia pensar no porquê de Linda não ter aceitado ser minha esposa, porque isso faria tudo mais fácil. Ter que deixá-la tão prematuramente seria um mal necessário.

***

― Antes que eu me esqueça, isso é seu ― Linda falou assim que estacionamos na minha vaga na R Blackwell Corporation, estendendo um objeto pequeno em minha direção, que eu logo reconheci como sendo um pen drive.

Franzi o cenho em desentendimento, mas peguei o objeto entre meus dedos ainda assim.

― O que significa isso? ― inquiri.

― Eu tomei a liberdade de organizar algumas de suas planilhas e outros documentos de suma importância. Não ficou muito bom, porque esse não é exatamente o meu trabalho, mas eu espero ter ajudado ― Linda deu de ombros, num gesto displicente.

Ela havia feito o quê? Mas quando? Como?

― Não estou entendo... ― externei. ― Você... esses arquivos deveriam ser sigilosos, então como...?

― Ah, isso... ― ela retomou, parecendo desconfortável. ― Eu vi a sua insatisfação em relação à sua secretária... Quer dizer: em relação à sua nova secretária. Então, depois de você ter dito que estava praticamente fazendo o trabalho dela, eu quis ajudar.

― Isso eu já entendi ― informei. ― O que eu quero saber é como você teve acesso a esses arquivos.

― Melody ― Linda sussurrou em resposta. ― Quando você pegou no sono ainda era cedo, então eu liguei para ela e pedi que me passasse as informações.

Eu congelei por um momento. O gesto, por mais inocente que pudesse parecer, era inadmissível. Melody não podia sair por aí passando esse tipo de informação por telefone. O que ela estava pensando?

― Acho que Melody e eu teremos uma conversinha em alguns minutos ― murmurei para mim mesmo.

A compreensão passou pelo semblante de Linda, que arregalou os olhos em minha direção.

― Não! ― ela berrou exasperada. ― Quer dizer... não! Você não pode!

― Eu devo!

― Robert, foi difícil arrancar as informações dela, okay? Eu expliquei a situação, pedi que ela anexasse os arquivos e me enviasse por e-mail, e foi o que ela fez! Para ajudar! Só isso!

― Sei disso, Linda, mas ela não pode sair por aí anexando arquivos confidencias e enviando para toda a empresa no intuito de ajudar!

― Mas acontece que ela sabe sobre...

Linda deixou a frase morrer e seus olhos caíram sobre seu colo. As maçãs de seu rosto enrubesceram e toda a imagem de autoconfiança que ela demonstrou há pouco em seu apartamento começou a ruir.

― Sobre o quê? ― instiguei, mas ela manteve sua posição conservadora, sem querer dividir o que sabia comigo. Meus dedos seguraram seu queixo e eu a impeli a fitar meus olhos. ― O que ela sabe? ― insisti.

Com um suspiro hesitante, Linda se mexeu no assento do motorista.

― Sobre nós dois ― ela sussurrou em resposta, como se contasse um segredo. ― Ela não é tão ruim quanto você diz. Talvez só esteja sob muita pressão, porque não deve ser fácil trabalhar com alguém como você ― opinou. ― São muitas atribuições. Foi por isso que eu quis ajudar e, bem, ela confiou em mim porque sabe que eu jamais moveria uma única palha pra prejudicá-lo.

― Você não acha que ter cuidado de mim já foi ajuda suficiente? ― questionei.

― Não quando você coloca essa empresa acima de qualquer outra coisa ― ela retorquiu. ― Sei o que eu que eu fiz foi invasivo, e você pode se chatear comigo, eu não me importo, mas não com Melody! Ela tinha a melhor das intenções, e não teria feito o que fez se não fosse pra mim, eu tenho certeza absoluta.

Soltei um suspiro exausto. Linda estava mesmo tomando as dores de Melody, não estava? Tentando absorver toda a culpa, isentando a tal garota, e deliberadamente tentando ser o alvo da minha chateação. Mas ela não o era.

Na verdade, eu estava grato, por mais que ainda não tivesse visto os ajustes que ela implantou ali. Era certo que ela não conseguiria piorar nada, muito pelo contrário. E lá estava eu, sendo ranzinza na minha melhor forma.

Numa tentativa de emendar a situação, eu acariciei o rosto de Linda levemente com as pontas dos meus dedos, e ela fechou os olhos, apreciando o contato.

― Obrigado ― sussurrei para ela. ― Por tudo, Linda. Exatamente tudo.

Meus lábios tocaram os seus no que deveria ser um breve roçar de lábios, mas então havia uma força indiscernível que me impulsionava em direção a Linda. Algum tipo de reconhecimento de seu corpo, que se fortaleceu noite passada, e que me fazia beijá-la como se não tivéssemos outros deveres ou preocupações além de nos apossarmos dos lábios e da pele um do outro.

Ali, eu a tinha, mesmo que não pudesse mantê-la por muito mais tempo, e desejei poder.

***

― Você não fica feliz em monopolizar apenas o meu tempo e tem que fazer o mesmo com Linda, é isso?

― Robert! ― Linda me repreendeu em falso ultraje, e eu ergui as palmas de minhas mãos para ela, como se estivesse me desculpando. Mas eu não estava.

― Você está com ciúmes por eu ter roubado sua namorada, ou é impressão minha? ― Elizabeth provocou erguendo suas sobrancelhas em minha direção.

― No fim do dia, eu ainda vou ser o irmão que Linda escolheria pra levar pra casa ― eu a lembrei. ― Tenha isso em mente, irmãzinha.

― Vocês estão me deixando sem graça ― Linda interveio. ― Será que podem, por favor, parar com isso? As pessoas podem ouvir ― ela murmurou olhando nervosamente ao nosso redor, em meio ao setor contábil.

― Elas não sabem que vocês, bom... ― Elizabeth apontou para Linda e eu, posicionados lado a lado, mas eu não deixei que ela continuasse.

― Sim, sabem, desde o dia em que Linda me agarrou no corredor.

― Foi você quem me agarrou! ― ela protestou um pouco alto demais, dando-se conta de que seu tom de voz havia subido consideravelmente. Desconcertada, ela correu os olhos pelo ambiente, onde olhos curiosos nos observavam com um pouco mais de atenção agora.

Elizabeth soltou um riso baixo, enquanto as bochechas de Linda eram tingidas por um lindo tom de vermelho, e eu me dei conta de que essa era a minha intenção: assisti-la corar, porque eu não sabia quanto mais eu teria disso.

― Eu estou morrendo de fome, vocês podem discutir quem agarrou quem mais tarde? ― Elizabeth instigou.

― Vou pegar minha bolsa ― Linda murmurou ainda afetada, encaminhando-se à sua mesa.

― Ela gosta mesmo de você ― Elizabeth observou quando ficamos a sós.

― Não o bastante pra se casar comigo... ― eu a lembrei ironicamente.

Esperei que ela lançasse algum comentário zombeteiro, mas não foi isso o que ela fez. Num instante que não durou mais do que poucos segundos, era como se toda sua compaixão fosse voltada para mim, e eu me senti exposto de uma forma incômoda.

Linda logo apareceu, com sua bolsa posicionada sobre um ombro, e ela e Elizabeth seguiram juntas, me deixando sozinho. Não sem que antes eu desse um beijo em Linda, porque, novamente, eu não sabia quanto mais disso eu poderia ter.

***

As horas se arrastaram por um caminho que parecia não ter fim e, nesse meio tempo, minha indisposição cresceu consideravelmente. Eu não me sentia mal como no dia anterior, mas tampouco a animação matinal se fazia presente agora, e foi quando me decidi por fazer o que Linda faria no meu lugar: obrigar-me a ir para casa.

Encerrei o expediente mais cedo e dirigi letargicamente até em casa. Eu havia estado naquele lugar há poucas horas, mas ele parecia diferente agora, porque eu estava rompendo a distância sozinho. Linda não estava reclamando ao meu lado, enquanto tentava me dissuadir da ideia de me enfiar num terno e correr para o escritório. Foi uma experiência interessante toda sua preocupação exacerbada, porque eu não me lembrava de já ter vivenciado algo assim desde quando Alexandra morreu. Desde... muito tempo.

Eu afastei o pensamento enquanto subia o lance de escadas do meu apartamento e me dirigia ao meu quarto, mas não obtive muito sucesso, porque uma vertente dele me atingiu: a de que a experiência redescoberta recentemente iria se esvair logo. De algum modo, eu precisava liberar Linda, mesmo que não tenha obtido dela o que eu realmente queria. Não haveria tempo para nós... Mas talvez, se as circunstâncias fossem outras, bem... eu poderia apenas ter tentando conquistá-la, sem estar à sombra do testamento de Frederick, e isso seria bom para nós dois, por algum tempo. Contudo, agora isso seria impossível. Linda e eu não saberíamos como as coisas poderiam ter acontecido, simplesmente porque elas não vão acontecer. Ao menos não mais.

Ela e Elizabeth passaram toda a tarde juntas, no que Lizzy chamou de “momento entre cunhadas”, e eu realmente esperava que elas não estivessem fazendo planos para um futuro onde Linda e eu fôssemos um casal, porque isso não lhes daria muito mais tempo para realizar nada, mesmo depois do fato de meu relacionamento com Linda ter parecido evoluir nas últimas horas.

Na verdade, o tempo que passei ao lado de Linda, com ela cuidando de mim, me trouxe lembranças da infância. Mais especificamente, das vezes em que minha mãe me embalava em seus braços quando eu estava doente e se mostrava tão preocupada. Seus olhos azuis doces e gentis analisando minha expressão, certificando-se de que eu ficaria bem e me tranquilizando, me dizendo que tudo estaria bem. Fazendo com que as coisas ficassem bem. Da mesma forma que Linda havia feito.

Eu me perguntei se outra mulher, qualquer outra, teria cuidado de mim como Linda o fez, e a resposta foi não. Perguntei-me ainda se eu me deixaria ser cuidado por outra pessoa que não fosse Linda, e a resposta me assustou imensamente, porque também foi não! Na verdade, eu preferiria que ninguém tivesse assistido meu momento de fraqueza, mas mesmo depois de perceber que estava completamente exposto perante Linda, eu não conseguia me envergonhar disso. Contudo, eu sentia medo, porque meu lado vulnerável, que eu pensei estar morto desde muito tempo, parecia querer acordar de algum lugar de dentro de mim e isso era assustador e, ao mesmo tempo... ao mesmo tempo, era algo que eu não sabia nomear e, se soubesse, estava certo de que o pavor que se instalara em mim se agravaria imensuravelmente.

Foi em meio a ponderações assim que o cansaço me venceu e, ao espalmar uma de minhas mãos sobre minha fronte, eu me percebi quente. E com frio.

***

― Linda? ― perguntei surpreso. ― O que faz aqui?

Parada à soleira da porta do meu apartamento, vestindo roupas casuais, estava Linda, e não fui muito bom ao tentar reprimir minha surpresa por vê-la. Já era noite, talvez tarde da noite, e eu não esperava que Linda fosse aparecer.

O que seria o mais certo a se fazer? Dispensá-la da porta? Convidá-la para entrar e dizer que estava tudo acabado? Já era o momento? Não estava muito cedo? Porque eu não tinha a mais remota ideia de como fazer isso.

― Você estava esperando outra pessoa? ― ela testou, analisando o corredor ainda do lado de fora. ― Eu não deveria ter vindo sem avisar, me desculpe.

― Não ― murmurei segurando seu braço quando ela tentou se afastar. ― Na verdade, eu não estava esperando ninguém, mas entre...

Ela ajeitou a bolsa sobre o ombro e fez o que sugeri. Tranquei a porta e caminhei até Linda, que me olhava hesitante, perfeitamente imóvel no vestíbulo.

― Eu vim checar se você está melhor ― explicou. ― Melody me falou que você saiu mais cedo, eu fiquei preocupada.

― Ah... ― eu murmurei em compreensão. ― Sim, eu estou. Bem melhor... graças a você.

― Tem certeza?

― Mas é claro.

― Você já comeu? ― quis saber.

― Ah, não. Gemma não veio hoje, estou sem opções.

― Gemma? ― repetiu unindo suas sobrancelhas, em confusão.

― É... ela cuida da limpeza para mim três vezes por semana, e costuma entupir minha geladeira de comida caseira congelada. Ou ao menos costumava fazer isso, antes de eu assegurar que não comia quase nada do que ela preparava.

Linda me olhou desconfiada, como se uma teoria estivesse se formando em sua cabeça, mas ela ainda precisasse de uma confirmação.

― Quando foi sua última refeição?

― Humm... ― eu fingi ponderar. ― Hoje de manhã, na sua casa.

― Será que eu não posso te deixar sozinho por algumas poucas horas? ― ela questionou, incrédula. ― Comer, Robert! Uma necessidade básica, sabia?

― Linda, está tudo bem ― assegurei.

― Eu posso preparar algo para você comer! ― ofereceu.

― Não precisa...

― Mas eu quero ― insistiu. ― Você só precisa me mostrar onde é a sua cozinha... Eu não fui até lá em nenhuma das vezes em que estive aqui.

Eu pensei a respeito. Um jantar preparado por Linda era sempre uma boa opção, e nós já havíamos passado por situações como aquela antes, certo? Então por que não? Seria uma forma de adiar nossa conversa desagradável, ainda que por poucos minutos.

Acenei para Linda em concordância, segurando uma de suas mãos e rebocando-a pelo cômodo amplo. Ela deixou a bolsa que trazia consigo sobre o sofá ao passarmos por ele, e eu guiei Linda até a cozinha, mostrando-lhe a geladeira. Com um pedido de licença, ela abriu o eletrodoméstico, analisando seu conteúdo e emergindo de lá com algumas coisas nas mãos.

― Humm... eu encontrei ovos, bacon, queijo e algumas outras coisas. Acho que posso fazer algo comestível com isso ― ela falou num sorriso, depositando os alimentos sobre a bancada de mármore da cozinha. Linda sempre se sentia mais à vontade sendo útil, e isso fazia com que seu sorriso fosse mais fácil e, eventualmente, me embalasse.

― Você quer ajuda? ― ofereci. ― Sou bom na cozinha, posso ser útil.

Ela hesitou, mordendo o lábio, e eu me dei conta de que não havia provado seu gosto quando ela entrou em meu apartamento. Bom, eu queria fazê-lo agora, mas me contive. Linda olhou de mim para nosso futuro jantar, e então deu de ombros, aceitando minha ajuda.

Arregacei as mangas da camisa que eu usava, lavei alguns tomates, peguei uma faca de corte dentro de uma das gavetas e iniciei o preparo da salada, enquanto Linda se ocupava dos alimentos que requeriam cozimento.

― Onde aprendeu a cozinhar? ― ela quis saber algum tempo depois.

― Uma longa história ― murmurei de volta para ela. ― Que pretendo guardar para o momento do jantar ― propus numa piscadela.

Ela sorriu para mim pela segunda vez naquela noite e internamente eu desejei fazê-la sorrir uma outra vez.

Até sentir o cheiro da comida invadindo minhas narinas, eu não havia me dado conta de que estava com fome, todavia, foi apenas quando eu coloquei na boca a primeira garfada da omelete de queijo que Linda havia preparado, que eu me dei conta de que estava realmente faminto.

Então eu contei a Linda sobre como minha mãe adorava cozinhar, e como Lizzy e eu costumávamos ajudá-la. Falei sobre a inaptidão de Matthew, surpreendendo-me ao me dar conta de que Linda sabia da existência dele. Quanto ela sabia? O que lhe parecia tudo isso?

Ao terminarmos o jantar, Linda insistiu em dar um jeito na louça, e eu a ajudei secando e guardando cada item em seus devidos lugares. Eu sorvi um gole do café que ela preparou para mim mas, como pela manhã, ela não me acompanhou, então fomos para a sala.

Nós nos sentamos no sofá e, involuntariamente, passei um de meus braços sobre os ombros de Linda, que se acomodou contra mim.

Ela me contou um pouco sobre seu dia com Elizabeth, até eu perceber seu olhar fixo no piano.

― Você sabe tocar? ― eu inquiri verdadeiramente curioso.

― Ah... não ― negou também num meneio de cabeça. ― Mas eu gosto de ouvir ― ela içou seus olhos em minha direção antes de continuar. ― Suponho que você toque.

― Talvez ― consenti.

― E você tocaria para sua namorada, se ela te pedisse? ― testou mordendo o lábio em expectativa.

Namorada... Se não fosse a nomenclatura, talvez eu nem mesmo tivesse me focalizado no fato de que, minutos atrás, estava me decidindo sobre a melhor forma de dizer a Linda que nós não continuaríamos com aquilo. Seria aquele o momento mais oportuno?

Não! ― uma voz dentro de mim sussurrou, em reprimenda. Não quando Linda me olhava com expectativa e um sorriso tímido nos lábios. Aquele não era o momento, e nem o dia para nada disso. Talvez eu pudesse iniciar uma briga qualquer no dia seguinte, ou dois dias depois, mas não agora. Não ali.

Cansado de lutar contra o desejo, eu a beijei. Minha língua invadiu sua boca quente, escorregando entre os lábios macios, e então pude sentir o gosto de Linda. Doce como eu me lembrava, com um fundo amargo por não poder terminar aquele contato da forma que eu desejava, e foi só então que eu me interrompi.

― Vem ― eu convidei, tomando sua mão com a minha e guiando-a para se sentar ao meu lado no piano. ― Algum pedido especial, namorada? ― eu fiz graça, ciente de que talvez não fosse algo bom, dada as circunstâncias, mas que também aquilo poderia constituir algo bom para Linda, de algum modo. Ao menos naquele momento, ela pareceu feliz com o gracejo.

― Für Elise é tudo o que eu realmente sei nomear dentro da música clássica ― ela admitiu timidamente.

― Beethoven ― articulei em reconhecimento, e deslizei meus dedos através das teclas do piano, sendo levado por memórias passadas, mas me prendendo ao toque de Linda sobre minha perna, para não me afundar nas lembranças.

Aquele instrumento trazia inúmeras recordações, e eu não queria precisar lidar com nenhuma delas naquele momento.

― E então? O que achou? ― instiguei quando o último acorde soou. Ela não me respondeu. Em vez disso, levou sua mão até uma das minhas e acariciou meus dedos um a um. ― Ruim assim? ― eu insisti casualmente.

Ela ergueu seus olhos brilhantes para mim e me lançou um sorriso amplo.

― Com quem você aprendeu a tocar?

― Minha mãe era uma excelente cozinheira ― eu a lembrei. ― Mas também era uma exímia pianista...

― E você, seu maior pupilo, não? ― instigou.

Não o maior... O único...

― Você ainda não respondeu a minha pergunta ― insisti, em partes por querer desviar o assunto, e em partes por realmente estar curioso sobre suas impressões.

― Você desliza seus dedos pelas teclas tão suavemente... ― ela murmurou mais para si mesma. ― É quase como se as estivesse acariciando, e não tentando fazer com que produzissem som.

Linda beijou minha mão direita demoradamente, num gesto desconcertante para mim. Eu a observei, paralisado, e ela guiou meus dedos até o seu rosto, inclinando-se em direção ao meu toque, como se estivesse saboreando a sensação. Enterrei meus dedos nos cabelos de sua nuca, apreciando sua maciez, e os flexionei repetidas vezes contra sua pele sensível, num afago.

― O piano é um instrumento delicado... não se deve brigar com ele ― observei. ― Se você quer que ele produza um som agradável, precisa, antes de tudo, agradá-lo.

― Sua mãe te ensinou isso? ― ela indagou com um sorriso grudado em seu rosto e seus olhos em mim.

― Não... lições que se aprendem por aí. Nem tudo eu aprendi com a minha mãe.

― Você era muito apegado a ela ― não foi uma pergunta.

Eu inspirei profundamente, cauteloso e receoso pelo rumo que as palavras estavam seguindo.

― Ela era uma mãe amorosa, compreensiva e dedicada ― eu me permiti dizer.

― E criou um filho maravilhoso, você se esqueceu dessa parte!

― Matthew... ― eu murmurei automaticamente. Ele era mesmo maravilhoso, não? Exemplar, irrepreensível, perspicaz, com inteligência muito acima da média...

― Robert ― foi o que veio dos lábios de Linda. Eu a encarei confuso por alguns instantes, para me dar conta do que aquilo significava logo depois. ― Aposto que a família toda adorava plainar ao seu redor, apenas pra ouvi-lo tocar.

Eu sorri. Não de forma genuína, mas um pouco ressentida.

― Não ― retorqui. ― Minha mãe e Elizabeth, sim, mas Frederick e Matthew... ― meneei a cabeça de um lado para o outro, dando ênfase ao que dizia. ― Eles não.

― Por que não? ― ela questionou confusa, unindo as sobrancelhas e acariciando meu braço, que era a extensão da mão que eu já nem me lembrava de estar descansada sobre sua nuca.

― Frederick dizia que piano não era a ocupação ideal para um homem ― contei amargamente. ― Isso não era o que ele desejava para os filhos dele, mas, honestamente, acho que ele não se importava com o fato de eu tocar. Se fosse Matt, talvez...

― Lizzy também costumava tocar?

― Piano não. Apenas flauta e violoncelo.

― E Matt?

― Não, não... definitivamente, Matt não tinha tempo para essas coisas. Frederick estava moldando Matthew para ser como ele e, bem, Frederick jamais daria atenção à música, por exemplo. Muito menos a um instrumento delicado como o piano.

― Sua mãe teria adorado se ele tivesse metade das gentilezas que você tem com as teclas... ― Linda murmurou condescendente, me lançando um sorriso de lado que mudava os contornos de seus olhos.

― Como sabe que ele não tinha? ― instiguei.

― Você é gentil quando me toca, como agora... ― ela murmurou em explicação. ― Eu percebo que teve longos anos para praticar isso utilizando um piano como esse ― falou apontando com o queixo em direção ao instrumento. ― O seu pai, não ― emendou.

― Ele não gostaria muito de você se ouvisse algo do gênero ― eu a adverti num ar zombeteiro.

― E quanto ao filho dele? ― ela quis saber num sorriso tímido. ― Eu tenho chances de obter a aprovação dele?

Um rubor singelo se apossou das maçãs do rosto de Linda e eu me permiti, por um breve momento que fosse, deixar que as coisas seguissem um rumo mais leve e descontraído.

― Você se refere ao filho que não conheceu ou ao filho que dispensou ao ser pedida em casamento?

O rubor no rosto de Linda aumentou consideravelmente e ela desviou o olhar do meu.

― Linda ― eu tentei emendar. ― Eu não quis...

― Não, tudo bem ― ela me interrompeu prontamente. ― Na verdade, foi bom você ter tocado no assunto.

Meu rosto assumiu uma máscara de incompreensão enquanto eu assistia Linda se levantar de onde estávamos sentados e caminhar até o sofá. Eu pensei em segui-la, mas me dei conta de que ela não pretendia se demorar muito no que estava fazendo. Assumi uma nova posição em meu assento, ficando de frente para o lugar onde Linda estava, uma perna de cada lado do banco. Ela pegou sua bolsa sobre o sofá, e tirou um objeto de lá de dentro, depois veio se juntar a mim outra vez, acomodando-se no assento do mesmo modo que eu.

― Isso é seu ― ela sussurrou para mim, depositando o estojo que carregava em minhas mãos.

Eu o girei entre meus dedos, mas ele não me pareceu tão pesado até eu decidir abri-lo e ter um vislumbre do que havia lá dentro.

― Você está equivocada ― contestei.

Não era mesmo meu, era? Não depois de eu ter devolvido a Lizzy, porque Linda não havia aceitado. Aquele bendito anel não era meu. Não, não era.

― Lizzy e eu discordamos ― devolveu. ― Ela me entregou hoje, na hora do almoço, porque acha que deve ficar com você. Ela me disse que era da sua mãe.

― É... ela não me deixou comprar nada quando soube o que eu planejava fazer. Disse que não era íntimo o bastante.

― É realmente muito lindo...

― Isso não importa ― constatei num suspiro exausto. ― Além do mais, nós nem tínhamos a certeza de que serviria em você ― eu considerei, tentando soar animado, jogando o porta-joias em forma de flor com seu conteúdo sobre o piano num gesto displicente.

― Por que a joia estava com Lizzy? ― Linda especulou. ― Por que devolveu a ela?

― Como se ela não tivesse te contado alguma das mil teorias que ela formou a respeito ― resmunguei sob o fôlego.

― Talvez ― ela hesitou um momento, mas logo seguiu com seu raciocínio. ― Talvez ela tenha me falado sobre uma teoria ou duas ― anuiu, prendendo o lábio inferior entre os dentes por alguns segundos. ― Mas eu gostaria que você me contasse ― admitiu dando de ombros, como quem sugere algo simples e corriqueiro.

O ar que entrou pelas minhas narinas parecendo mais denso, contudo, não havia uma razão aparente para isso, havia? Linda e eu já havíamos começado a mexer no meu passado, o que seriam mais umas poucas informações que, para ela, seriam tão irrelevantes?

― Lizzy ficou com tudo o que era da minha mãe depois que ela... ― eu me detive. A palavra seguinte não encontrou passagem e ficou presa em mim. ― Você sabe ― murmurei num suspiro. ― Esse anel era... uma das joias de família. Meu avô presenteou a minha avó com ele quando se casaram. Era o favorito dela, porque era de pérola negra.

― A pedra favorita da sua avó? ― ela tentou adivinhar.

Eu meneei a cabeça, em negação.

― A favorita do meu avô ― retorqui. ― Ele dizia que elas faziam-no se lembrar dos olhos da minha avó, porque eles eram negros como... ― o pensamento me fez congelar, e eu encarei firmemente uma Linda arrebatada pela história que ouvia, me dando conta da enorme coincidência. ― Como os seus ― eu balbuciei, perplexo.

Por bons segundos, nós apenas nos encaramos em silêncio, até Linda se aproximar de mim, aniquilando a distância entre nós e apoiando suas coxas sobre as minhas.

― Sabe ― ela começou num tom incerto ―, eu acho que preciso te dizer uma coisa.

― O quê?

― Você é muito importante pra mim, Robert ― admitiu segurando meu rosto entre suas mãos macias. ― Muito mais do que você pode supor, e muito mais do que eu poderia supor. Ontem, quando eu o vi tão fragilizado ― ela murmurou com um sentimento que mais parecia pesar assumindo o controle de seu semblante. ― Enquanto eu cuidava de você e assistia as horas passando com você ao meu lado, eu me dei conta de que não sei se posso me acostumar a viver com você longe de mim. Não sei... Não sei se quero me acostumar ― ela ponderou mais para si mesma, com o olhar perdido. ― A verdade é que... eu quero cuidar de você! E, bem... Talvez eu não seja a pessoa mais qualificada do mundo, mas eu vou me esforçar pra ser! ― Linda se comprometeu, finalizando seu turbilhão de palavras.

Engoli em seco, com a sensação peculiar de ter meu peito aquecido por algo que eu não conhecia bem, mas que, diferentemente do que acontece com a maioria das coisas que são incógnitas, não me assustava.

― Está tentando um emprego como minha enfermeira particular? ― eu articulei de volta para ela, tentando quebrar o efeito que suas palavras exerciam sobre mim.

― Não... ― ela negou de pronto.

― Então o que é tudo isso?

― Estou tentando... Olha! ― ela exclamou, impaciente. ― Eu não sou boa nisso como você é, okay? ― exasperou-se. ― Estou tentando dizer que ficar longe de você deixou de ser uma opção para mim!

De forma indeliberada, cerrei meus olhos demoradamente, buscando entender o significado por trás das palavras de Linda, mas não obtive nenhum sucesso. Balancei a cabeça de um lado para o outro, tentando expulsar os pensamentos incoerentes, ou talvez dar alguma coesão às minhas teorias, mas foi inútil.

― Eu não estou entendendo... ― confessei.

Ou talvez eu estivesse, mas o choque me fizesse desacreditar.

― Robert... ― Linda chamou, exigindo que minha atenção fosse apenas dela, para ela. ― Eu quero... quero tê-lo por perto ― articulou. ― Não como nesse arranjo atual. Quer dizer ― ela apertou os olhos, como se estivesse pouco satisfeita com sua escolha de palavras. ― Eu quero você! ― decidiu. ― Tudo o que posso ter de você! Quero passar cada noite da minha vida ao seu lado... e acordar com você todas as manhãs! Eu quero... quero que nós...

― Linda...

― Robert! ― ela exclamou, protestando contra minha tentativa de interrompê-la. ― Eu pensei que, talvez, fosse muito cedo para dizer isso, mas... ― ela riu, no intento de parecer segura. Contudo, eu sabia o que havia por trás do seu gesto, e ela estava ciente disso, mas não se deteve. ― Acho que ter sido pedida em casamento muda muito as coisas, então... eu acho que tudo bem se eu disser que...

― Linda, não! ― praticamente implorei. Isso não era do meu feitio. Eu nem mesmo me lembrava se alguma vez já tinha feito isso em toda a vida, mas era perigoso demais deixar que Linda continuasse. ― Esse não é o momento para falarmos sobre nada disso, eu não deveria ter deixado que esse assunto viesse à tona...

― Está tudo bem ― ela me assegurou, interrompendo o que quer que fosse que eu pretendia dizer. ― Está tudo bem, Robert, porque eu... Eu amo você! ― ela soltou num suspiro aliviado, e as palavras que eu temia não me causaram dano algum.

Eu fitei os olhos de Linda, buscando alguma dubiedade em suas palavras ou uma mísera centelha de falácia que fosse e, no entanto, tudo o que eu encontrei foram orbes brilhantes me encarando de volta. Suas mãos acariciaram meu queixo, e quando Linda se inclinou em minha direção para tocar o canto dos meus lábios com os seus, o cheiro que me impregnou na noite passada, enquanto eu repousava em sua cama, me atingiu outra vez e eu fechei os olhos, inalando profundamente.

― O que é tudo isso, Linda? ― eu quis saber.

Por que trazer os sentimentos à tona justo agora? Já seria ruim o bastante antes disso, quando eu tivesse que abortar o que tínhamos.

― Eu amo você ― ela repetiu com naturalidade espantosa, agora. ― Não imagino minha própria vida sem você ao meu lado, então... por que adiar isso? ― instigou.

― Adiar... o quê? ― questionei, abrindo os meus olhos para prendê-los aos dela.

― Case-se comigo ― ela sussurrou para mim e, por um momento, eu pensei que aquilo não fosse real, se não proveniente de algum delírio trazido por uma possível febre. ― Case-se comigo ― repetiu, dando-me a certeza de que tudo era mesmo real.

― Eu não sei o que dizer, Linda ― consegui balbuciar segundos mais tarde, a despeito do meu embaraço.

― Diga que sim! ― ela murmurou, como se estivesse me sugerindo, e não implorando, como seus olhos me diziam que ela estava. ― Diga que vai ser o meu marido! Diga sim!

Engoli a saliva com dificuldade, e ela deslizou ao redor do caroço que se instalou em minha garganta abruptamente.

Dizer-lhe sim! O sim que eu queria ouvir e que me foi negado! Era desse sim que ela falava, não era? Mas no fim de tudo, ela estava me dando muito mais do que eu havia pedido. Ela me devolvia tudo o que pensei haver perdido, e algo mais. Linda vinha com uma aura convidativa, que trazia consigo pontos de luz e divertimento. Ela não era o que eu procurava, porque ela possuía atributos extras que eu não pensei que pudessem existir realmente.

― Como você disse a mim? ― eu provoquei, apenas para ver a forma como seus olhos se condoeram em minha direção, e ela titubeou, sentindo a onda de incerteza perpassar seu corpo.

― Robert... ― ela tentou argumentar.

― Uma pessoa vingativa devolveria na mesma moeda, você sabe! ― cortei-a prontamente. Ela não precisaria argumentar comigo, porque não havia nada mais que ela pudesse dizer. Linda soube disso no momento em que a percepção me abateu, contudo ela não percebeu o que aquilo realmente significava. ― Mas eu não posso! ― segredei-lhe. ― Não posso, simplesmente porque nenhum desejo insano de vingança pode ser comparado ao quanto eu desejo ter você para mim, Linda. Só para mim!

O olhar à minha frente deixou de denotar desesperança e se iluminou com lágrimas quentes que formavam um contraste magnífico com o sorriso amplo que Linda me ofertava, e foi só então que eu vi a dubiedade por trás das minhas próprias palavras.

Pelo testamento de Frederick, e em prol de uma vingança, eu quis Linda para mim, e agora eu a tinha. Mas não era em nada disso que eu pensava naquele exato momento, enquanto os lábios de Linda assumiam o controle dos meus e ela me beijava sofregamente, agarrando porções generosas do meu cabelo entre suas mãos afoitas. Ao passo em que sua língua se embrenhava em minha boca e a minha própria se instalava entre seus lábios macios, tudo o que me vinha à mente era o quanto os beijos de Linda eram prazerosos, e como eles me tiravam dos eixos.

Foi enquanto minha coerência se esvaía que um som de prazer se desprendeu da minha garganta, imitando o ato de Linda, e eu a apertei entre meus braços, me deliciando com seus beijos, com suas carícias e com o fato de minhas mãos poderem percorrer seu corpo curvilíneo livremente.

Naquele instante, eu a desejava. Mais do que qualquer outra coisa, mesmo que não conseguisse me lembrar de algo que eu pudesse realmente desejar e que não estava ali, entre meus braços.

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