segunda-feira, 24 de junho de 2013

AEDDC - Capítulo 15

Depois de sermos banhados pela sabedoria do guru Jamie, outra coisa ameaçava nos banhar. A época das monções estava chegando e o ar estava começando a ter o peso e o cheiro da chuva.


Era um cheiro que eu sentia nos cabelos lindos de Peg, despertando ainda mais meus sentidos para os detalhes do corpo dela. Depois do que Jamie nos disse, Mel e eu nos esforçamos para não aparecer mais tantas vezes juntos diante dela, e também para soarmos mais amistosos e menos cúmplices.

Era inacreditável que Peg ainda pudesse duvidar do meu amor, mas esse sempre foi um ponto delicado para ela que, por razões misteriosas para mim, se recusava a acreditar que nós a amávamos pelo que ela era. E mesmo que a questão fosse a aparência. A dela era tão ou mais atraente para mim agora quanto era na época em que ela estava no corpo da Mel. Mas se alguém soubesse de um jeito de fazê-la entender isso, eu estava pagando para me ensinarem.

O fato é que, quando Peg percebeu que eu não estava apaixonado por Mel e nem estava ficando ao lado dela para ser gentil, ela permitiu que eu me aproximasse mais e com mais frequência. Eu tentava ficar ao lado dela o máximo que podia agora. Nem sempre era fácil, porque não podíamos mais dar a ela os trabalhos mais pesados. Então muitas vezes eu tinha que passar um tempo longe enquanto estava plantando, arando, colhendo ou limpando os espelhos, todas coisas que ela não podia mais fazer.

Ela agora era delegada às tarefas mais leves como cozinhar, lavar ou fazer pequenos reparos nas roupas. Isso a deixava tremendamente irritada, porque Peg estava acostumada a trabalhar como uma máquina, como se devesse algo para nós e estivesse pagando com seus esforços incessantes. Estava claro para todo mundo, menos para ela, que isso não seria mais assim.

Porém, especialmente quando via Melanie trabalhando, Peg se esforçava para ajudar, pedia que dessem alguma tarefa para ela ou simplesmente começava a trabalhar quando ninguém estava olhando. No instante seguinte, gotas de suor começavam a brotar de sua testa e seus músculos frágeis começavam a ceder. Eu enfiava os dedos pelos seus cabelos, tocando a sua nuca, e percebia que ela estava banhada em suor.

Nessas ocasiões tudo o que eu queria era tomá-la nos braços e ensinar a ela como um O’Shea relaxa uma mulher, mas eu sabia que era cedo demais para isso. Eu ainda achava que ela estava confusa em relação aos seus sentimentos por mim e por Jared, então tinha resolvido que daria a ela um tempo pra se resolver. Dessa vez, eu esperaria que ela viesse até mim, para variar.

Então, como eu estava sendo só o “amiguinho”, eu apenas ficava por perto esperando que ela entendesse e aceitasse as limitações do corpo de Sol e parasse de se esforçar tanto. Coisa que, como se pode imaginar, não acontecia. Eu me limitava a tentar dar funções leves a ela, só pra ela ficar por perto ou, quando ela acabava pegando algo mais pesado, tomar o trabalho das mãos dela antes que ela ficasse ofegante demais até para reclamar.

Mesmo com meu compromisso de dar espaço a ela para rever seus sentimentos, era difícil me manter distante e eu estava sempre orbitando em torno dela, como se ela fosse uma estrela, o sol pelo qual há tanto eu esperava. Eu segurava sua mão, acariciava seus cabelos, mas não me permitia exceder essas carícias amigáveis. Era absolutamente torturante.

Ironicamente, foi a chuva que finalmente trouxe o sol para mim, com suas gotas pesadas que caíram sobre nossas cabeças desprevenidas no fim de uma tarde de trabalho. Eu já tinha aprendido o suficiente para saber que os momentos que marcam as nossas vidas nunca chegam com hora marcada, mas sim naquela hora besta em que você só está distraído, pensando na vida e na melhor maneira de empilhar melões cantalupo numa caixa.

A chuva desceu primeiro dando pequenos cutucões com suas gotas pesadas e esparsas, mas em segundos os céus estavam se abrindo sobre nós antes mesmo que pudéssemos terminar o jantar. Todos correram para seus quartos, tentando salvar o que pudessem de ficar encharcado, então eu corri para o hospital para pegar os poucos pertences de Peg.

Lá estava ela, sua figura pequena e frágil se esforçando desajeitadamente para empilhar suas roupas sobre o catre que lhe servia de cama e arrastá-lo pelo corredor. Não havia muito que eu pudesse fazer para não rir diante da cena e ela fez aquela coisa que agora ela fazia quando estava irritada. Ela apertava os olhos e inspirava forte enchendo o peito de ar como se isso a fizesse ficar mais forte.

Mais forte ela não ficava, mas certamente ficava mais linda com os cabelos colados no rosto por causa da chuva e a as roupas molhadas, grudando em seu corpo em lugares estrategicamente planejados pelo demônio da tentação. Reuni todas as minhas forças para desviar os olhos, dei as roupas para ela carregar e levantei o catre sobre minha cabeça, andando menos rápido do que poderia para que ela pudesse me acompanhar e dando a mim mesmo tempo de me recompor.

Kyle estava carregando as coisas de Sunny e posicionando-as ao lado das suas, depois de ter, junto com Jamie, salvado nossos colchões. Quando as coisas voltassem ao normal, ele não voltaria para nosso quarto. Ele estava trabalhando em outro quarto para os dois, enquanto Sunny construía seu lugar no coração dele. Eu ficava feliz em saber.

Deixamos tudo ali de qualquer jeito e fomos ajudar os outros. Quando todos já tinham se ajeitado e vestido roupas secas, começamos a nos preparar para dormir. Não era muito tarde, mas tinha sido um longo dia de trabalho e não tínhamos mesmo muito mais o que fazer àquela hora.

Eu estava tentando arrumar um bom lugar para colocar o catre de Peg, quando Jamie a chamou:

– Aqui, Peg. Há espaço para nós três agora – disse ele apontando para onde tinha colocado meu colchão e o dele – Você não quer mesmo esse catre, quer Peg? Aposto que todos caberíamos muito bem nos colchões se o colocássemos juntos. Você não ocupa muito espaço – sorriu ele empurrando com o pé um colchão para mais perto do outro.

Ih, lá vai o serzinho trambiqueiro tentar dar nó em fumaça!

Jamie nem esperou que ela respondesse e já foi tirando o catre de minha mão e deixando-o no canto ao seu lado. Depois deitou-se na ponta do colchão, de costas para nós, sem dar a Peg a alternativa de protestar e formando uma barreira entre ela e o catre. Sem se virar, ele lançou, deitado mesmo, a última peça de sua armadilha:

– Ah, ei, Ian. Eu falei com Brandt e Aaron; acho que vou me mudar, vou morar com eles. Bem, estou acabado. Boa-noite, pessoal.

Pergunte ao Jamie: Como ser o carinha mais cheio de artimanhas e ainda parecer inocente?

Peg permaneceu imóvel, olhando incrédula para Jamie e depois para mim. Eu também não me movi. Estava andando em terreno perigoso ali e não queria dar um passo em falso e despencar do alto de minhas esperanças. Entretanto, o empurrão de Jamie deixava claro que, se eu não me jogasse, logo ele faria isso por mim.

Até que ele tinha uma certa classe para um garoto da idade dele, mas já era o suficiente que eu tivesse que ouvir umas verdades sobre a vida da boca de alguém tão jovem. Deixar que ele fizesse todo o resto por mim também, seria demais.

Se eu fosse confiar no que ele disse no outro dia, podia estar certo de que Peg estava no caminho de esquecer Jared e me dar a chance de que eu precisava. Cheguei à conclusão de que, se eu fosse esperar a iniciativa partir de Peg, como pretendia antes, ficaríamos velhos aqui.

– Apagar as luzes. Todo mundo de boca fechada para eu poder fechar os olhos. - – gritou Jeb do outro lado do salão, provocando uma onda de risinhos seguida por um quase silêncio.

Conversas baixas pipocavam aqui e ali e eu sabia que Jamie estava de ouvidos abertos, mas privacidade seria algo que não teríamos tão cedo, então, mais uma vez, era hora de me jogar e torcer para não cair de cabeça. Nunca antes isso tinha sido problema para mim, mas quando se tratava de Peg, tudo mudava de figura. Vê-la ali, de pé, me encarando com seus grandes olhos assustados, fez com que meu coração se enchesse do maior medo que eu já tinha sentido.

Ian O’Shea, brutamontes de carteirinha, ousado e garanhão, tremendo diante de uma alienígena no corpo de uma mocinha de cabelos loiros arruivados. Se bem, que dizendo assim parecia meio assustador mesmo!

Talvez dito diferente fizesse mais sentido: Ian O’Shea, que sempre se fingiu de brutamontes, que sempre soube o que fazer diante da mulheres, mas nunca tinha se apaixonado antes, diante da mulher que amava, temendo pela primeira vez levar um “não”. E agora? Parecia assustador ou ridículo?

Eu não tinha certeza quanto ao “ridículo”, mas “assustador” certamente definia aquele momento. Mesmo antes dessa aparência frágil, Peg sempre teve essa sensibilidade delicada que me fazia querer abraçá-la e protegê-la do mundo, mas mesmo nos momentos mais temíveis ou dolorosos, eu nunca tinha visto em seus olhos o pânico que eu via agora. Vê-la assim me transformava de novo no adolescente inseguro que eu tinha sido há muito tempo, quando Kyle se encarregava de arranjar as coisas para mim.

No entanto, eu não era mais um adolescente, deixar Kyle fazer qualquer coisa para mim estava fora de cogitação e eu estava passando vergonha diante de mim mesmo. Parei de me importar com besteiras e lembrei-me de nossa última noite juntos no corpo de Mel, quando Peg me beijou e disse que me amava. Peregrina era incapaz de mentiras e aquele sentimento tinha que estar lá em algum lugar. Eu faria o que fosse preciso para encontrá-lo. Começando agora.

Segurei sua mão fria, determinado a tirar-lhe o pânico aos poucos. Ajoelhei-me sobre o colchão puxando-a para baixo. Peg se deitou na junção entre as duas camas procurando, como sempre, ocupar o mínimo de lugar, isso não tinha mudado. Eu continuei segurando a mão dela e me deitei ao seu lado, virado para ela que encarava o teto sem vê-lo:

– Está tudo bem? – sussurrei

– Está, sim, obrigada. – ela respondeu.

Isso era boa notícia, nossa proximidade não a estava assustando tanto. Porém, podia ser só mais uma daquelas coisas que Peg dizia para eu me sentir bem. Jamie pareceu perder a paciência com minha lentidão e, com uma deliberação que só Peg não foi capaz de perceber, sacudiu-se todo, batendo nela.

– Opa, desculpe aí, Peg – disse ele com a cara de pau que estava se tornando sua marca registrada.

Peg afastou-se dele e, sem perceber, chegou mais perto de mim. Ela arquejou quando seu corpo percebeu nossa proximidade, mas não estava assustada. Ela se afastou, tímida, mas sua respiração acelerada era uma resposta ao meu corpo e eu podia sentir sua mão cada vez mais suada anunciando seu nervosismo.

Calma, aí, garoto! Para que a pressa? Observe e aprenda com quem sabe o que faz! Pensei, evocando o Ian de antes. Entretanto, eu sabia que não poderia deixar de agradecer ao Jamie mais tarde.

Como se fosse mágica, qualquer temor desapareceu enquanto eu ouvia o som compassado da respiração nervosa de minha menina. Um ser milenar, delicado, inseguro e inocente como uma garotinha. Mas em mim não havia mais medo. Meu corpo sabia o que fazer e agiu à revelia de qualquer racionalidade, meu braço envolvendo o corpo dela e puxando-a para mim.

Minha frágil Peregrina relaxou sob meu abraço, a tensão e o nervosismo parecendo abandonar seu delicado corpo e dar lugar ao calor que nos envolvia como uma onda. Ela se virou para mim, nossos corpos muito próximos se reconhecendo e se moldando num nível além do entendimento.

– Está tudo bem? – foi a vez dela perguntar, como se para verificar que eu estava sentindo o mesmo que ela.

– Mais do que bem – sussurrei enquanto beijava sua testa.

Eu nunca mais vou te soltar!

Ficamos imersos um no outro. Se fosse possível desligar minha mente e fazer tudo em volta desaparecer, certamente seria algo semelhante ao que eu sentia por estar simplesmente abraçado com ela. Aquilo era certo e definitivo. Em algum lugar, de alguma maneira, num outro tempo, alguém nos esculpiu daquela forma, juntos e avassaladores como o encontro das águas.

– Peg, você acha?...

– Sim?

– Bem, parece que eu tenho um quarto só para mim agora. Isso não está certo.

– Não. Não há espaço bastante para você poder ficar sozinho.

– Eu não quero ficar sozinho. Porém...

– Porém o quê?

– Você já teve tempo suficiente para acertar as coisas? Eu não quero apressar você. Eu sei que é confuso... com Jared...

Agora, eu sabia que era só uma questão de tempo até eu conseguir afastá-lo totalmente da mente dela, mas a parte crucial nisso era que ela estivesse pronta.

Peg soltou uma risadinha. Um gesto novo que me deixou confuso:

– O que foi?

– Eu estava dando tempo a você para acertar as coisas. Eu não queria apressar você, porque sei que a situação é confusa. Com Melanie.

Então o pirralho estava mesmo certo!

– Você pensou?... Mas Melanie não é você. Eu nunca fiquei confuso. – pelo menos não em relação ao quanto eu a amava.

– E Jared não é você.

Sim. E eu não tinha certeza de como isso a fazia sentir.

– Mas ele ainda é o Jared. E você o ama. – declarei, o presente do verbo me matando por dentro.

– O Jared é o meu passado, outra vida. Você é o meu presente.

Eu podia ouvir um sorriso em sua voz. E também certeza. Então, finalmente, eu acreditei. O passado não importava. O presente era quase o suficiente para mim:

– E o seu futuro, se você quiser.

– Sim, por favor – ela disse com sua vozinha doce.

Três simples palavras, selando a promessa do tempo. Eu a beijei, nossos lábios redescobrindo os caminhos do vulcão submarino que nos fundia numa coisa só. Eu podia fechar meus olhos e deixar minha mente vagar para qualquer lugar, porque eu sempre teria para onde voltar. Uma onda de conhecimento me envolveu, a estranha e plena consciência de que aquele corpo, aquela pequena mulher, tão jovem, mas anterior ao tempo, me pertencia para o resto da vida. Eu estaria ancorado nela, respirando somente o ar que ela respirasse, enxergando-a mesmo quando fechasse os olhos, para o resto da minha vida. E pelo que quer que viesse depois também.

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