segunda-feira, 28 de julho de 2014

Entre a Luz e as Sombras Capítulo 1

I've got an angel
She doesn't wear any wings
She wears a heart that could melt my own
She wears a smile that could make me want to sing
()
You got to be careful when you've got good love
Cause them angels will just keep on multiplying

You're so busy changing the world
Just one smile can change all of mine

(Angel Jack Johnson)

Meu nome é Clara, tenho uma casa simples, um carro velho, uma aparência tranquila e sou um anjo. Isso mesmo, um anjo. Não daquele tipo de pessoa amorosa e dedicada a quem os amigos atribuem o epíteto como um elogio carinhoso, mas um anjo de verdade mesmo.


Uma vez que estabelecemos isso, posso começar a abaixar suas expectativas. Aposto que você imaginou um ser de luz, alado e de beleza extraordinária. Um ser imortal que diariamente senta-se ao lado de Deus lá onde estão a eternidade, o perdão e a bondade. Aposto também que, antes de qualquer coisa, você esteja pronto para me perguntar como é Deus.

Bem, eu não sei, eu não O conheço. Não sou esse tipo de anjo que senta ao lado Dele em Sua magnífica e repleta mesa redonda cercada de convivas divinos (é assim que eu imagino o Céu). Eu ando aqui pela Terra mesmo, tive pai e mãe humanos, posso morrer. Sou, em essência, como você. Não tenho asas, nem sou extraordinariamente bela, embora tenha certa graciosidade e algo em mim, que eu não sei precisar o que seja, que atraia os olhares dos que não estão imersos demais em seus próprios problemas. Há um vislumbre de compreensão inconsciente nos olhos deles quando isso acontece. Por um instante eles percebem que não sou como eles, talvez até percebam, em algum nível, o que sou.

“E o quê, exatamente”, você pergunta, enfim, “é você?” Sim, eu entendo a dúvida. “Você não conhece Deus, não tem asas, como é que você pode dizer que é um anjo?” É o seguinte, Deus conversa comigo, não através de palavras, nem mesmo profecias ou simples imagens, mas através de intenções. Eu simplesmente sei o que Ele quer. E todos os dias eu me levanto, abraço-O em minha mente e realizo Seus desejos.

É aí que está a chave. Quero dizer, ele sempre fala conosco, mas quando se é um de nós, você aprende a ouvir. É como se uma porta dentro da gente fosse destrancada e tudo ficasse muito claro. Como um imenso e insolúvel cálculo matemático que subitamente passasse a fazer sentido. E você sabe, simplesmente sabe.

Alguns, como eu, já nascem sabendo, nunca chegam a erguer a parede que os separa da aceitação de seus propósitos. Outros vão descobrindo aos poucos, percebendo que não se encaixam, que os propósitos mundanos não os atraem, e um dia param de brigar com a voz que grita dentro deles. Para a maioria é depois da adolescência, quando nossos próprios gritos começam a silenciar. Para uns poucos, mais teimosos, demora um pouco mais.

É aí que eu entro. Minha função é ajudar os outros, humanos ou anjos, quando preciso, a encontrarem a paz necessária para ouvir. Além disso, corrijo pequenos erros nas vidas dos humanos, rupturas aparentemente minúsculas na trama de suas vidas que podem afetar o próprio tecido que forma os destinos da espécie. Não que eu consiga enxergar esse destino. Não. Sou apenas um instrumento, o pincel na mão Daquele que pinta o quadro geral das coisas. E assim tem sido por 60 anos.

Uma coisa que me esqueci de dizer é que quando um de nós abraça sua condição para de envelhecer. Ao menos temporariamente, ou pra sempre, não sei ao certo. Nunca encontrei ninguém com mais de 150 anos, então não tenho certeza. Sei que posso morrer porque aqueles de nós que assim o desejaram foram levados para junto de Deus. Ele não deseja que ninguém permaneça na sua missão por mais tempo do que gostaria. Nesse caso, nosso prêmio, por assim dizer, é poder rever nossos entes queridos que se foram. Ou podemos simplesmente continuar vivendo, como humanos mortais. Então voltamos a envelhecer e estamos, novamente, sujeitos a tudo o que a condição humana implica.

Se paramos de envelhecer quando aceitamos nossa condição, eu, que sempre soube, deveria ter a aparência de um bebê, ou nem nasceria, já que pararia de crescer dentro do útero de minha mãe, não é? Bem, é por isso mesmo, por questões práticas, que aqueles que são como eu crescem e se tornam adultos. Não sei exatamente quando parei de envelhecer, só sei que posso passar por 20 anos, ou 30, conforme a necessidade.

Meu pai não viveu o suficiente para perceber essa estranheza a meu respeito. Ele morreu quando eu tinha 15 anos. Algum tempo depois, logo quando minha mãe notou que havia algo de diferente comigo, um de nós veio em meu auxílio. Alberto ajudou a mim e a minha mãe a entendermos as implicações de quem eu era, que eu não envelheceria e que deveríamos cuidar para que ninguém percebesse isso. Então nos mudamos. E tivemos que viver sempre assim, cortando relações com nossos amigos e vizinhos, mudando de vida e de casa a cada dez anos, mais ou menos, mudando de identidade algumas vezes também. Até que ela morreu. Eu tinha 38 anos e mesmo tantos anos depois, ainda não quero falar sobre isso. A ausência de meu pai e minha mãe é um fardo que terei que carregar por quantos anos quiser ou puder viver.

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