sábado, 29 de novembro de 2014

Capítulo 10 Entre a Luz e as Sombras

Capítulo 10 – Entorpecimento

Tell me would you kill to save a life?
Tell me would you kill to prove you're right?
Crash crash, burn, let it all burn,
This hurricane chasing us all underground
(…)
Do you really want?
Do you really want me?
Do you really want me dead or alive
To live a lie
(Hurricane – 30 Seconds To Mars)

“Você sabe muito bem que isso não é infalível!” É o único pensamento que consigo formular para responder aos ataques impiedosos de minha própria mente, enquanto sinto o padrão da calçada contra a pele da minha bochecha.
Ela está furiosa, vociferando algo que escuto apenas através de um zumbido horrível que se instala em minha cabeça à medida que a escuridão de dissipa um pouco.
Por que você não previu isso? Como não percebeu que havia perigo?
“Não é infalível”, repito.
Você fica surda quando está tomada por seus sentimentos humanos! Esta sua paixonite nos coloca em perigo!
“Paixonite?” Teo! Oh, meu Deus! Agora eu me lembro. Eu ia encontrá-lo um pouco depois do meu expediente, quando terminasse o show que ele estava fazendo em outro bar. Por isso fiquei aqui até tão tarde. Ele tinha acabado de me ligar dizendo que estava chegando, então vim até o estacionamento dos funcionários para encontrá-lo. Isso foi antes de tudo ficar escuro.
Tento me levantar para procurá-lo, mas uma dor aguda se propaga pela minha cabeça de forma tão possessiva que não me deixa pensar ou me mexer. Alguém se aproxima de mim e eu penso em pedir ajuda, mas qualquer coisa no jeito como aquela sombra começa a se curvar sobre meu corpo dispara um alarme em minha cabeça.
Ele não vai te ajudar!
O medo me inunda de adrenalina e consigo me virar um pouco e estender meus braços, tentando me defender, embora eu mal enxergue minhas mãos, tamanha é a dor que me escurece as vistas e faz com que eu pareça não ter controle sobre meus movimentos. Só consigo saber que aquelas são minhas mãos, porque elas são claras e contrastam com as luvas pretas que a sombra está vestindo.
Em algum canto de meu cérebro, aquele onde me sinto segura e não consigo acreditar que algo assim possa realmente acontecer, me pergunto como alguém pode suportar usar luvas no calor. Então a parte mais alerta de meu cérebro grita uma resposta apavorante: alguém que queira cometer um crime sem deixar vestígios.
Imagino os dedos negros se fechando em minha garganta antes mesmo que aconteça, mas então uma das mãos dribla as minhas e um dedo indicador faz o contorno de meu maxilar e é a coisa mais estranha que já vivi. Ele parece hesitante, com pena e, em meio a todo meu pânico, também sinto pena dele. Por que está lutando tão ferozmente contra seus instintos? Por que me matar quando parece não querer realmente fazer isso? Deve doer tanto se sentir dividido dessa maneira! Sentir-se compelido, sabe-se lá pelo que, a fazer algo verdadeiramente mal, quando algo em você diz para não fazer.
Minha mente malcriada está gritando comigo, dizendo que quer que ele, seja lá quem for, se exploda em mil pedacinhos com sua dor. Que a única dor que nos interessa é aquela que faz minha cabeça palpitar e minha garganta parecer se fechar, mesmo que aquela mão não a esteja realmente apertando.
Tudo isso acontece em poucos segundos e eu mal tenho tempo de entender o que está acontecendo quando nossa pequena e bizarra conexão se rompe. Apenas vejo as mãos se afastarem de mim, formando garras como se pudessem me puxar consigo por cordas invisíveis. Espalmo uma de minhas mãos no chão e consigo erguer o corpo o suficiente para apoiar minhas costas na lateral do carro, então eu vejo o braço forte que me tirou das mãos das sombras.
Teo está atrás do estranho encapuzado, segurando-o pelo pescoço. O estranho se debate, mas Teo é mais alto do que ele, parece ser mais forte também, e o estranho não está conseguindo escapar. De repente, ele se dobra para frente, fazendo com que o corpo de Teo, tão impiedosamente aferrado ao dele, se dobre para frente também. Em seguida, ele joga o corpo para trás e Teo se desequilibra um pouco, afrouxando o aperto por tempo suficiente para que o estranho lance o cotovelo com toda força em suas costelas.
Teo parece perder as forças e o larga, então emite um som abafado e se dobra sobre si por causa da dor. O estranho afaga o próprio pescoço e me olha por meio segundo. Então, ele faz a segunda coisa mais estranha desta noite: levanta uma das mãos enluvadas e acena para mim, dizendo adeus. Em seguida, desaparece na escuridão como se fizesse parte dela, rápido demais para parecer real. Rápido demais para parecer humano.
É tudo tão repentino que se não fosse pela minha cabeça que ainda gira e pela expressão de dor no rosto de Teo, eu acreditaria que nada aconteceu. Entretanto, a despeito dessa onda ridícula de negação que me invade, aqui estamos, ambos feridos e precisando de ajuda. E não há ninguém por perto... Exceto...
Paty!
Ah, meu Deus! Ela se ofereceu para me fazer companhia e ainda estava lá dentro, trancando as últimas portas quando eu saí. Olho em volta e percebo que o carro dela ainda está ao lado do meu. E se ele a atacou também? Teria dado tempo antes? Ou depois? Será que ele correria para dentro do bar e tentaria com ela o que não conseguiu comigo? Ah, meu Deus!
Na mesma hora em que o desespero ameaça me engolfar, ouço um grito estridente e passos apressados. Os All Star detonados que Paty adora vêm correndo em minha direção, amassando impiedosamente o cascalho da entrada de veículos até que ela chega na calçada. Vejo suas pernas, vestidas em shorts curtos que deixam a pele negra e reluzente quase toda exposta, pararem diante de mim e desabarem com os joelhos no chão. Em seguida, ela está segurando meu rosto e me examinando com as mãos.
— Pa...ty... Paty — digo de um jeito entrecortado quando acho minha voz — Você está bem?
— Se eu estou bem? Caramba, Clara! Não, não estou bem! O que você acha de encontrar sua melhor amiga caída no chão? É claro que eu não estou bem! — diz ela, histericamente. — Mas que merda aconteceu aqui? Ei! — ela grita, quando começo a fechar meus olhos. — Não desmaie! Foco! Olhe pra mim! O que foi que houve?
— Eu cheguei aqui e tinha um cara em cima dela — diz Teo, que já se aproximou.
Paty se assusta como se não tivesse se dado conta de que ele estava ali, embora fosse impossível que ela não o tivesse visto, mesmo no escuro, quando passou por ele segundos atrás.
— Eu dei uma gravata nele, mas o desgraçado acertou meu rim e eu não consegui segurar o cara.
— Você acha que ele queria... — ela pergunta, como se eu não estivesse ali. Seu rosto moreno parece, incrivelmente, empalidecer diante da luz do celular que Teo tira do bolso.
—O que eu acho é que devemos chamar a polícia. — Então ele olha para mim e se abaixa com dificuldade para ajudar Paty a me levantar do chão. — E uma ambulância — completa, soltando um gemido de dor.
— Aquele desgraçado mão-de-vaca do Samuel! — reclama Paty, furiosa com nosso chefe, enquanto andamos de volta para o bar. — Eu já pedi duzentas vezes pra ele colocar um segurança neste estacionamento. E uns postes para iluminar esta escuridão de merda.
Teo já está discando para a polícia enquanto me apoia do seu lado bom. Minhas pernas ainda parecem de gelatina e ajuda muito pouco que um lado inteiro de meu corpo esteja apoiado no dele.
Não é o momento, Mrs. Robinson, mas não é realmente um ataque. Estou cansada, dolorida e confusa demais para minha parte cínica me autocensurar. Cada parte de mim, incluindo essa, está tentando achar uma maneira de entender o que aconteceu e não consigo chegar a nenhuma conclusão.
Quem era ele? Por que me atacou? Eu sabia que aquilo não tinha sido simplesmente um assalto que não deu certo. E eu também não estava apostando na teoria de Paty e Teo de que ele queria me estuprar. Eu sei que ele queria me matar. E também sei que ele não queria, que hesitou e teve medo quando podia ter terminado tudo rapidamente. Por quê? E o que foi aquilo que senti quando ele me tocou? Como é possível que eu tenha compartilhado de suas emoções naquele instante?
Uma nova dor me corta quando Paty encosta um saco de gelo na minha cabeça machucada. A sensação é ao mesmo tempo um alívio e um desconforto. Ela se senta ao meu lado no sofá que fica nos bastidores do palco, na sala onde as bandas descansam, e me faz deitar em seu colo.
Teo se senta ao lado dela e toma o saco de gelo de suas mãos, segurando-o de leve contra meu couro cabeludo.
— A ambulância deve chegar logo — ele diz, enquanto afaga meu rosto com uma das mãos. — Beleza de primeiro encontro, hein? —brinca, sorrindo um pouco, depois suspira e fica sério, quase como se estivesse se sentindo culpado.
— Pense pelo lado positivo — digo, tentando fazê-lo sorrir novamente. — Não tem como o segundo não ser melhor.
Ele ri e Paty também, mas logo ficamos todos sérios novamente.
— Se você tivesse chegado só uns cinco minutos depois... Nem sei o que teria acontecido — diz ela.
— Foi tudo culpa minha! — Teo responde, e eu não posso entender como ele pode pensar uma coisa dessas. — Não devia ter marcado tão tarde. Devíamos ter deixado pra amanhã. Por causa da minha insistência em te ver, vocês duas ficaram em perigo.
— Bobagem, gato! — exclama Paty, e vejo que Teo não consegue reprimir um pequeno sorriso diante do jeito reluzente dela. Quanto a mim, fico aliviada que ela esteja disposta a desanuviar o ambiente e que não esteja mais tão nervosa. — Eu e minha branquinha sabemos nos virar, fechamos o bar quase sempre quando todos os “machos corajosos” que trabalham aqui já foram dormir. Eu é que não devia ter ficado aqui dentro, devíamos ter saído juntas. E tinha que ter uma merda de um segurança lá fora esperando pela gente. Só acho!
— Deixem de besteiras os dois! Não foi culpa de ninguém. Vamos apenas dar graças a Deus que estamos todos bem.
Quase bem, Branquinha. Quase bem – responde ela, acariciando minha cabeça.
— Ah, Paty. Podia ter sido tão pior!
— Eu sei, Santa Clara. Depois fazemos uma novena, mas agora estou puta da vida! O Samuel que me aguarde! Espero que a polícia dê uma pisa nele. Estas são condições insalubres de trabalho!
— Nosso horário de trabalho já tinha terminado, Paty. Não era mais responsabilidade dele, esqueceu?
— Ah, fica quietinha, porque você está delirando. Deve ser a pancada. Só fica deitadinha aí que eu luto por nossos direitos.
Teo ri, mas não emite opinião. Ele parece perceber que quando Paty está assim, não é conveniente tentar argumentar com ela.
Apesar de tudo, da dor, do desconforto, da confusão e do susto, percebo que estou cercada pelas duas pessoas com quem mais me importo neste momento de minha vida, e que eles quase preenchem o buraco que tenho em mim desde que me separei de Marina e Caio. Logo, estarei com eles também e meu coração estará novamente inteiro. No entanto, há um cantinho obscuro de meu cérebro que não consegue esquecer o toque repentino e surpreendente daquela estranha mão enluvada ou de como ele hesitou quando viu meu rosto. Há uma chama insistente que começa a queimar nesse canto obscuro e a luz me faz ver. Sou algo inacabado. E a peça que falta teima em se esconder nas sombras.


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