sábado, 18 de abril de 2015

ELS - Cap 20

Capítulo 20 – Nesses braços

Baby I want you like the roses
Want the rain
You know I need you
Like a poet needs the pain
I would give anything
My blood my love my life
If you were in these arms tonight
(In these arms – Bon Jovi)

Dizem que a poesia precisa da dor[1]. Eu li isso em algum lugar ou escutei em alguma canção, mas não sei se é verdade. O que sei é que o sofrimento existe puramente, e a beleza não costuma estar entre suas companhias.
Por isso, embora a dor tenha muitas vezes estado ao meu lado ao longo do caminho, ela nunca tornou a paisagem mais bonita. Exceto por hoje.
Esta noite, estou mergulhada em ambas, uma indissolúvel da outra, e tudo é doce e amargo ao mesmo tempo.
Eu a vi. Marina. Ela esteve comigo. E eu senti tanto a falta dela! Ansiei por esse momento como um viajante anseia por seu lar. Então, quando o momento chegou, parecia mais com o fim da linha. Meu Deus, não foi nada bonito. Tanto amor em meu coração e só o que eu senti foi medo. E dor. Tanta dor.
Eu quase poderia rir da ironia disso se neste exato momento me lembrasse como, mas claro que o riso não acha o caminho até meus lábios. Risos requerem sons e os sons estão temporariamente mortos. Quase como eu me sinto.
Todos os sons de minha alma, menos um.
A Minha Canção.
Eric.
Estou nos braços dele e isso faz minha dor se encher de poesia.
Como é possível? Dentro de mim, um foco de luz nasce na escuridão de minha tristeza e eu me lembro do que decidi agora há pouco. Que eu quero ser feliz. Que eu quero isto aqui. Este momento. Ele.
Eu quero Eric. O pensamento se liberta num impulso de onde quer que esteve contido e se aninha no vazio dolorido de meu coração. E é bom.
— Ei? — ele sussurra.
Gosto de ouvir o som da voz dele quando estou encostada em seu peito. Em meio a todas as coisas de que gosto na vida, acho que tenho uma nova coisa preferida. O mundo me chega através dele e isso me faz sentir protegida. Salva. Viva de novo.
— Hmm? — eu me obrigo a responder. Não é realmente um som, mas é o máximo que posso fazer.
Não quero falar, não estou preparada para as palavras. Elas machucam e o silêncio é mais seguro. É minha punição e ao mesmo tempo meu refúgio.
— Como você está? — ele me pergunta, uma de suas mãos acariciando meu cabelo levemente e a outra esfregando a pele do meu braço, tentando me aquecer um pouco na noite que começa a ficar fria.
Estamos sentados no chão no canto mais isolado do estacionamento, onde eu tinha trazido Marina para conversar. Em algum momento que eu não registrei, ele esticou as pernas atrás de mim e me acomodou em seus braços de um jeito que eu quase estou em seu colo. Agora que o turbilhão de emoções violentas se acalmou, percebo isso e fico um pouco envergonhada, ao mesmo tempo em que nossa proximidade faz alguma coisa estranha com o ritmo das batidas de meu coração.
Exceto por isso, estou no mais completo silêncio há algum tempo, desde que parei de chorar. Primeiro meus soluços se acalmaram, sufocados no peito dele, depois as lágrimas foram aos poucos diminuindo até deixarem de cair. Eu queria ficar assim por quanto tempo pudesse, com medo de me mover ou de dizer qualquer coisa que quebrasse o encanto, mas preciso dizer algo que responda a pergunta. A voz dele é tão suave e cautelosa ao romper meu silêncio, que eu me sentiria ingrata por deixá-lo sem uma resposta.
“Péssima”, quero responder, mas na mesma hora em que a palavra se forma em minha mente sei que isso não é mais verdade. Há certos tipos de dores que ou se tornam parte de você ou te matam e, bem, eu não estou mesmo morta, estou? Embora eu esteja me sentindo assim, sei que posso, em algum momento, me levantar daqui e lidar com isso.
— Melhor — consigo dizer, e já que estou dizendo a verdade... — Porque você está aqui. Você... Isto... É bom. Obrigada.
Sinto-me ridiculamente tímida depois dessas palavras e fico grata por não estar vendo o rosto dele ou ele o meu. Ainda assim, sinto o ritmo de meus batimentos cardíacos dar outro solavanco quando ouço o sorriso na voz dele.
— Também não estou achando isto ruim. Então acho que sou eu que agradeço.
Ah, meu Deus!
Uma parte de mim quer sair por aí dando pulinhos. Sinto um impulso ridículo de ir contar tudo a Paty, como uma garota que quer dividir as coisas com a melhor amiga. O pensamento faz eu me sentir estúpida e inconsequente por estar me permitindo ter sensações tão adolescentes, sensações que não pertencem a alguém que trapaceia a idade como eu. Felizmente, a maior parte de mim ainda está, por incrível que pareça, ancorada à realidade, e eu consigo não embaraçar a mim mesma ainda mais com esses pensamentos tolos.
— Você vai me contar o que houve? — Eric questiona, mas sei que ele já conhece a resposta. Não é como se eu fosse do tipo que sai por aí divulgando os sentimentos, e ele sabe disso.
— Desculpe — digo, e espero que ele saiba que não é só por guardar a verdade para mim mesma, mas porque ele teve que me assistir desabar tão violentamente, escorada apenas na sustentação que a força dele me deu. Essa força incandescente que exala dele e que eu desejei toda para mim, para que pudesse me fazer inteira novamente.
— Um dia então, Luz. Mas quando esse dia chegar eu vou quebrar a cara de quem te machucou.
A voz dele é dura e eu me assusto com isso, porque sei que ele está falando sério. Não é uma ameaça vazia ou algo que ele esteja falando para me fazer sentir protegida. Há uma violência real e incontida por trás dessas palavras e isso faz um arrepio subir por minha coluna, como se alguém estivesse passando a ponta de uma lâmina afiada na pele de minhas costas.
— Ninguém me magoou, Eric. — Não sei o que ele pensa que aconteceu comigo, mas eu não estou disposta a deixá-lo pensando que existe outro culpado pela minha situação além de mim mesma. — Fui eu que fiz isso. Reencontrei uma amiga esta noite e tivemos que remexer em coisas dolorosas. Mas fui eu que a magoei e não o contrário.
Ele não responde e o silêncio se estende por alguns minutos antes que eu consiga sentir seu corpo relaxar novamente quando ele solta o ar, resignado.
— Bem, sweetheart, eu não me importaria de ser flagrado num canto escuro com uma mulher linda nos braços, mas você sabe que já devem ter dado pela nossa falta. Realmente não ligo, mas, de qualquer forma, não podemos mesmo ficar aqui para sempre.
Ouvir isso é como ser empurrada para fora de nossa própria bolha, aquela em que só nós dois existimos. Sei que ele está certo, mas não quero sair daqui. Não quero que este momento acabe e eu tenha que voltar a encarar o mundo longe dele. O pensamento me dá arrepios e outra vez eu desejo poder ter a força deste homem só para mim.
“Não”, eu penso enquanto tudo em mim se revolta com a perspectiva do novo rompimento. Estou de volta à sensação de queda livre de antes. Começo a tremer e me agarro a ele, prendendo seus braços ao redor de mim com minhas mãos.
— Só preciso de um minuto — digo, na esperança de que um pouco mais de tempo possa me pôr no estado de espírito para enfrentar o fim disso. Já dói tanto me separar dele que nem quero imaginar.
— Acho que você precisa de mais do que um minuto — Eric diz.
Ele me abraça apertado e acho que o sinto beijar meus cabelos, mas não tenho certeza porque o movimento é sutil demais em contraste com a força do abraço. Ainda estou tentando me conformar com a ideia de que isso vai acabar logo, quando ele toma a decisão por mim e me afasta um pouco de si, apenas para alcançar o celular no bolso de trás da calça.
— Vou levar você pra casa, ok? Vou ligar pro Samuel e dizer que você está passando mal ou algo assim e que precisa de uma carona. Paty e Lara podem dividir o seu setor por hoje. Você está precisando descansar.
Não acho justo, não quero que elas trabalhem dobrado por minha causa, mas gosto da ideia de ter mais tempo com Eric. Além do mais, a verdade é que estou mesmo precisando do sossego da minha casa. Barulho e música alta não combinam com o que...
Ai, não!
Quando penso na música finalmente me lembro de quem está cantando. Mesmo daqui, posso ouvir a voz rouca e aconchegante de Caio e não posso deixar que ele suspeite de nada. Eric ainda está sentado no chão perto de mim e uma de suas mãos ainda está enlaçada à minha cintura, mas a outra já está percorrendo a tela do celular em busca do número de Samuel.
— Não — peço num tom urgente quando seguro sua mão, tentando impedi-lo de ligar.
— Não o quê? — ele pergunta meio surpreso e parecendo nada satisfeito por eu estar tentando impedi-lo de fazer o que quer.
Eric não gosta nada disso, mesmo em relação às coisas mais simples já pude perceber que ele não gosta que digam a ele o que fazer ou que interfiram em suas ações. Embora eu reconheça que esse é um defeito dele, não me incomodo com isso e nem estou particularmente empolgada em frustrar esses planos específicos, muito menos hoje, mas preciso falar com Caio. Tenho que saber se ele sabe que os pais estiveram aqui, se Fernando foi embora também e o que disseram a ele sobre o motivo.
— Não ligue para Samuel, eu já estou bem para voltar ao trabalho. Hoje é sábado e não dá pra deixar tudo assim.
— Baby, não se ofenda, mas você começou a tremer quando eu insinuei que era hora de voltar pra dentro. Você não quer me dizer o que aconteceu, mas não me trate como se eu não soubesse que você está um trapo!
Ai.
— Não, Eric. É sério, eu estou bem. E meu amigo está tocando lá dentro, não quero sumir sem dar explicações...
— Ah, claro, o garoto.
Quando diz isso, ele não lembra em nada o homem de minutos atrás. Num instante ele já está de pé, cambaleando um pouco, provavelmente porque, como eu, ele deve estar dolorido por estar na mesma posição há muito tempo. Ele me estende a mão e me iça para cima e eu sei na mesma hora, pela expressão no rosto dele, que nosso momento acabou tão rápida e desavisadamente quanto o humor dele mudou. Sinto o desamparo da ausência dele tão forte que parece que me falta um pedaço que eu nem sabia que tinha.
— Eric... — tento dizer alguma coisa, mas ele finge que não me ouve.
— Então se você acha que já está bem para trabalhar, melhor assim.
Ele ajeita minha camiseta torta e coloca uma mecha que tinha escapado do meu rabo de cavalo atrás de minha orelha. Tento segurar a mão dele, mas não consigo, porque ele se afasta rapidamente de mim, parecendo ocupado enquanto tira a poeira das próprias roupas. Ele começa a caminhar sozinho em direção à entrada, mas há alguma coisa de instável em seus movimentos e ele para, aparentemente tentando retomar o equilíbrio. Obrigo minhas pernas a correrem até ele, puxo-o para mim e a luz de um dos postes incide em cheio em seu rosto, me assustando.
— Eric, o que foi? Você está bem?
Só agora, sob a luz, percebo que ele está mais pálido do que o normal e que seus olhos estão fundos e cansados. Ele parece por fora como eu me sinto por dentro.
— Estou bem — ele diz. — Só bebi demais esta noite.
Sei que é mentira. O cheiro dele está em minhas roupas e ainda posso sentir o calor de sua respiração em minha pele. Eu teria sabido se ele tivesse tomado uma gota de álcool que fosse. Além disso, já deu para perceber que Eric não é do tipo que fica bêbado fácil.
— Não minta para mim — disparo num impulso de ousadia. — Você não está bem. Deixa eu te ajudar...
— Não tenho nada, Clara. Já disse.
Ele diz isso como se o assunto estivesse encerrado e vai embora, enquanto fico aqui, alquebrada e envergonhada. Do jeito que vejo as coisas, Eric me deu um refúgio, um momento de beleza e paz no que deve ter sido uma das piores noites de minha vida, e eu estava tão centrada em meu próprio sofrimento que nem percebi que ele também precisava ser salvo.
Detesto ser esta pessoa que se permite não olhar em volta, detesto que ele esteja precisando de mim e eu não saiba o que fazer para ajudar. Tudo em que consigo pensar quando ele finalmente some de vista é em como eu gostaria de poder ver o que vai em seu coração, em como seria maravilhoso se ele simplesmente me deixasse entrar. Mas as coisas não tendem a ser simples assim, não é?
E agora há mais uma coisa para meu próprio coração carregar através da noite.



[1] Não sei a Clara, mas eu tirei essa frase de um verso de In These Arms do Bon Jovi, do álbum Keep The Faith de 1992.

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