“O
acaso só favorece a mente preparada”
— Louis Pasteur
Capítulo 1
Ponto de vista de Edward
Eu estou nervoso. Mais que
nervoso, eu estou ansioso. Eu deixaria com inveja a pessoa com o caso mais
crônico de histeria apesar de exteriormente eu parecer um poço de
tranquilidade. Eu sou um ator. Que por um acaso do destino, alguns chamariam de
sorte, outros de boas escolhas, fui escolhido para fazer um papel do personagem
mais desejado pelas mulheres na atualidade. Eu prefiro pensar que eu trabalhei
muito até chegar ao resultado do qual desfruto hoje. Uma franquia de quatro
filmes baseados em uma história em quadrinho.
Continuo nervoso, estou
aguardando em meu camarim até ser chamado para uma entrevista no em um famoso
Talk Show. Mas o meu nervosismo nada tem a ver com a entrevista em si, afinal
essa não será a minha primeira e nem última, eu espero. Sentado em frente a um
grande espelho iluminado por 3 lampadas led acima dele, olho bem para meu
rosto, barba por fazer, meus olhos verdes acinzentados parecem desbotados,
olheiras disfarçadas pela maquiagem leve que fizeram minutos antes. Estou um
caco! E tudo isso por ela...
Quando entro no estúdio e
caminho em direção a poltrona de convidados, a público feminino na plateia
grita, se agitam, assoviam e eu juro que escutei alguém gritar “gostoso” em
algum lugar. Como um cara normal eu deveria estar lisonjeado mas isso ativa
minha timidez latente acima do normal e eu sinto as maçãs do rosto esquentarem
levemente. Oh Deus, espero que não esteja corando. Ainda não me sinto
confortável com essa coisa toda de “Sex Symbol” eleito pela Revista Peaple ano
passado. Parece coisa da Twilight Zone¹, não que me ache feio, pois sei que sou
bonito e projeto um certo charme, porém caras como eu, com a minha aparência,
são mais comuns do que as minhas fãs pensam. Eles só não são famosos mas tenho
certeza que estão andando por aí, agora mesmo, nas ruas do mundo.
— Estamos
aqui hoje com Edward Cullen. — Pete Yung, o apresentador, falou e logo um coro
entusiasmado de mulheres gritaram. — Senhoras por favor... — Pete Yung ironiza
sorrindo para mim e piscando logo em seguida. — Então Edward, eu poderia te
fazer perguntas padrão sobre a como foram as gravações do quarto e último filme
da franquia “Heróis”, mas essas eu deixo mais para o fim. Hoje eu vou perguntar
sobre algo que está no topo de todos os jornais e tabloides do mundo todo.
Então, meu amigo, o que foi aquilo na coletiva de imprensa na última
sexta-feira? Com certeza, a notícia chocou muitos fãs e quem acompanha sua vida
pública no geral.
— Não
sei se as pessoas estão chocadas pela notícia do noivado de Rosalie ou
aliviadas por finalmente poderem por fim às dúvidas sobre a natureza de nosso
relacionamento. — Eu noto que há alguns bombons de chocolate com recheio de
pasta de amendoim em cima um prato de cristal na mesa de Pete, perto de mim e
pergunto antes de pegar um. — Que isso? Um suborno pelas melhores respostas? — Eu
lanço o meu melhor sorriso e pego um desembrulhando rapidamente e colocando na
boca para sentir o alívio calmante imediato que o chocolate provoca no meu
sistema.
— Claro!
Todos sabem da sua paixão por doces. — Pete sorri para mim e para a plateia. —
E então, funcionou? — Diz ele fazendo uma expressão deliberadamente
esperançosa.
— Pra
ser sincero, eu não precisava de incentivo para esclarecer as coisas, Pete. Nem
eu e nem Rosalie nunca assumimos publicamente nenhum romance entre nós...
gostaria de lembrar que tudo que existe sobre esse assunto no domínio público
foi apenas suposição e hipóteses que os jornalistas de celebridade lançaram e
as pessoas apenas morderam a isca. Rosalie é uma das minhas melhores amigas e
eu sabia que seríamos desde o primeiro momento que começamos a trabalhar juntos
nos ensaios. Já Emmett é o irmão que nunca tive. Então eu desejo que os
dois sejam muitos felizes juntos e só isso já me faz feliz também. E isso é
tudo!
Ainda respondi muitas
perguntas, porém tirando o foco da minha vida pessoal. Apesar de a entrevista
soar mais como uma conversa do que como uma entrevista propriamente dita. E de
repente a entrevista chega ao fim e com ela o momento que tinha me deixado
nervoso até então. Pete Yung se levanta anunciando que eu tocaria Crown of Love
da banda Arcade
Fire ao piano. É uma das minhas bandas e música favortitas. O que me
deixava nervoso mas feliz ao mesmo tempo é o fato da música ser dedicada a ela...Isabella.
O motivo do nervosismo é o mesmo que deixou minha agente arrancando os cabelos
quando eu disse o que faria hoje nesse programa. Dedicar publicamente uma
música a uma pessoa que ninguém na imprensa conhecia, ou conhecia vagamente. Já
posso imaginar os jornais de amanhã especulando para saber quem seria a mais
nova candidata a Sra. Cullen. Eles nem mal tinha se recuperado da minha mais recente
“solteirice” para então eu jogar mais uma bomba em menos de uma semana.
Sentei-me ao piano e
ajeitei o microfone para minha altura.
— Eu
dedico essa canção para uma pessoa muito especial. Isabella, eu espero que você
receba isso de mente e coração abertos.
Crown of Love – The Arcade Fire
They say it fades if you let it,
love
was made to forget it.
I
carved your name across my eyelids,
you
pray for rain I pray for blindness.
If
you still want me, please forgive me,
the
crown of love has fallen from me.
If
you still want me, please forgive me,
because
the spark is not within me.
I
snuffed it out before my mom walked in my bedroom.
The
only thing that you keep changin'
is
your name, my love keeps growin'
still
the same, just like a cancer,
and
you won't give me a straight answer!
If
you still want me, please forgive me,
the
crown of love has fallen from me.
If
you still want me please forgive me
because
your hands are not upon me.
I
shrugged them off before my mom walked in my bedroom.
The
pains of love, and they keep growin',
in
my heart there's flowers growin'
on
the grave of our old love,
since
you gave me a straight answer.
If
you still want me, please forgive me,
the
crown of love is not upon me
If
you still want me, please forgive me,
cause
this crown is not within me.
it's
not within me, it's not within me.
You
gotta be the one,
you
gotta be the way,
your
name is the only word that I can say.
You
gotta be the one,
you
gotta be the way,
your
name is the only word,
the
only word that I can say!
|
Eles dizem que
desaparece se você deixar,
Que o amor foi feito para ser
esquecido.
Eu talhei seu nome através de minhas
pálpebras,
Você reza por chuva, eu rezo por
cegueira.
Se você ainda me quer, por favor, me
perdoe,
A coroa do amor caiu de minha cabeça.
Se você ainda me quer, por favor, me
perdoe,
porque a faísca não está comigo.
Eu apaguei-a antes de minha mãe
entrar no meu quarto.
A única coisa que você fica trocando
É o seu nome, meu amor segue
crescendo.
Ainda o mesmo, como um câncer,
E você não quer me dar uma resposta
direta!
Se você ainda me quer, por favor, me
perdoe,
a coroa do amor caiu de minha
cabeça.
Se você ainda me quer, por favor, me
perdoe,
porque suas mãos não estão mais
sobre mim.
Eu as desprezei antes de minha mãe
entrar no meu quarto.
As dores do amor, e elas continuam
crescendo
No meu coração, há flores crescendo
Sobre a cova de nosso velho amor,
Desde que você me deu uma resposta
direta.
Se você ainda me quer, por favor, me
perdoe,
A coroa do amor não está mais sobre
mim.
Se você ainda me quer, por favor, me
perdoe,
Porque essa coroa não está mais em
mim.
Não está mais comigo, não está mais
comigo.
Você tem de ser a escolhida,
Você tem de ser o caminho.
Seu nome é a única palavra que sei
dizer!
Você tem de ser a escolhida,
Você tem de ser o caminho.
Seu nome é a única palavra,
A única palavra que sei dizer!
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Eu não era romântico assim
desde a minha primeira namorada no primeiro ano do Ensino Médio. Desde quando
conheci uma criatura tão intrigante e obstinada para quem dediquei a canção,
entrei em contato com partes minhas há muito tempo enterradas no fundo do meu
ser. Mas falando assim de nossa situação, essa história parece confusa e
totalmente sem nexo. Deixe-me contá-la direito.
Dois anos antes...
Eu estava caminhando pelos
corredores do aeroporto de Amsterdã.
É um aeroporto enorme
quando o tempo da escala entre os voos é apertado, mas para mim, que além de
ter pego um voo Los Angeles/Dublin com uma escala de 4 horas — e isso eu
preciso agradecer a “brilhante” secretária de Jane, minha agente — ainda por
cima, descobri que o voo sofreria o atraso de duas horas por conta de uma
nevasca repentina em pleno 23 de dezembro. Então, tempo é o que eu mais tenho
para andar despreocupadamente.
Felizmente, os seguranças que
me acompanham para os mais variados eventos — mais uma das muitas coisas de
Jane — não estão comigo hoje e assim eu posso me sentir uma pessoa “normal” que
faz coisas normais como tomar um cappuccino em uma das muitas cafeterias
espalhadas pelos corredores ou entrar em alguma loja estilo duty-free shop²
para comprar uma caixa de bombons suíços divinos.
Ah, eu posso sonhar com
o chocolate derretendo lentamente na minha boca e isso me acalmando ou até
mesmo uma barra de Toblerone.
Sou louco por qualquer
coisa doce para o desgosto de Jane, que vive me dizendo que eu não sou mais um
adolescente e que se eu quiser continuar me entupindo de doces, vou ter
trabalhar duro para gastar essas calorias extras. Já que eu malho três horas
por dia e três vezes na semana, acho que posso me dar ao luxo de comer uma
barra inteira de Toblerone.
Não tenho tendências a
engordar de qualquer maneira.
Entro em uma loja
aleatória e logo que vejo meus tão sonhados chocolates, me dirijo para lá como
que hipnotizado. De repente, enquanto eu escolho mais alguns itens, minha
atenção é desviada para uma moça que estava na seção de CD/DVD da loja. Ela
estava escolhendo uns CDs, porém o mais engraçado é que ela dançava e cantava,
se agitando e estava distraída. Percebo que há uma música tocando ao fundo,
fluindo pelas caixas de som espalhadas no teto da loja. E me parece
estranhamente familiar. Daugther da Banda Pearl Jam é a música soando pelos
alto-falantes.
Nossa...essa moça é fã
de Pearl Jam?
De onde estou, eu posso
vê-la metade pra cima; e gosto do que vejo. Longos cabelos castanhos compridos
e ondulados nas pontas na altura dos seios, pois estão divididos, presos em
elásticos pretos, cada um de um lado do pescoço descendo até seu colo.
Os olhos estão fechados. Observo
que os cílios são naturalmente longos.
A pele branca e por causa
da regata branca por debaixo do cardigã azul-marinho, dava a impressão de
palidez. Com o decote em V, posso ver o vale entre os seios que não são nem
grande e nem pequenos demais. São bonitos. Aliás seu colo é todo lindo e me faz
querer tocá-la, sentir a textura de sua pele e...
Ora, pare Cullen! O que
é isso! Controle-se!
Ao sair do turbilhão de
pensamentos, percebo que ela está me encarando de volta e completamente
envergonhada. Acredito que fiquei olhando para ela por um tempo considerável.
Ela tem enormes e
brilhantes olhos castanhos e os lábios carnudos e largos. Então, no instante
seguinte ela dá de ombros e diz com a voz mais cristalina do mundo.
— Pearl
Jam é a melhor banda do planeta.
Ela andou até o caixa com
quatro CDs em suas mãos e eu pude vê-la de costas. Ela tem um quadril largo em
relação a cintura que é fina, vestindo um jeans reto. Os ombros são estreitos.
Ela é exatamente o tipo de mulher que eu gosto. E ainda por cima ela está carregando
uma mochila e um case com violão.
Meu Deus! Ela é gostosa
e toca violão... Ai, caramba, será que estou babando?
Rapidamente me refaço
voltando para uma postura aceitável. Eu sou irlandês e eu tenho que me lembrar
disso. Geralmente, não ficamos encarando desconhecidas em lojas de aeroporto
feito loucos desvairados. Nós temos a fama de flertarmos de maneira mais
simples e calma.
Agressividade fica para os
espanhóis e italianos. É por isso que detesto mitos.
Espere um pouco, será
que ela me reconheceu?
Somente hoje, 6 ou 7
pessoas sorriram para mim ou apontaram reconhecendo-me de imediato. A moça do
balcão de informações ficou vermelha ao falar comigo e o mesmo ocorreu com o
rapaz que estava no check-in quando despachou minhas malas. Inclusive, pedindo
um autógrafo.
Ela agiu tão naturalmente
quando me viu que eu não tenho certeza se me reconheceu e não quis demonstrar
ou pode ser que não seja fã do meu personagem ou de filmes desse gênero. Mesmo
os meus cabelos agora voltando a cor normal, o tom de ruivo característico dos
homens da família por parte de minha mãe. Tive que tingi-los de castanhos para
o personagem. Ainda bem que era um tonalizante fraco.
Mas mesmo assim, ela me
reconheceria, pois sou garoto propaganda dos ternos de Giogio Armani esse ano e
cartazes e outdoors com imagens minha em seus ternos espalhados por todo o
mundo e outras marcas famosas também.
Não que eu queira me
gabar, só estou tentando esclarecer meu ponto de vista. Mesmo que eu quisesse
estar anônimo, eu não conseguiria depois de ser o rosto de várias campanhas
publicitárias. E no futuro, vou me lembrar de não emprestar meu rosto para a
publicidade, nem mesmo pelo meu peso em ouro.
Estranho ela não ter me
reconhecido.
Enquanto me dirijo ao
caixa, percebo que não sei para onde ela foi, em vez disso fiquei aqui perdido
em pensamentos inúteis.
Ao sair da loja, olho em
volta procurando vestígios do azul do cardigã da morena gostosa que me deixou
louco, minutos atrás. Agora é minha vez de dar de ombros e deixar com o
destino, pois se tiver de ser, será!
Caminho mais um pouco,
tendo a ideia súbita de comprar um cappuccino, pois tenho que aproveitar que
Jane não está por perto. Ao olhar para a cafeteria ao qual eu parei em frente,
o nome é Café Chocolat em um letreiro branco de fundo roxo, lembrando a marca
de chocolates Milka.
Pago e pego meu cappuccino
e uma torta quadrada de chocolate com a mesma cobertura e recheio de chocolate
como eu gosto. Caminho até uma das mesas altas com cadeiras altas e luminárias
de teto que se estendem quase até o centro da mesa e ponho lá minha bandeja. Já
sentado e saboreando feliz meu lanche, eu me deparo com aquela morena na mesa
seguinte, falando ao telefone, ou melhor, ela usava fones de ouvidos acoplados
ao celular em cima da mesa.
Ela não estava falando
alto, mas eu pedia escutar, eu acredito que porque eu estava realmente
prestando atenção. O engraçado é que ela não estava falando a minha língua. Eu
não sei que língua ela está falando, mas tenho certeza de que nunca ouvi antes.
Nesse ramo, você sempre acaba entrando em contato com culturas e línguas
diferentes da sua, mas eu sempre peguei apenas fragmentos disso.
Dessa vez eu me controlei
para não ficar encarando. E finalmente, ela pareceu me ver e me lançou um
sorriso e seus lábios ficaram ainda mais desejáveis dessa maneira. Já sei duas
coisas sobre ela: que ela toca violão e fala mais de uma língua.
Em vez de sorrir eu pisco
para ela, projetando meu charme totalmente de propósito. E lá vamos nós... ela
pisca repetidas vezes mostrando que eu a afeto de alguma forma e um leve rubor
tinge suas bochechas. Em seguida ela balança a cabeça de um lado para o outro
em claro sinal de desaprovação.
O quê? Minha piscada
sempre foi fatal... Acho que você está perdendo o jeito, Cullen!
E ela continua falando ao
telefone. Pode ser que ela não goste de ruivos, vai saber...
Quando ela desliga o
telefone e guarda no bolso da calça, ela se vira pra mim e pergunta num tom
mediano, olhando para o meu violão e para mim logo em seguida.
— Há
quanto tempo você toca violão? — Ela me dirige um olhar sincero, mas seu jeito
é mais ou menos tímido.
— Desde
os 10 anos. E você? — Eu fui rápido no gatilho.
— Desde
os 14. Você começou cedo... Onde aprendeu? Numa escola de música? — Ela olha
para mim em expectativa mordendo seus lábios carnudos que começam a ficar
vermelhos por causa disso e me atiçam a minha imaginação.
— Quem
me dera eu ter ido para uma escola de música. Eu aprendi nas ruas de Dublin, eu
gostava de tocar nas ruas porque assim eu recebi dicas e algumas aulas com
outros artistas de rua. — É melhor eu olhar para seus olhos em vez dos lábios.
— Nossa,
isso é muito interessante. Como se deu esse interesse na música? Pois você foi
buscar onde você pôde encontrar. Tem algum outro músico na sua família? — O
interesse dela parece até científico.
— Meu
avô tocava gaita e violino e eu herdei esses dois instrumentos ainda bem
conservados. E você, o que fez você se interessar?
— Foi
natural...Eu cantava no coral da escola, depois meus amigos começaram a
aprender violão nas aulas de música e eu apenas segui e depois eu quis ter
minha banda. Porém não sou uma musicista muito dedicada, gosto de cantar e tudo
mais. Estou mais para as Artes Visuais do que para a música. — Ela sorri e eu
meu coração acelera. Estou sorrindo também.
— Então
você é atriz? — Não sei se gosto ou desgosto dessa ideia.
Nesse momento o telefone
dela toca e ela se desculpa fazendo um sinal com as mãos para que eu espero um
momento. Ela começa a falar outra língua novamente, mas essa eu conheço, é
alemão.
Poxa vida, quantas
línguas essa menina fala?
Ao julgar pelas roupas, é
uma pessoa simples. Deve ser estudante de alguma coisa. Uma teórica. Tenho
certeza que ainda vou me surpreender com ela.
— Desculpe,
era a minha roommate, Alice. Ela já está em Londres para o feriado de Natal e
enquanto eu estou indo para o Brasil visitar meus pais. Ela sempre conversa
comigo em alemão para ambas não esqueçamos e ela está ainda muito insegura com
a língua.
— Eu
estou meio confuso agora... deixe-me ver se entendi. Você é brasileira, mas
fala alemão, inglês e mais que línguas? — Essa menina é um mistério.
— Podemos
continuar essa conversa em algum outro lugar? — Ela disse se levantando. Ambos
percebemos que estávamos tempo demais sentados naquela cafeteria.
— Claro.
Me siga. — E eu caminho em direção aos bancos de espera em frente a um portão
aleatório mas de frente para o painel de controle para que pudéssemos
acompanhar as chegadas e partidas dos voos seguintes. Ao nos sentarmos,
acomodamos nossos instrumentos nos bancos vazios ao nosso redor. Ela se virou
para mim, estendendo a mão.
— Desculpe,
esqueci de me apresentar, meu nome é Isabella Swan. — Eu pego suas mãos macias
entre as minhas.
— Prazer, Isabella, me chamo Edward Cullen. — E não há
nenhuma mudança ou surpresa em sua expressão.
— Eu conheço você. — E ela cora levemente diante da minha
expressão confusa. Não entendi bem o que ela quis dizer com isso. Será que
era uma dessas fãs stalkers e estava fingindo o tempo todo? — Eu... eu não
quis dizer que conheço realmente você...eu quis dizer que sei quem você é. E,
por favor, me chame de Bella. Você é o ator que interpreta o arqueiro, não é? —
Senti um tom próximo da desaprovação em sua voz.
— Sim. Você assistiu ao filme? — Olho para ela mal contendo
a ansiedade.
— Sim,
assisti, mas tenho que dizer uma coisa e espero que não fique chateado comigo,
eu sou muito fã da história em quadrinho Heróis. Eu coleciono todas as edições
desde os 7 anos de idade. Sou louca por todos os arqueiros e arqueiras famosos
da história e da literatura. Legolas, Robin Hood, Guilherme Tell, Susana
Pevensie, Eragon... Então, você pode imaginar que meu personagem preferido é o
arqueiro e eu fiquei desapontada quando eles escolheram um ator ruivo e tão
fora das características do personagem. — Ela me olha parecendo sem jeito, meio
que insegura quanto a minha reação. Inesperadamente eu sorrio para ela,
incentivando-a continuar. — O arqueiro é moreno, dos olhos castanhos e olhar
enigmático, o típico latino sexy e estereótipo da virilidade. Eu pensei que
escolheriam um rapaz mais parecido com o personagem, mas entendo que há meios
de caracterização bem modernos hoje em dia. Eles até que conseguiram te
transformar bastante nas telas do cinema, e você até que convenceu, porém eu
sou fã e meio nerd e pra mim não dá pra engolir, desculpe.
Ela realmente não poupa ninguém de sua sinceridade. Isso é
raro, muito raro...
— Em minha defesa, posso garantir que o processo de escolha
do ator foi exaustivo, foram testes e mais testes e eu concorri contra muitos
atores jovens e talentosos. Eu participei de uma oficina de arco e flecha e fui
quem tirou as melhores notas porque eu gostei muito mesmo e hoje participo de
competições no nível principiante. Essa é uma das vantagens de atuar, pois você
entra em contato com novos conhecimentos e isso muda você de alguma forma.
— Então você é arqueiro também na vida real? — Ela me olha
com admiração pela primeira vez desde que começamos a conversar.
— Pode se dizer que sim. — Eu sorrio para ela e ela cora
mais uma vez.
— Tem também o salário que é bastante atrativo, já que a
indústria cinematográfica transforma atores e filmes em produto e propaganda.
Ouch! Olho para ela me sentindo meio
perdido. Mas depois percebo que ela fala as coisas sem pensar muito ou é
muito segura sobre o que pensa.
— A indústria de cinema é um sistema complexo, mesmo que
capitalista. Há toda uma gama de profissionais por trás daquela estrutura
simples que o filme parece ter. Não há como movimentar algo tão grande assim
sem grande quantidade de dinheiro e investimentos correndo soltos por trás.
Você não gosta de assistir filmes? — Olho para seus olhos castanhos de forma
direta.
— Para ser sincera, eu não costumo a assistir filmes
mainstream, somente filmes que convidem a reflexão. Tipo, Laranja Mecânica de Kubrick
e Antiviral de Brandon Cronenberg, aliás esses foram alguns dos filmes que usei
para a minha tese. Eu sou estudante de mestrado em Artes na Universidade
Humboldt em Berlim, e estou desenvolvendo uma tese, me formo no fim do ano que
vem.
Artista Plástica, posso apostar...Bella
é uma mulher inteligente e estudiosa. Agora entendo mais um pouco seu desgosto
pela indústria de cinema.
— É artista plástica? Ah e tem mais uma coisa que me deixou
intrigado, você é brasileira?
— Artes Plásticas é minha formação original, mas gosto muito
de pintar e lecionar por isso estou fazendo o mestrado em artes, mas
futuramente quero tentar um doutorado em educação. — Ela sorri pra mim e eu
derreto. — E não, não sou brasileira, sou dos Estados Unidos, mas meus pais se
mudaram para o Brasil e abriram um negócio lá quando eu tinha 2 anos, já meu
irmão Seth nasceu lá. Agora, os negócios prosperaram e eles têm uma rede de
padarias no Rio de Janeiro.
— Meus pais também tem uma padaria que também é mercearia e
doceria. — Eu sorrio me lembrando com saudades. Quero saber mais sobre ela,
estou curioso com essa menina intelectual e linda. — Me fala mais de sua tese.
É sobre o que exatamente?
— Minha tese é sobre o papel da arte reflexiva na cultura
contemporânea. É sobre o fato da fama e efeitos visuais serem mais importantes
do que a mensagem contida na obra, pois são o motivo pelo qual, as pessoas vão
a cinema quando na verdade, deveriam ir pela mensagem contida na obra. — Ela me
olha e percebe que eu estou tentando assimilar isso tudo. Não que eu seja
superficial, mas eu não fico questionando o meu meio de ganha pão. — Estou te
entediando? — Eu nego sacudindo a cabeça de um lado para outro. — Vou fazer uma
abordagem mais pessoal então. Sabe
Edward, é por isso que eu não persigo fama, porque ela é ilusória, ela traz
dinheiro e reconhecimento, mas transforma a sua arte em um produto. E a
indústria se encarrega de vender cada pedacinho distorcendo a mensagem contida
na obra. Quando eu produzo algo, eu estou materializando a minha reflexão sobre
algo na nossa sociedade, algo que me chama a atenção. Eu estou querendo me
comunicar, comunicar a visão de uma descoberta ou ponto de vista sobre algo
nessa nossa breve vida e depois eu quero compartilhar, não importando como as
pessoas vão interpretar isso.
— Você
está querendo dizer que eu sou um produto? — Eu olho para ela não conseguindo
disfarçar minha indignação com uma de minhas sobrancelhas levantadas.
— Entenda
como quiser. Mas eu não estou querendo te ofender ou algo assim. É só um ponto
de vista baseado nas minhas análises e meses de leitura e pesquisas para minha
tese. É basicamente a minha tese. Eu posso não entender todas as engrenagens da
indústria de filmes e comunicação de massa, contudo o que acontece com o teatro
é algo bem diferente, não é mesmo? No teatro, você mergulha no psique de um
personagem emprestando algo de si e essa é a visão que você tem ou o que você
entendeu naquele personagem, não é? Independente da visão do diretor e do
texto, esse ponto de vista é a sua obra. Mas no cinema, você é controlado por
resultados, estatísticas e por números, ou seja, há uma pressão em volta de
quanto se gastou e quanto se espera lucrar. Você é aconselhado a aceitar este
ou aquele papel, para ser valorizado e sempre lembrado nos intervalos dos
filmes, atores fazem campanhas publicitárias, recebem convite para festas ou
inauguração de boates e coisa e tal. Sem perceber esses artistas se transforma
em produtos, que é o que pode ser vendido é o que interessa aos investidores.
Esse tipo de negócio gera fama e lucros e tanto um quanto o outro alimenta o
ego e no fim é só pelo que o artista/produto vive, para alimentar seu próprio
ego e cegueira diante da verdade. A arte desse tipo de artista é vazia porque
ele não quer compartilhar, ele só quer ser célebre.
— Essa
é a sua tese?
— Basicamente.
Entenda, eu não estou falando de você ou ninguém em particular, eu estou apenas
analisando o que é arte nos tempos modernos e os limites entre a arte reflexiva
e a pseudo-arte.
— Eu
nunca pensei por esse lado, porém eu sempre pensei no cinema como puro
entretenimento. Há muito pouco cinema-arte na indústria e sempre houve. Pelo
menos algo que o grande público pudesse alcançar, entender e gostar.
— Então
experimente ler Dialética do Esclarecimento³ de Theodor Adorno e Max
Horkheimer. Eu li tanto que acabei sendo influenciada em meu discurso
apaixonado de agora a pouco. Se eu pudesse te dava as minhas cópias para que
você conhecesse, porém estão em alemão.
— O
que seria do mundo sem a dialética, não é mesmo? — E eu pisco para ela. Pela
primeira vez ela apenas sorri para mim. Ela não quer argumentar. Ela apenas
concorda e eu estou um pouco decepcionado, pois pensei que ela argumentaria e
essa seria a chance de eu mostrar que conheço alguma coisa de filosofia. Depois
de alguns minutos olhando nos olhos um do outro, eu quebro o encanto por causa
de uma ideia repentina. — Ei, o que acha de me mostrar o seu violão e nós
tocarmos alguma coisa? Juntos, claro!
— Claro!
Eu peguei meu violão e ela
o dela. Aliás, é um lindo violão vermelho que é um tanto grande para ela, faz
com que pareça menor ainda. Isabella canta com sua voz rouca e aveludada e eu
apenas toco, fascinado com o movimento sensual dos lábios dela ao cantar.
Ficamos tocando juntos, o
que pareceu horas, mas foram só 40 minutos. Depois conversamos amenidades mais
uma vez. Ela falou de seus pais, de sua vida no Brasil e que viajou bastante
depois de se formar, eu contei que nunca tinha viajado tanto antes de me tornar
ator de cinema. Falo sobre a padaria da minha família, falo um pouco da minha
irmã, Kate.
Quando a hora chegou,
próximos de embarcarmos cada um para destinos completamente diferentes, eu a
abracei e ela me beijou no rosto de forma lenta.
— Edward,
foi um prazer te conhecer. Eu não tinha ideia da pessoa simples que você é. — Ela
me olha intensamente.
— O
prazer é todo meu porque não é todo dia que eu encontro alguém que diz
realmente o que pensa do meu trabalho, você sabe, nesse meio tem muitos
bajuladores e os fãs são muito parciais.
— Você
tem olhos lindos... — Ela parece sincera ao dizer isso.
— Obrigado!
— Eu sorrio para ela. — Bella, podemos trocar número de telefone? — O sorriso
em seu rosto de desfaz. Droga! Será que eu fui longe demais? Mas é natural
pedir o telefone de uma pessoa se queremos manter contato, não e?
— Olha,
Edward, eu não quero parecer louca ou paranoica, mas eu não sou o tipo de
pessoa que planeja, na verdade eu costumava ser assim, mas decidi quando me
mudei para a Alemanha, que eu queria fazer as coisas de formas diferentes. Então
eu gosto de deixar as coisas ao acaso. Serendipity. Conhece o termo?
— Como
“Carpe diem”? — Ela sempre me confunde.
— Não,
mas eu adoro o termo Carpe diem também. — Ela sorri para mim novamente. —
Serendipidy é uma palavra criada pelo escritor Horace Walpole, sabe? O que
escreveu Os três príncipes de Serendip,
onde ele conta as aventuras de três príncipes do Ceilão, atual Sri Lanka, que
viviam fazendo descobertas inesperadas, cujos resultados eles não estavam
procurando realmente. Graças à capacidade deles de observação e sagacidade,
descobriam “acidentalmente” a solução para dilemas impensados. Esta
característica tornava-os especiais e importantes, não apenas por terem um dom
especial, mas por terem a mente aberta para as múltiplas possibilidades.
Nossa, essa menina é uma enciclopédia!
— Então
é basicamente deixar as coisas ao acaso, como se o destino decidisse por nós? —
Será que ela fazia ideia do quão deliciosamente louca ela estava soando? Faz
muito tempo que eu não faço as coisas assim sem planejar. — Estou gostando da
sua ideia, apesar de ainda ser o mais sensato pegar seu telefone já que me
sinto tão confortável com você.
—
Oh, Edward... Não é que
não goste de você ou esteja te dando um fora. É que eu demorei um pouco para
tomar as rédeas da minha vida e só estou querendo um pouco de imprevisibilidade
porque não quero me prender. Não mais. A liberdade é uma coisa preciosa, meu
amigo.
— Isso
é verdade! Olhe para mim, um cara que não pode nem ter um perfil numa rede
social qualquer. — Sorrio para ela, mas tenho certeza que foi um arremedo de
sorriso. — Tudo bem, então!
Inesperadamente, ela me
abraça e me dá um beijo rápido nos lábios.
— Nos
vemos por aí. — E ela caminha para o portão de embarque para se perder em algum
lugar do Rio de Janeiro.
Isabella demonstra ter
sofrido alguma desilusão amorosa em um passado recente, pois é o que seu
comportamento arredio demonstra para mim. É a forma como eu interpreto “o que
não foi dito” em seu discurso de deixar as coisas ao acaso. E eu não sei
porque, mas tenho a estranha sensação de que nos veremos novamente.
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Twilight Zone¹ – também
conhecido no Brasil como Além da imaginação é o nome de um seriado dirigido por
Stuart Rosenberg, apresentando histórias de ficção científica, suspense, fantasia
e terror. Mediante o sucesso popular da série, ao longo de sua história foram
realizadas diversas temporadas e continuações.
Duty free shop² –
Duty-free shops ou free shops são lojas localizadas no interior de salas de
embarque e desembarque de aeroportos onde produtos são vendidos com isenção ou
redução de impostos.
Dialética do
Esclarecimento³ - no texto “Dialética do
Esclarecimento” escrita por Theodor Adorno em colaboração com Max Horkheimer
durante a guerra, é uma crítica da razão instrumental, conceito fundamental
deste último filósofo, ou, o que seria o mesmo, uma crítica, fundada em uma
interpretação negativa do Iluminismo, de uma civilização técnica e da lógica
cultural do sistema capitalista (que Adorno chama de "indústria cultural").
Também uma crítica à sociedade de mercado que não persegue outro fim que não o
do progresso técnico.
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