domingo, 23 de junho de 2013

CD - Capítulo 11

POV – Estrela


O ritmo da respiração de Logan mudara. Eu sentia seu peito contra as minhas costas se movendo mais
lentamente agora. Meu lutador incansável lutava até contra o cansaço, mas essa era uma batalha que ele não poderia vencer, não por muito tempo. Eu permanecia enrolada em seus braços, imaginando mesmo sem ver, seu semblante tranquilo. Logan sempre dormia como um bebê. Eu tinha observado isso nas incontáveis noites em que ele tinha adormecido ao meu lado, depois de ficar até tarde tentando me fazer dormir no meu quarto na Estação de Cura. Aqueles tinham sido dias terríveis. Dias em que meu corpo se revoltava e os enjôos me rasgavam por dentro. Dias em que as lembranças de Peregrina não me permitiam fechar os olhos sem morrer um pouco.

E Logan tinha sempre estado lá, ao meu lado. Protegendo-me mesmo quando tudo o que eu fazia, tudo o que eu representava, era um dilema e até uma afronta para ele. Mesmo assim ele ficou. E ficaria para sempre se eu quisesse. Ele tinha pedido para ir comigo. Ele abriria mão de tudo o que conhecia, de tudo o que era, em meu nome. E todo esse amor era só para mim.

Desvencilhei-me pesarosamente de seu abraço, com todo cuidado para não acordá-lo. Porém o cuidado era desnecessário, ele já dormia profundamente. Assim que saí, já ansiava por voltar. Era uma sensação estranha a de finalmente me sentir em casa. Em dois meses em que estive nesse planeta, nunca soube realmente como era isso. Mas Logan me fazia sentir em casa. Ele era meu. O protagonista das únicas lembranças que pertenciam só a mim. Das memórias doces que eram minha contribuição para esse coração já tão pleno de amor.

Eu esperava que Peregrina pudesse se lembrar dele com carinho quando eu entregasse seu corpo de volta. Que pudesse haver mais alguém nesse mundo que soubesse como ele é bom, que enxergasse através de seus olhos implacáveis e seus modos duros, diretamente o coração e a Alma que me amavam. Eu esperava que ela ensinasse John a amá-lo, apesar de tudo.

Eu mesma faria isso se pudesse, mas não sabia como seria para mim quando chegasse às cavernas. Até onde eu sabia, eles talvez me odiassem, como Logan havia dito. Talvez, com sorte, eu fechasse meus olhos para abri-los novamente em outro planeta, numa outra época em que nenhum deles existisse. Mas eu esperava que não. Desejava mais que tudo ficar. Queria poder ver Ian, Melanie, Jamie... Queria ver os olhos de Peg fora do espelho.

Sei que não poderei vê-la acordar, que não poderei dizer nada a ela, pôr em palavras o que sinto. Mas também sei que ela saberá, no instante em que voltar a si, que eu a amo, tanto quanto ela amou Melanie, que eu quero voltar e ver John crescer e estar com os humanos que também são meus. Ela sentirá, como eu sinto enquanto observo Logan dormir, que eu quero poder voltar para ele algum dia.

“Sinto muito”, penso enquanto acaricio de leve seu rosto. Sei que a minha decisão vai dilacerá-lo, mas é a única forma de protegê-lo. Logan nunca aceitará que eu me entregue a um destino incerto para salvar Peg, nunca confiará nos humanos tocando em mim, retirando minha Alma. Para ele, esse corpo e essa vida agora são meus. Foi por esse corpo que ele se apaixonou, nem sei como ele reagiria a outro. Nem sei se ele admitiria essa possibilidade. Ele jamais entenderia que, assim como Peg não podia amar Ian quando o corpo de Melanie a puxava em direção a Jared, eu também não posso amá-lo nesse corpo que anseia desesperadamente por outra pessoa.

Ele não aceitaria. Suas noções tão alinhadas da realidade sofreriam demais diante da complexidade desses sentimentos. Ele lutaria, tentaria proteger meu corpo, ele não cumpriria sua promessa de manter-se longe de Ian, eu tinha certeza. E eu não podia deixar que nenhum dos dois sofresse, não podia arriscar que nenhum deles se ferisse. Eu os amava demais para isso.

Meu corpo todo parecia pronto para voltar para casa. Ian era como uma força gravitacional me puxando, era como o centro do meu universo. Mas minha Alma tinha uma casa aqui e tudo em mim já doía por abandoná-la. Era uma dor excruciante sentir-se partida ao meio dessa maneira. As lágrimas brotavam dos meus olhos como se nunca mais fossem parar. Se eu não agisse rapidamente, perderia a coragem e eu precisava fazer isso. Por John. Por ele eu daria minha vida. Por ele suportei meu peito sendo rasgado quando olhei para Logan, quem sabe pela última vez, e beijei suavemente seus lábios em despedida.

Eu não mais veria seus olhos e, por um segundo, desejei que ele acordasse, para que eu pudesse ver o verde brilhante mais uma vez. Mas a imagem da dor que ele sentiria quando visse a mochila arrumada às pressas em minhas mãos, quando visse a despedida em minha expressão, fez com que eu desistisse. Eu não precisava ver aqueles olhos uma última vez, eles estariam cravados em minha memória para sempre. Eles olhavam para mim agora e me acompanhavam pela casa enquanto eu preparava as provisões para a viagem, rabiscava umas palavras num papel e roubava as chaves do carro. Eles ainda olhavam para mim, colados em minha imaginação para sempre, cheios de dor e algum desprezo, enquanto eu cruzava a porta sem olhá-los de volta.

____________________


Eu vejo no retrovisor que estou numa cor de beterraba; não esperava que meus dotes mínimos no volante fossem tão evidentes – era uma coisa que, convenientemente, Peregrina esquecera com o tempo e não havia deixado para mim -, e aquela marcha definitivamente não estava me ajudando.

– Oh, não, obrigado – eu gaguejo envergonhada, virando a cabeça para a doce mulher de meia idade que me oferecia sua ajuda – Acho que consigo fazê-lo sozinha, mas mesmo assim eu agradeço. – então ela retribui meu sorriso, e se vai.

Eu tento me concentrar. Não deve ser tão difícil assim, eu penso com meus botões, empurrando levemente outra vez a marcha do Mustang cromado de Logan; era o carro que ele mais gostava, mas eu não podia usar os outros que ele tinha: um Camaro ou um Porsche chamariam muito mais atenção.

Era uma coisa curiosa. Tamanho apego a coisas materiais não combinavam com uma Alma, mas Logan dizia que tinha herdado esse amor por carros de seu hospedeiro, que era um homem simples, acostumado a viver com pouco, mas era simplesmente apaixonado por carros. O apartamento pequeno e apertado era mais do que o suficiente para o hospedeiro de Logan, mas o Mustang tinha sido o destino de todo dinheiro que tinha conseguido economizar ao longo de muitos anos de trabalho. Acho que por isso esse era seu carro favorito, porque tinha sido uma conquista e tinha realmente significado muito para seu hospedeiro. Logan tinha um ponto fraco por esse hospedeiro. Acho que eles eram muito mais parecidos do que se pode imaginar. Era interessante.

Os outros dois carros eram mais recentes, “pequenos” agrados que Logan deu a si mesmo ao longo do tempo em que esteve aqui na Terra. Aparentemente, ele cultivava mais interesse e carinho por “seus bebês” do que por qualquer outra coisa nesse planeta. “Carros são uma das poucas coisas que os humanos faziam direito!”, ele me disse uma vez. Claro que eu me sentia culpada por estar roubando seu “bebê” preferido, mas uma mãe tinha que fazer o que uma mãe tinha que fazer. E levar o meu bebê de volta para casa era muito mais importante.

O carro deu seu primeiro pulo, ricocheteou, e voltou para trás. Eu tiro e ponho novamente a chave, enquanto cutuco o pedal, quase não o tocando. O motor ronrona, mas para minha decepção, ele chia e desliga logo depois.

– Ah, vamos lá... Liga, carro estúpido! – eu resmunguei comigo mesma, já irritada. Para minha surpresa, algo me respondeu. Uma pequena tela brilhou no painel do carro, iniciando-se automaticamente. Então, enquanto o motor do carro religa suavemente outra vez, uma voz feminina soa:

“Mustang 1969, ligado. Qual o seu destino?”

Eu paro por um instante, um pouco assustada e pasma - então eu rio com aquilo. Eu deveria ter notado antes, uma vez que era com esse carro que Logan me levava para toda a parte de Phoenix; talvez eu estivesse ocupada demais olhando para a liberdade que ainda me encantava para prestar atenção.

Isso é completamente Logan – ter as coisas totalmente a seu favor, à sua disposição. Dar ordens ao invés de receber, mesmo que para um carro. Eu tento ignorar a dor do rasgo do meu peito que arde quando eu penso nisso.

– Tudo bem, carro falante, para a Interestadual 124, por favor – eu murmuro, desenterrando da minha mente o caminho inicial da estrada que daria para as linhas até a caverna.

O piloto automático do carro fez o volante rodar, e o Mustang saiu graciosamente da garagem para o asfalto ante a entrada do pequeno condomínio onde ficava o minúsculo apartamento, que por algumas semanas havia sido minha única casa.

E agora eu partia. Para longe do que por algum tempo era a minha sensação mais genuína de conforto e alguma alegria: meu Buscador.

Partia para minha verdadeira casa. Mesmo não sabendo se ela me aceitaria de volta.

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