quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

DA - Capítulo 5

~ 05 ~

Melinda

Eu tamborilei meus dedos distraidamente por meu braço, observando com afinco a paisagem fornecida pela janela do carro, e tentando — inutilmente — não deixar que o fato de Robert Blackwell estar me dando uma carona para casa me perturbasse.

Mas estava sendo bem mais difícil do que me pareceu.

— Por que você está tão calada? — a voz potente de Robert quebrou o silêncio.

— Não é nada em especial, Sr. Blackwell — murmurei debilmente.

— Você pode olhar para mim por um segundo? — pediu enquanto parava em frente ao prédio onde eu morava.

Não pude deixar de notar que, dessa vez, ele desligou o motor do carro.

Tentando não demonstrar o quanto tudo aquilo me parecia surreal, corri meus olhos em direção ao belo homem à minha frente, sem saber ao certo como faria para que eles, eventualmente, mirassem outra direção.

— Eu penso que deveria me desculpar uma vez mais por ontem — ele disse.

— Não! — apressei-me em negar. — Quer dizer... em grande parte, eu fui responsável por tudo o que aconteceu! Se eu não estivesse tão distraída...

— Isso não justifica o fato de eu ter sido tão impaciente com você — interrompeu-me. — Não querendo me isentar da culpa, mas ontem foi um dia realmente difícil, e o dia de hoje estava se mostrando ainda pior.... até que eu encontrei você!

Oi? — perguntei-me mentalmente enquanto observava um sorriso mais que perfeito se abrir nos lábios róseos de Robert.

— O senhor ficou feliz por eu não estar morta, suponho — murmurei levemente, tentando fazer com que minha voz soasse divertida.

— Vai um pouco além disso, Srta. Calle.

Eu estremeci.

Meu sobrenome tinha esse poder sobre mim, e isso me deixava atordoada.

— Não me chame assim, por favor — pedi. — Apenas Melinda já está formal o bastante para mim, senhor...

— Não, não, não, não, não — ele falou rapidamente pousando seu dedo indicador sobre meus lábios. — Se eu irei chamá-la de Melinda, você irá me chamar de Robert!

— Mas o senhor é meu chefe — eu o lembrei em protesto.

— Tecnicamente... sou o chefe do seu chefe — ele franziu o cenho como se estivesse ponderando.

— O que o torna meu chefe — retorqui. — Por isso, como sua subordinada, nos convém que o “senhor” permaneça!

— Só porque eu sou seu chefe? — inquiriu arqueando uma de suas sobrancelhas claras.

— Exatamente — anuí.

— Sendo assim... — ele murmurou colocando uma expressão séria em seu rosto. — Como seu chefe, eu a proíbo de me chamar de Sr. Blackwell! — advertiu-me. — Eu tenho apenas trinta anos, e quando você me chama de senhor, eu sinto como se tivesse o dobro de minha idade!

— Mas...

— Sem essa de ‘mas’, Melinda — cortou-me. — Eu gosto do meu primeiro nome, no entanto, quase ninguém me chama por ele — deu de ombros. — Vamos fingir que agora, essa é parte da sua função: chamar-me apenas de Robert — ele falou abrindo um sorriso e lançando-me uma piscadela.

Eu pisquei aturdida algumas vezes, e minha boca se abriu em busca de algo para dizer, mas meu cérebro não estava trabalhando tão rápido, por isso demorei mais alguns segundos antes de conseguir proferir algo.

— Não sei se consigo — murmurei numa risada nervosa.

— Tente — disse-me calmamente.

— Tentar — eu testei a palavra. Não me pareceu tão ruim assim, mas quando vi o sorriso brilhante e perfeito que Robert tinha no rosto, algo dentro de mim me alertou a respeito dos riscos que eu estaria correndo. — Tudo bem — concordei mesmo assim. — Tentar me parece... razoável.

— Ótimo! — ele sorriu abertamente para mim. — Agora você precisa me prometer que vai repousar e, sobretudo, não voltará à empresa até que seu pulso esteja perfeitamente bem!

— Meu pulso está bem — retorqui calmamente. — Eu não preciso de dias à toa, em casa...

— Está tentando fazer com que eu me sinta absurdamente culpado por ontem, não está? — inquiriu-me numa expressão séria.

— Acredite-me, essa é a última coisa que eu faria!

Robert me encarou seriamente provavelmente pesando minhas palavras, tentando descobrir o significado real de toda aquela intensidade.

Eu engoli em seco, torcendo para não estar deixando transparecer nenhum dos sentimentos que venho escondendo nos últimos sete anos, desde quando encontrei a foto de Robert num recorte de jornal, para ser mais precisa.

— Eu prometo não aparecer na empresa nos próximos dois dias — murmurei debilmente. — O atestado que o Dr. Harrison me deu cobre esse período, então eu acho que tudo bem — eu dei de ombros, fingindo indiferença.

— Obrigado por ser tão compreensiva — disse com seus olhos fixos em mim. — A forma como eu a tratei ontem foi muito repreensível, você não merecia aquilo. Eu realmente sinto muito.

Eu desviei o olhar, sentindo minhas bochechas corarem e meu coração disparar.

O que estava acontecendo, afinal? Como é possível que Robert Blackwell esteja logo à minha frente desculpando-se por seu comportamento nada gentil do dia anterior?

Será que eu estava sonhando?

— Não há necessidade de se desculpar — disse-lhe. — É melhor eu ir para casa. O senhor — eu apertei os olhos censurando a mim mesma. — Você — corrigi — deve ter uma porção de coisas para fazer, não quero tomar o seu tempo.

— Tudo bem — concordou com o esboço de um sorriso brincando em seus lábios. — Obrigado por me fazer companhia durante o almoço. Foi muito... interessante.

Eu acenei uma vez com a cabeça, ainda aturdida, enquanto ele abria a porta do carro e saltava para a rua. Espelhando seu gesto, eu também saí do carro, encontrando Robert ao meu lado com um sorriso sarcástico em seu rosto.

— Você é do tipo autossuficiente e que não aceita um ato cavalheiresco, suponho — brincou.

— Mais ou menos — murmurei de volta.

Meus olhos encontraram os seus. Eles eram de um tom espetacular de verde. Intensos. Chamativos. Hipnóticos. E ainda assim, frios e distantes.

— Obrigada pela carona — disse-lhe timidamente. — E pelo o almoço, é claro... e por todo o resto.

— Foi um prazer, Melinda — ele me disse amavelmente. — Agora vá descansar! Vejo você em breve.

— Claro — retorqui ciente de que aquela não era realmente a realidade. Nós não nos veríamos novamente. Tudo o que aconteceu foi apenas coincidência. — Até mais.

Forçando minhas pernas a me obedecerem, eu caminhei em direção ao interior do meu deplorável prédio, parabenizando a mim mesma por não olhar para trás a fim de checar se Robert permanecia lá, ou se já havia partido.

Acima de tudo, eu deveria me lembrar de que o dia de hoje não havia sido comum. Nada do que aconteceu se repetiria, e aceitar a situação de uma única vez seria o melhor. Eu também não deveria demonstrar nenhum sentimento a Robert, ainda que nós voltássemos a nos encontrar casualmente pela empresa. Meus sentimentos deveriam continuar bem guardados, a qualquer custo.

Bom, ainda que eu tivesse adorado cada instante do dia de hoje ao lado de Robert, tudo havia sido tão perfeito que ao menos tinha grandes chances de que tudo não passasse de um delírio causado pelos analgésicos que eu ingerira.

***

Eu me deixei cair pesadamente sobre a cadeira do escritório.

Christine ainda não havia chegado, e se eu tivesse bastante sorte, talvez seus encontros com Anthony Cooper fossem suficientemente interessantes a ponto de ela simplesmente esquecer que Robert Blackwell e eu saímos para almoçar juntos há dois dias.

Juntos! — a palavra ecoou em meus pensamentos.

Era tão deprimente saber que nós estivemos tão perto e tão longe ao mesmo tempo! Claro que eu torci para que tudo não tivesse passado de um sonho, porque seria bem mais fácil lidar com tudo aquilo se essas coisas fossem apenas fruto da minha imaginação, todavia, não eram!

Tudo havia sido real, feliz ou infelizmente, e agora eu precisaria conviver com aquelas lembranças, ciente de que Robert, dois dias depois de ter me dado uma última carona até em casa, a essa altura, já nem mesmo se lembrava de mim.

Eu tinha que admitir que ele havia sido muito antecioso naquele dia, é claro, apagando toda sua indelicadeza do dia do acidente. No fundo, eu sempre soube que Robert era uma pessoa gentil e sensível, e sua preocupação ao me encontrar conversando com Christine à espera de um elevador, apenas confirmava meu ponto de vista.

Que outro tipo de pessoa teria se preocupado em fazer uma doação tão generosa a um orfanato tão carente, afinal?

Mas eu não poderia ser movida por minhas emoções, contudo. Robert e eu pertencíamos a realidades diferentes e, se eu deixasse que seu cavalheirismo mexesse comigo ainda mais, eu seria a única a sofrer quando ele finalmente se lançasse num relacionamento estável com alguma mulher extraordinariamente linda, rica e interessante.

Eu bufei incrédula a respeito de meus próprios pensamentos. Isso já estava indo longe demais, e eu não poderia me deixar iludir assim tão facilmente. Isso não...

— Bom dia, flor do dia! — Christine falou interrompendo meus pensamentos e ocupando seu lugar ao meu lado. — Pensei que você tivesse esquecido o caminho até o escritório — disse sarcasticamente.

— Bom dia, Christine — disse-lhe de forma educada, deliberadamente ignorando seu comentário.

— Vamos lá, Linda! — ela me chamou incrédula. — Você desaparece por dois dias após sair para almoçar com o chefe, e tudo o que eu escuto é um “bom dia”? Sério?

— Tudo bem — murmurei relutante. — Como você tem passado, Chris?

— Linda — chamou-me impaciente. — Robert Blackwell pode até mesmo gostar desse seu ar de desentendida, mas ele me irrita profundamente. Nesse caso, eu acho melhor você me contar o que aconteceu nos últimos dois dias! — exigiu.

— Eu não acho que você queira os detalhes de como cozinhei minhas próprias refeições e assisti a uma porção de filmes e séries antigas durante os últimos dois dias — apontei fingindo diferença, desesperada por sair daquele assunto pela tangente.

— Você faz parecer tedioso.

— E foi.

— Mas quando a vi pela última vez, você estava indo almoçar com ninguém menos que Robert Blackwell — lembrou-me sugestivamente. — Você pode me dizer de que forma isso pode ser considerado tedioso?

— Chris — eu a chamei num suspiro cansado. — Não aconteceu nada extraordinário, eu asseguro. Nós apenas almoçamos e ele me deu uma carona até em casa. Fim.

— E por que você não me contou que foi ele o cara quem a atropelou? — insistiu.

Eu engoli em seco.

Por que Christine precisava ser assim, tão insistente? Por que ela se achava no direito de saber a respeito de tudo o que se passava na vida das pessoas?

— Eu não considerei isso como algo relevante, Chris — sussurrei para ela. — Além do mais, não faz diferença!

— Não faz diferença? — inquiriu incrédula. — Faz toda diferença, Linda! — objetou. — Ele é Robert Blackwell, um dos homens mais desejados do país!

Senti minhas bochechas corarem de vergonha. Se Christine soubesse do meu segredo... isso seria desastroso!

— Linda... — Christine chamou cautelosamente. — Você dormiu com ele?

— Oh, meu Deus! Mas é claro que não! — eu gritei enquanto meus olhos praticamente saltavam das órbitas, devido meu espanto. — Eu jamais faria algo assim!

— Mas deveria — falou como uma forma de reprimenda. — Escute aqui — prosseguiu levantando um dedo em riste para mim. — Se você não fizer, Linda... eu faço, ok? Sem nem pensar duas vezes!

Envergonhada, eu desviei meus olhos dos de Christine, sentindo minhas bochechas aquecerem-se ainda mais devido à vergonha.

— Estamos falando do nosso chefe, Chris — eu a lembrei. — Nós somos apenas subordinadas, e todos aqui sabem que Robert Blackwell não se envolve com o pessoal do staff!

Christine soltou uma gargalhada alta, chamando minha atenção para seus dentes clareados.

— Eu não sou qualquer uma do staff, Linda! Sei aproveitar minhas oportunidades! Se você o está dispensando, então a próxima senha a ser chamada será a minha, com toda certeza!

Meu coração se contorceu dentro do meu peito quando eu imaginei Robert e Christine conversando animadamente em algum lugar totalmente distinto do ambiente do escritório.

— Faça como achar melhor — murmurei tentando conter a dor no meu peito.

— E isso não vai atrapalhar em nada nossa amizade? Porque não é como se fosse gostasse dele, certo? — Christine insistiu.

Eu precisava responder. Precisava dizer a Christine que Robert era apenas meu chefe, nada além disso! Mas era mentira!

Mentira! Mentira! Mentira!

Ele era tudo o que eu sempre quis, tudo!

— Na verdade eu...

— Bom dia, senhoritas — uma voz potente cortou minha argumentação.

Meu coração bateu descompassado, e Christine já não estava mais tão interessada em mim.

— Senhor Blackwell — ela sorriu brilhantemente para ele. — Que milagre tê-lo por aqui!

— Como vai, Melinda? — Robert inquiriu com um sorriso encantador, ignorando o cumprimento de Christine e fixando seus olhos em mim. — Espero que você esteja se sentindo melhor depois de ter descansado.

— Eu me sinto muito bem, obrigada — murmurei debilmente, mas sem gaguejar, o que já era uma grande vitória.

— Fico feliz em saber, porque eu odiaria ter que ir almoçar sozinho! Você me acompanha, não é mesmo? — perguntou casualmente.

O quê?

Eu o encarei fixamente, esperando ter ouvido mal, mas seu olhar permaneceu sobre mim, enquanto eu tentava formular um enunciado coerente em minha cabeça.

— Bem... eu... não posso! — disse-lhe por fim.

— Por que não? — Robert franziu o cenho, aparentando irritação.

Por que não? — meu subconsciente inquiriu de forma irônica.

— Trabalho — respondi de súbito. — Passei quase três dias longe da empresa, eu preciso colocar tudo em dia!

— Você também precisa se alimentar — apontou. — E poderíamos fazer isso juntos, não?

— Senhor... — eu comecei, mas Robert me olhou acusadoramente, e eu mordi meu lábio inferior, lembrando-me de que eu me comprometera a tentar chamá-lo pelo primeiro nome. — Robert — disse por fim. — Não é uma boa ideia...

— É uma excelente ideia! — objetou com um sorriso malicioso. — Eu passo aqui ao meio-dia e meia... pontualmente!

Robert se virou e desapareceu pelo corredor, antes mesmo que eu pudesse pensar em algo para dizer. Christine estava ao meu lado nada satisfeita, mas aparentemente, percebeu que eu não estava em minha melhor forma para dar explicações.

***

— Você não vai tocar na sua comida? — Robert me questionou levando uma taça com vinho aos seus lábios.

— Vou, é claro — murmurei tocando meu purê de batatas com a ponta do garfo. — Eu só...

— Você só? — incentivou-me.

— Não sei o que estou fazendo aqui — confessei. — Quer dizer, o senhor... você é meu chefe! Eu não deveria...

— Ser tão dura consigo mesma! — completou por fim. — Você não está fazendo nada de mais, Melinda... apenas me ajudando a não morrer de tédio dentro do meu escritório — disse sorrindo levemente. — Eu aprecio esse gesto, de verdade!

— Eu não tive muitas escolhas — dei de ombros. — Você foi bem irredutível!

— Espero não tê-la assustado!

Eu neguei com um meneio de cabeça, me dando conta do quão lindo Robert consegue ficar com gestos casuais.

— Você não tem que fazer isso — murmurei no ímpeto, assustando a mim mesma ao me dar conta de tudo o que eu falaria. — O acidente... aquilo não foi nada! De verdade, eu...

— Isso não tem nada a ver com o acidente, Melinda! — Robert me interrompeu. — Tem a ver com você, comigo... com nós dois!

— Eu não estou entendendo — confessei.

— Você tem algo de que eu preciso, Melinda — Robert murmurou com seu olhar fixo no meu. Seus olhos estavam intensos, e eu não consegui olhar em outra direção.

— O que, exatamente? — inquiri.

Robert sorriu, e logo em seguida riu. Um riso encantador, que fez meu coração acelerar.

— Eu digo... se você me deixar levá-la para jantar, não sei... — ele pareceu ponderar. — Amanhã à noite?

Minha boca se abriu em um perfeito “O”, enquanto eu buscava algo para dizer.

Robert Blackwell, me convidando para jantar? Isso não era algo pelo que eu estava esperando pelos próximos mil anos!

— É melhor que você não me diga ‘não’ — ele murmurou divertido. — Eu não reajo bem a nenhum tipo de rejeição!

A expressão de Robert era séria, mas logo então ele começou a sorrir, levando-me junto com ele.

Eu estava completamente envolvida por ele.

Irremediavelmente envolvida por Robert Blackwell!

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