~ 06~
Melinda
Sábado! — a parte racional do meu cérebro gritou para mim acusadoramente.
Mas este não seria um sábado comum! Seria o sábado em que Robert Blackwell me levaria para jantar. Talvez apenas ele e eu. Sozinhos. Ou talvez ele levasse mais alguém, o que provavelmente seria uma situação bem mais fácil de lidar.
Ou talvez não!
Eu ainda não conseguia acreditar em tudo o que estava acontecendo!
Na última semana, minha vida foi mais movimentada do que jamais fora, e isso não me deixava processar as coisas muito bem.
Talvez não tenha sido uma boa ideia aceitar esse convite. Mas que outra opção eu tinha, afinal?
“Eu não reajo bem a nenhum tipo de rejeição!”... — suas palavras ecoaram por meus pensamentos.
E eu não sei lidar com a sensação de que meus pensamentos são uma bagunça quando estou perto dele! Isso é tão surreal!
O homem por quem fui apaixonada desde os meus dezessete anos, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, agora estava me levando para jantar! Mas isso não me parecia certo, porque ele era meu chefe! Mas de que outra forma eu poderia conhecê-lo?
Humph! — Eu bufei cansada, jogando-me sobre a cama outra vez, mais do que feliz por ter tido folga do trabalho justamente naquele sábado, em específico, porque eu jamais saberia como agir na frente de Robert se nos encontrássemos na empresa casualmente.
De fato, o problema era que eu ainda não conseguia acreditar que, dentre todas as pessoas do mundo, Robert tenha procurado justamente a mim para fazer-lhe companhia durante o almoço. Pela segunda vez!
Contudo, havia uma pessoa que estava ainda mais perplexa com toda essa estória: Christine! Ao me lembrar de sua expressão desnorteada quando voltei ao escritório ontem, depois do almoço, foi impossível não sorrir!
— Agora é oficial! — ela ditou nada contente! — Você tem mesmo que me dizer o que está acontecendo entre você e Robert Blackwell!
— Não está acontecendo nada, Chris! — assegurei enquanto religava o computar à minha frente.
— Você está subestimando o meu poder de percepção, Linda! — irritou-se. — Quer dizer... você o chamou pelo primeiro nome, sem o menor remorso, e ele nem mesmo pareceu se importar! Ele veio checar como você estava e, de quebra, ainda a convida para um almoço. Depois de tudo o que eu vi aqui, você vai continuar com a mentirinha estúpida de que não dormiu com ele?
— Mas eu não dormi! — defendi-me indignada. Céus! Por que ela não poderia simplesmente acreditar em mim e acabar com tudo isso de uma vez? Simplesmente ‘deixar para lá’ me parecia bom! — Você sabe que eu sou... — a palavra ficou presa em minha garganta, e eu suspirei cansada. — Eu não fiz nada, juro! Não dormi com ele.
— Você está bem perto, então não faz muita diferença! — acusou-me. — Linda, eu não nasci ontem, ok? Homens como Robert Blackwell não bajulam uma mulher por nada.
— Ele não está me bajulando — protestei. — Se quer mesmo saber, ele não foi nada amável no dia em que me atropelou.
— No entanto prestou socorro e a levou em casa — ela me lembrou. — Isso é uma vertente para sua tão estimada amabilidade! — disse com desdém.
— Christine — eu a chamei num suspiro cansado. — Pense bem... Robert é um homem bonito, rico, elegante e bem educado. Ele pode ter qualquer mulher que deseje a seus pés, por que ele perderia tempo comigo? Com alguém de seu próprio staff?
— Por favor, Linda, sem autopiedade, me poupe! — Christine me disse em sua forma mais sarcástica. — Sejamos realistas, ok? — falou arqueando uma de suas sobrancelhas tingidas de vermelho. — Você não é nada mal!... Tudo bem que, não se cuida como deveria, mas e daí? Homens como Robert Blackwell veem um pouco mais além! Ele pode transformá-la em uma boneca bem vestida e maquiada antes de desfrutar dos prazeres sexuais! — ela deu de ombros.
— Christine! — eu a repreendi, espantada. — Isso não é verdade! Ele... eu...
— Vamos lá, Linda — interrompeu-me. — Vai me dizer agora que, vocês dois nunca trocaram alguns beijos sôfregos dentro daquela bela Mercedes?
— Claro que não! — apressei-me em me dizer. — Eu não sou assim!
— Então eu aconselho que você mude, e bem depressa! — falou calmamente. — Pode até ser que sua estratégia de bancar a difícil esteja funcionando, mas em algum momento ele vai se cansar! Portanto, aproveite enquanto pode, afinal, agora que eu sei que o “irresistivelmente sexy senhor Blackwell” não mais se importa em ter algum envolvimento com seu staff, pretendo buscar minha chance de me instalar na cama dele assim que você se levantar dela e ele der a ordem para que troquem os lençóis!
Christine sorriu para mim, e um nó formou-se em minha garganta, impedindo-me de dizer qualquer coisa que fosse.
Era impressionante como ela conseguia esse feito: deixar-me sem saber o que dizer, porque estava constrangida demais com suas palavras.
De volta ao presente, sacudi minha cabeça para espantar os maus pensamentos.
Christine estava errada, ela tinha que estar!
Robert não estava interessado apenas em me levar para cama! Eu tinha algo que ele precisava, só não sabia o que era!
Mas essa noite eu descobriria, porque essa era a única coisa realmente importante naquele momento. O único motivo para que eu aceitasse jantar com Robert.
Meus sentimentos não tinham absolutamente nada a ver com isso. Não era possível! A vida não poderia ser tão caprichosa assim, poderia?
***
— O que você acha do Uruguai? Pode ser um bom lugar para começar nossa busca, você não acha? — Javier González inquiriu enquanto nós permanecíamos sentados bebericando café com leite, enquanto sua avó, Eva González, tirava alguns biscoitos do forno.
— Eu nunca fui ao Uruguai — comentei distraidamente.
— Você nunca foi a lugar algum, Linda! — Javier zombou com um sorriso cínico, fazendo com que eu sorrisse também.
O fato é que Javier era um excelente amigo, e sua avó era uma pessoa adorável.
Nós nos conhecemos há pouco mais de três anos, quando eles se mudaram para um apartamento ao lado do meu e eu me ofereci para ajudá-los com a limpeza. Ao colocar seus olhos negros sobre mim, a senhora Gonzáles — abuelita — como Javier costumava chamá-la, ficou encantada por pensar que acabara de fazer amizade com a integrante de uma grande e feliz família latina.
Obviamente esse equívoco foi corrigido quando eu lhe contei minha estória e, ao invés de simplesmente me dar as costas, ela se mostrou simpática e atenciosa como mais ninguém jamais foi. Ela era pequena, com quase setenta anos, cabelos negros que estavam ficando esbranquiçados em alguns lugares e, incrivelmente, seu coração conseguia ser maior que seus quadris, o que realmente era algo pouco provável.
Já Javier, bom, ele não era nada parecido com nenhum dos caras que eu costumava ver no colégio, na faculdade, ou mesmo no trabalho. Ao auge de seus vinte e seis anos, ele era alto, mas nem tanto. Um metro e setenta e sete, talvez, não mais que isso. Seus cabelos negros caíam lisos por seu pescoço, e seus olhos pareciam duas poças de piche. Seu sorriso era acolhedor e, ele sempre me fazia sorrir, também.
Eu me pergunto como ele conseguiu manter um sorriso no rosto mesmo após a morte de seus pais, mas ao olhar para Eva adentrando a sala estreita com uma fornada de biscoitos, a resposta me parece um pouco óbvia: Javier não estava sozinho. Sua avó e ele se amavam e, deixaram a tristeza para trás, procurando um novo lugar para viver e reconstruir suas vidas.
— Dios mio, Uruguai está fora de cogitação, Javier! — Eva decidiu com seu acentuado sotaque. — Será que seus olhos não funcionam, chico?
— Claro que sim, abuelita... eu posso perceber que Linda é latina, mas a América Latina é realmente bem grande! — Javier se defendeu num inglês perfeito.
— A América Latina é bem grande, sim, mas... por Dios, Javier! Olhe bem para os quadris dessa chica! Ela só pode ter ascendência colombiana ou brasileira!
Meus olhos se arregalaram, e Javier gargalhou diante minha expressão desconcertada.
— Não é educado reparar nos quadris alheios, abuelita — Javier ralhou falsamente. — Linda pode ficar constrangida. Eu nunca a vi tão corada em toda a vida!
— De fato, essa situação é bem inusitada — concordei num sorriso nervoso.
— Você não precisa se envergonhar, corazón! É uma dádiva ter quadris como os seus! Mulheres de verdade precisam ter quadris largos, para o momento do parto!
Minha boca se abriu, em choque, mas quando olhei para Javier, para a forma como ele tentava a todo custo segurar sua risada, falhando miseravelmente logo em seguida, eu me permiti ser levada por sua onda de divertimento.
— Obrigada... eu acho! — murmurei enquanto a senhora González colocava os biscoitos que havia trago sobre a mesa de centro. Ela sacudia a cabeça de um lado para o outro, como se estivesse reprovando a Javier e a mim por tomarmos como brincadeira algo que ela considerava tão sério.
— Eu estou falando a sério! — advertiu-nos. — Você acha que uma mulher com quadris estreitos pode dar à luz a um filho saudável? — eu abri minha boca para responder, mas Eva foi mais rápida. — Por supuesto que no!
— Tudo bem, abuelita, nós já entendemos! — Javier interveio. — Eu sei que é difícil, mas... será que nós poderíamos dar atenção a outra coisa que não seja os quadris da Linda?
Eu soltei um sorriso descrente, amaldiçoando Javier mentalmente por sua falta de tato. Por que ele tinha que ficar dizendo essas coisas?
Eva apenas deu de ombros, aparentemente esquecendo o assunto e dando a Javier a oportunidade de abordar um tema não tão constrangedor para mim.
— O que vocês acham de eu levar minhas duas latinas favoritas para jantar essa noite? — Javier inquiriu num sorriso divertido. — Nós poderíamos ir a um bom restaurante mexicano!
— Nós ainda não temos certeza sobre minha ascendência latina! — eu o lembrei.
— Linda, não me faça falar sobre seus quadris de novo! — ameaçou com um sorriso travesso nos lábios.
Senti as maçãs do meu rosto esquentarem ainda mais, enquanto eu me empenhava em fingir naturalidade.
— Eu estou muito cansada, Javier... mas não me importo se você e Linda quiserem ir — Eva murmurou.
— E então? — Javier inquiriu pousando seus olhos negros sobre mim.
Minha boca se abriu com a surpresa, e eu não soube o que falar de imediato. Como que percebendo meu embaraço, Javier arqueou uma sobrancelha, claramente interessado em obter uma resposta.
— Bom... eu... já fiz planos — dei de ombros, tentando aparentar uma indiferença que, definitivamente, não existia.
— Planos? — Javier testou confuso. — Como assim, planos?
— Ora... planos! — insisti meio desnorteada. — Planos são planos, Javier! E... eu preciso ir para casa! — anunciei enquanto me levantava.
— Mas você nem mesmo tocou nos biscoitos, nena — a senhora González protestou.
— Eu volto amanhã — prometi sorrindo-lhe afavelmente, desesperada para sair dali e me refugiar em meu apartamento, onde eu não precisaria dar explicações e muito menos responder a interrogatórios. — Só não deixe que Javier coma todos os biscoitos.
— Nós sabemos que ele seria capaz! — ela sorriu.
— Sem sombra de dúvidas! — concordei despedindo-me dela com um beijo na bochecha, para logo depois socar o ombro de Javier, num gesto que poderia ser interpretado como “até logo”.
Enquanto saía do apartamento de Javier, ainda pude escutar quando sua avó lhe segredou algo como:
— Com esses quadris, ela só pode ser brasileira!
Não resistindo ao impulso, eu lancei uma olhadela em direção aos meus quadris.
Bom, eles eram largos, sim, mas... por que os González tinham que dar tanta atenção a isso?
Com um suspiro cansado, adentrei meu apartamento, escutando o toque insistente do meu telefone celular.
Corri para atendê-lo e, quando olhei o visor, constava que a chamada vinha de um número desconhecido.
— Alô? — atendi polidamente.
— Finalmente! — a palavra soou num suspiro cansado e impaciente. — Eu achei que você fosse me evitar para sempre!
— Ro... Robert? — eu testei aturdida.
Não, não, não! Isso não poderia ser verdade, poderia? Quer dizer... como, quando, por quê?
— Humm... então você reconhece minha voz! — murmurou aparentemente para si mesmo.
Eu congelei.
O que eu diria, agora?... Quer dizer: Robert Blackwell estava ao telefone, e agora eu me sentia uma adolescente imatura. Sem saber o que dizer, o que fazer, sem saber nem mesmo como respirar normalmente!
— Melinda? — a voz de Robert me chamou através do telefone. — Você ainda está aí?... Está tudo bem?
— Sim... — sussurrei debilmente. — Para as duas perguntas — prossegui.
— Você tem certeza? — testou.
— Tenho, claro... está tudo ótimo! — Oh, meu Deus! Isso era uma mentira?
— Não é o que parece — insistiu.
— Eu só estou um pouco... — torci os lábios em busca de uma palavra adequada. — Atordoada? — isso foi uma pergunta, Linda! Mas funcionava, de qualquer modo. — Não é todo dia que um de meus superiores misteriosamente consegue o número do meu telefone e decide me ligar! — eu dei de ombros, fingindo indiferença.
Ele não pode vê-la, Linda! — meu subconsciente zombou.
— Acontece que eu não estou ligando como um de seus superiores — observou.
— Não?
— Não — disse-me calmamente. — Esqueça Robert Blackwell. Quem está ligando é apenas Robert, ok?
— O cara que me atropelou, suponho.
— O cara que quer muito levá-la para jantar, e está ligando para saber a que horas posso apanhá-la no seu apartamento! — corrigiu.
Meu coração pareceu saltar do meu peito, indo diretamente para minha garganta.
Eu não poderia emudecer! Não nesse exato momento.
— Talvez... talvez essa não seja mesmo uma boa ideia — murmurei.
— Nós já tivemos essa conversa antes — Robert me lembrou impacientemente.
— Mas eu não expus meus motivos! — retorqui.
— Que são... — instigou.
— Eu não me sentiria à vontade indo jantar em um dos restaurantes que você frequenta! Não dá!
— Esse é o único problema?
Não!
— S-sim... — murmurei em resposta.
— Então, você escolhe o lugar!
Oi?
— Como assim ‘você escolhe o lugar’?
— Exatamente o que você ouviu! Apenas me diga a que horas eu devo passar no seu apartamento, e estarei aí, pontualmente.
Eu ponderei por um momento, afinal, era apenas um jantar. Num lugar que eu mesma escolheria!
— Encontre-me...
— Não — Robert me interrompeu com sua voz grave e altiva. — Eu irei buscá-la, então, apenas me diga o horário.
Suspirei, cansada demais para lutar.
— Que tal às oito?
— Às oito, então — concordou rapidamente. — Só mais uma coisa... o que eu devo vestir?
— Jeans está perfeito — articulei rapidamente. — Se você não se importar de usá-los, obviamente...
— Eu não me importo — garantiu-me com um sorriso em sua voz. — Mas esta noite estaria disposto a usar, ainda que eu me importasse.
Um sorriso bobo apareceu em meus lábios de forma involuntária.
Eu não pude detê-lo.
Jamais poderia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentem e façam uma Autora Feliz!!!