domingo, 8 de março de 2015

ELS - Cap 17

Capítulo 17 – Revoluções

A revolution has begun today for me inside
The ultimate defense is to pretend
Revolve around yourself just like an ordinary man
The only other option to forget
(…)
Does it feel like we've never been alive?
Does it seem like it's only just begun?
Does it feel like we've never been alive inside?
Does it seem like it's only just begun?
It's only just begun

The evolution is coming!
A revolution has begun!
(R-Evolve – 30 Seconds to Mars)


Assim que piso no salão do On The Rocks, os rapazes que instalam os equipamentos de som começam a gritar meu nome com uma entonação falsamente aborrecida, batendo enfaticamente nos relógios de pulso para zombar do meu atraso. João e Matheus não são funcionários regulares do bar, trabalham apenas quando temos algum show. No resto do tempo, sua tarefa é apenas manter os telões e o sistema de áudio funcionando bem. Mesmo assim eles foram convidados a estar aqui hoje e, ainda que já tivessem deixado claro que ficariam de qualquer maneira, eles aceitaram vir. Se me perguntarem por que, eu diria que nenhum dos dois perderia uma oportunidade de estar ao lado de Paty.
E lá está ela, dividindo a mesa com os dois, mas depois que eles se levantam para me cumprimentar, ela se levanta também, as mãos na cintura e sua melhor expressão de você-já-foi-melhor-do-que-isso estampada no rosto. Quando vou cumprimentá-la, reparo em Samuel e Lara sentados juntos em uma mesa de canto, ambos me olhando com uma cara furiosa e, antes que Paty tenha a oportunidade de dizer qualquer coisa, Lara se antecipa e me alfineta:
— Está com a vida ganha, princesa?
O rosto de Paty se retorce em uma carranca e eu quase posso ver a raiva instantânea que emana de seu corpo, as ondas de energia vermelha que Lara desperta nela brotando como flores na primavera.  Seguro seu pulso para pedir a ela que não diga nada, que não me defenda, porque, embora ela não dê a mínima para a presença de Samuel, ou ele para as discussões entre elas, sei que Eric entrará logo e não quero que ele encontre Paty brigando. Quero ficar aqui e quero que minha amiga esteja ao meu lado.
— Desculpe, Samuel — digo ao me aproximar dos dois. Opto por ignorar Lara completamente e me dirigir somente a ele. — Você sabe que não é do meu feitio me atrasar, mas hoje eu realmente acabei pegando no sono e perdendo a hora. Prometo que não vai acontecer de novo.
O rosto de Samuel se suaviza imediatamente, o que é impossível não notar, porque ele é um daqueles homens de aparência dura e expressão quase sempre zangada. Ele é alto e grande, não corpulento, mas forte o suficiente, e tem um rosto quadrado que seus cabelos loiros e compridos parecem destacar. Uma barba de um tom mais escuro cobre seu maxilar largo e o queixo meio curto que lhe dá um aspecto ainda mais leonino. Mas ele tem um sorriso bonito, largo como o do gato da Alice. Pena que quase não sorri.
— Eu sei, Clara. Você não é mesmo de se atrasar. E eu também sei que vocês aceitarem estar aqui antes de seu horário de trabalho é uma cortesia. — Lara parece irritada com o fato de ele ter se acalmado tão rapidamente, e mais ainda por ter sido excluída da conversa, mas ele continua sem se importar com as lufadas de ar que ela solta para expressar seu aborrecimento. — O problema é que isso depõe contra os funcionários e contra a minha administração, e eu agora também sou funcionário dele.
Samuel já tinha nos dito que continuaria trabalhando aqui como gerente, parte do seu sermão de convencimento de que tudo ficaria igual era antes – a não ser para ele – e que deveríamos ficar. Meu ex-chefe não era exatamente uma pessoa agradável na maioria do tempo, mas eu podia ver que ele se esforçava para ser legal comigo e, de qualquer jeito, eu estava feliz que, apesar de ter perdido o bar, as coisas não estivessem tão ruins para ele.
— Tem razão. Desculpe mais uma vez, Samuel.
— Você tem sorte que o Morgan tinha uns negócios para resolver e também se atrasou.
— Morgan!? Que nome esquisito é esse? De onde ele é? — pergunta Paty, já recomposta de sua “Fúria AntiLara”.
— Daqui mesmo – responde Samuel. — A mãe é irlandesa ou algo assim e ele tem dupla cidadania. Vive entre aqui e lá, mas é brasileiro.
— Ai, que alívio, filho! — diz D. Maria, a senhora que trabalha na cozinha. Ela está com seu ajudante, Jefferson, na mesa em frente à de Samuel e escuta a conversa com ar apreensivo. — Eu já estava aqui preocupada de não entender nada que esse homem falasse!
— Pode ficar tranquila quanto a isso — Samuel responde.
— E por que foi que ele resolveu se estabelecer aqui, afinal? — insiste Paty, aparentemente ligada no modo “obtenção de informação”. Não que eu também não estivesse curiosa.
— E como é que eu vou saber, Patrícia? — esbraveja Samuel, cansado da conversa.
— Bem, como vocês são amiguinhos...
— Eu não sou amigo dele! — ele responde, parecendo absolutamente furioso.
Nossa, o que foi isso?
— Aham, estou vendo — responde Paty sem se abalar. — Não sei por quê. Ele deve ser um cara legal, pelo visto. Do tipo que deve estar fugindo de algum irlandês “simpático” em quem deu o calote.
— Legal mesmo seria se ele entrasse agora e te escutasse falando assim — provoca Lara.
E como se lhe tivesse sido dada a deixa, ouvimos a porta dos fundos sendo fechada com estardalhaço. Ainda ouço Paty murmurar uma ameaça a Lara, mas não dou atenção. Meus olhos estão voltados para a porta por onde ele entra em seguida.
E lá está. Minha canção. Faz pouco menos de dez minutos e é como se fosse a primeira vez tudo de novo.
— Boa noite a todos — ele diz, e eu me pergunto se é possível um dia me cansar de ouvir essa voz.
A ala feminina do On the Rocks está momentaneamente muda. Até mesmo D. Maria, que tem sempre aquele ar de quem não se impressiona com nada, parece encantada. Acho que, independentemente de minha própria fascinação por ele, Eric é uma presença difícil de ser ignorada, como podem atestar os queixos de Paty e Lara sendo recolhidos do chão.
Samuel só revira os olhos para a cena e se levanta para ir em direção a Eric. No caminho, ele esbarra de leve em meu ombro e posso sentir uma energia estranha vindo dele. Não preciso ser muito esperta para saber por quê. É claro que ele não gosta da situação em que está e, claramente, não gosta do homem que veio aqui tomar o seu lugar. Mesmo assim, no instante seguinte, ele veste sua expressão amistosa e começa as apresentações.
— Bem, pessoal, esse é Eric Morgan, novo dono do bar. Eric, esses são seus funcionários.
Samuel segue dizendo os nomes e funções de cada um de nós, e depois que João e Matheus se levantam para cumprimentar o recém chegado com um aperto de mão cordial, todos fazem o mesmo. Eric parece incomodado com alguma coisa, mas eu não sei dizer o que é. Por alguma razão desconhecida não consigo captar nenhuma energia vinda dele.
Não é como se eu visse auras ou pudesse ler os pensamentos das pessoas, mas eu sinto seu humor geral, às vezes até mesmo alguma intenção mais forte, mas não com Eric. Ele me cega. Quer dizer, não completamente, mas é como se eu precisasse de óculos grossos para ler suas letras miúdas. Talvez tenha alguma coisa a ver com este enlevo que sinto quando estou perto dele, com a minha incapacidade de ser indiferente à sua presença. Quando sentimentos humanos me tomam, costumam nublar meu outro lado.
Eric é cavalheiro o suficiente para fingir que não nos conhecemos e eu, claro, faço seu jogo. Mesmo quando Paty vem nos “lembrar” que nós já tínhamos nos visto na outra noite em que ele esteve aqui, nós dois fingimos estar percebendo isso apenas naquele momento. É uma besteira, na verdade, mas isso só me faz ficar mais grata à sutileza dele, já que Paty teria começado um interrogatório interminável sobre nosso encontro lá fora e eu não quero que ela, com sua perspicácia irritante, perceba o efeito que ele tem sobre mim. Não quando nem eu mesma entendo ainda.
E quando é que você entende alguma coisa ultimamente?
Nós todos nos sentamos uns minutos para que as pessoas possam tirar suas dúvidas, e tanto Eric quanto Samuel nos asseguram mais uma vez que tudo continuará funcionando normalmente, com exceção de pequenas alterações, como a contratação de mais uma ajudante para D. Maria aos fins de semana, assim ela e Jefferson podem tirar um sábado ou uma sexta de folga com mais frequência.
O bar não abre às segundas-feiras, o que significa que todos nós temos um dia por semana para descansar. Fora isso, nós que somos funcionários regulares temos mais um dia de folga, de acordo com o que combinarmos previamente. Lara cobre duas folgas por semana, uma minha e outra da Paty, e D. Maria e Jefferson se revezam para a cozinha nunca ficar sem ninguém. Entretanto, as folgas em fim de semana são complicadas, porque são dias de muito movimento. Mesmo assim, combinamos uma nova escala com Lara para que as folgas de fins de semana sejam mais frequentes para nós também.
Paty pergunta sobre a segurança do estacionamento e Eric diz que vai atender ao pedido de uma nova iluminação, mas não vê necessidade de um segurança só para isso, há apenas uma equipe terceirizada que fica aqui dentro nos dias de show, mas no resto do tempo esse não é, segundo ele, o tipo de lugar que precisa de vigilância num estacionamento para poucos carros.
— Eu diria que uma tentativa de estupro desmente isso! — ela retruca.
— Tentativa de estupro? — pergunta Eric, inclinando um pouco a cabeça, claramente confuso.
Apesar de eu não querer tocar no assunto e ter certeza, por razões que não poderia comentar com ela, que meu agressor misterioso tinha outros planos, Paty me estimula a contar toda a história do ataque, acrescentando seus próprios contornos de filme de terror à narrativa.
— Ok — ele responde cuidadosamente, seus olhos contendo uma estranha seriedade impossível de desvendar. — Acho que devemos ficar gratos que nada de muito grave aconteceu, mas daqui para frente vocês não ficarão mais sozinhas para fechar o bar. Samuel e eu vamos nos revezar para sermos os últimos a sair, assim podemos acompanhá-las na saída. E vamos reforçar a iluminação o quanto antes.
— Tudo bem, acho que está bom assim — Paty responde.
O impasse está resolvido de um jeito que, para mim, parece satisfatório. Não deixo de notar, no entanto, pelo jeito como Eric olha para ela com desinteresse, sem dar a menor atenção à resposta, que ele não está realmente interessado em saber se os outros aprovam ou não sua decisão. Ele a tomou em um segundo e a anunciou simplesmente, sem um único pestanejar, como se estivesse acostumado a não ser questionado.
A conversa continua sobre pequenas coisas, a maior parte das quais não me interessa, mas eu ouço cada palavra, bebendo a imagem e a voz dele, os gestos... Tudo. Porque aparentemente não tenho saída. Estar ao lado dele me faz sentir como se eu estivesse em mar aberto e não pudesse olhar para outro lugar, a não ser para a imensidão azul de seus olhos de oceano.
Ah, os olhos. Eu mencionei que ele tem olhos tão azuis que mal parecem reais? Quando ele olha para mim é como se me prendesse, como se me obrigasse a mergulhar nesse mar de águas escuras e profundas. E eu não tenho para onde ir, tudo o que posso fazer é lutar para manter a cabeça fora d’água. Exceto que não quero. Não quero respirar. Quero estar mergulhada nele, em seus olhos, em sua beleza.
Nunca me importei com essas coisas e sempre olhei para as pessoas como quem olha para flores, cada uma bonita à sua maneira, criaturas divinas que devem ser apreciadas pelo que têm de único tanto quanto pelo que têm de semelhante. Mas nenhuma dessas criaturas divinas jamais fez meu coração bater com tanta força somente por poder apreciá-las exteriormente.  
Com Eric tudo é diferente. Tudo é tão... novo!
Eu simplesmente não me canso de apreender cada detalhe a respeito de sua aparência: a testa larga, o queixo bem definido, a curva arrogante do nariz, os lábios finos que lembram a metade superior de um coração, os grandes olhos redondos que parecem ainda mais intensos sob as sobrancelhas grossas... Cada linha desse desenho intrincado que ele é me encanta. Até mesmo as coisas que me fazem lembrar que ele não é perfeito: as pequenas veias sob a pele excessivamente pálida de seus olhos, o jeito como ele às vezes mexe sutilmente o maxilar de um lado para o outro enquanto fala, ou como é capaz de ficar tão imperturbavelmente imóvel que poderia ser confundido com uma estátua.
 Passo e repasso tudo isso em minha mente como se ele fosse um poema que eu quisesse decorar. E quanto mais eu olho, mais desejo ser capaz de olhá-lo por dentro. Quero saber como ele é, o que sente... Eu quero saber. Quero saber tudo.
Tudo bem, eu mal o conheço, sei o quanto parece infantil e prematuro me sentir assim, mas não posso evitar. E desta vez, diferente do que aconteceu com Teo, as coisas não me parecem tão confusas e difíceis de entender. Não sou tão tola a ponto de ignorar os sinais, é só que tenho medo deles.
O mundo não é para mim como é para o resto das pessoas, e as sensações que tenho tido desde aquele dia em que o conheci, quando ele ainda era apenas um estranho que eu não sabia se veria novamente, não têm nada de normal para mim. Eu nunca, nunca fiquei tão impressionada com uma pessoa, especialmente sem razão nenhuma.  Senti algo parecido com Teo, todo este deslumbramento e este encanto cego, mas agora sei que é porque meu coração o reconhecia e, de algum jeito, sabia o quanto ele era importante para mim. Mas, novamente, com Eric é tudo tão incomum!
Tenho sonhado com ele, tenho imaginado uma vida diferente. Oh, Deus! Eu cheguei a desejar ser uma pessoa diferente. Alguém que pudesse se encantar por um homem sem ter nada a abrir mão por isso. Alguém que pudesse sonhar com coisas que nunca fizeram parte de meus desejos.
É tudo tão estranho! Quer dizer, eu li um milhão de vezes sobre isso, entendo os sentimentos. Além do mais, vivo no mundo real, vejo a vida acontecendo ao meu redor a todo instante. Mas entender os sentimentos e reconhecê-los são coisas distintas, especialmente quando nunca se experimentou nada assim antes.
Há uma parte enorme de mim que quer negar que eu esteja sentindo qualquer coisa de diferente. É assustador demais para assumir. Você pode achar que sou uma tola, mas para mim não há nada de normal em sentir meu estômago se encher de borboletas por causa de um homem, ainda mais por um que mal conheço.
Ser quem eu sou sempre significou que a maioria dos meus sentimentos tem a ver com compaixão e empatia. Então isso, seja lá o que isso for, é totalmente novo para mim. Humano demais. Diferente demais.
Eu sei o que é o amor. O amor calmo e devoto que tive e tenho por meus pais, por Marina, por Caio, por Alberto e até por Paty. Eu conheço esse sentimento muito bem. Mas a voracidade egoísta das paixões humanas é algo de que eu apenas tinha ouvido falar.
Deus do céu! A mulher já está falando em amor e paixões humanas! Quem você pensa que é? Uma personagem de literatura Young Adult?
Ok, talvez eu devesse mesmo ir com mais calma. Posso estar exagerando. Tudo bem, estou dolorosamente desperta para essas sensações agora. E estou ciente dos efeitos da presença de um homem bonito como Eric sobre uma mulher normal. Ele é um homem atraente, eu sou uma mulher, sou humana — ou quase — portanto, posso estar suscetível aos seus encantos. É normal, como diria Paty. Não quer dizer nada.
Certo?
— Qual é a desse sorriso bobo? — uma voz conhecida me desperta de meus devaneios. A estas alturas já estamos em pleno expediente. Sorte que hoje, quarta-feira, não é um dia de muito movimento.
— Ahn!? Ah, oi, Paty. Sorriso? Que sorriso?
— Esse aí que está estampado na sua cara desde que o cara novo entrou pela porta.
Oh-oh! Você não podia ter disfarçado um pouco melhor?
— Nada a ver. Nem estou sorrindo... Estou? Eu nem percebi.
Apresento-lhes a Mestre dos Disfarces.
— Ou isso ou você está querendo que o chefinho novo conte quantos dentes você tem na boca. Mas tudo bem, vai. Eu admito. Ele é bem bonito. Não é meu tipo, mas parece que é o seu.
— Não. Eu não tenho um tipo.
Penso em negar que ele me impressiona, tento inventar alguma maneira de fazê-la acreditar que sou indiferente a ele, mas sei que esse é um projeto natimorto. Ao que parece, está tudo estampado em minha cara e Paty sabe ler muito bem. Então resolvo usar esta conversa para comprovar a teoria de que, como mulher, minha reação a um cara que seria... bem... “meu tipo” é perfeitamente normal e não tem nada de mais nisso.
— Tudo bem — admito. — Acho que ele é meu tipo.
— Até que enfim! Achei que você ia fazer a linha nenhum-homem-me-abala pro resto da vida. Mas, vem cá, você não está pensando em investir nisso, né? Porque, tipo, ele parece legal e tudo, mas vindo de onde veio, dos antros que o Samuel frequenta, eu tenho certeza de que esse aí é chave de cadeia. Além do mais, é nosso chefe e você não está tentando ser a próxima Lara. Vai por mim.
— Não, claro que não. Eu só... Ahn...
— Só o que?
— Ele é bonito mesmo, não é? Do tipo que as outras mulheres também achariam?
— Mas que pergunta estranha é essa, Clara? Às vezes você é tão esquisita! — Paty ri de mim e eu rio com ela, mas meu sorriso diminui quando ela, sem querer, desmascara minhas verdadeiras intenções. — Parece até que você quer saber se é normal ficar babando no cara!
— Não. É que eu...
— Relaxa, Branquinha! Não precisa explicar, eu já estou acostumada com as suas doidices. Então vou morder esta isca só porque estou gostando de ver você admitir que ficou balançada. Essa sua pose de certinha que não liga pra ninguém é bonitinha até, mas faz eu me sentir anormal por reparar nos caras. Então vamos lá: eu, particularmente, gosto dos meus homens com passados menos obscuros e com um pouco mais de sustança, mas não há como negar que o chefinho é bonito. E se você quiser saber se as outras mulheres também acham é só olhar em volta.
“Viu só? Normal. Ele é um homem atraente e eu sou uma mulher que sente o mesmo que as outras!”, penso triunfante, mas então algo novo aparece. Pelo jeito, este é o Dia Nacional das Novidades e Surpresas. Legal, podemos instituir um feriado. Logo depois de eu decidir se gosto ou não que as outras mulheres sintam o mesmo que eu a respeito de Eric.
Olho ao redor e meu olhar para em uma mesa cheia de moças. Elas soltam risadinhas estridentes enquanto olham para Eric que, alheio a tudo isso, prepara um drinque que estende sobre o balcão enquanto faz um gesto com os dedos para me chamar.
— Falando em gente que faz meu tipo — diz Paty —, você já resolveu as coisas com o Teo?
— Sim. Almocei com ele hoje.
— E?
— E aí que eu disse a ele que seremos só amigos.
— E como ele reagiu?
— Ele aceitou bem. — Mas é claro que isso é só uma meia-verdade, não pretendo contar a Paty que ele me disse que não desistiria. Esse é um “problema” no qual tenho que pensar melhor mais tarde.
— Que bom — ela diz, e tenho a nítida impressão de que seu rosto se ilumina. — Agora vai lá ver o que o seu chefinho quer.
Apresso-me a cruzar o salão para ir ao encontro de Eric, que já está ocupado com o próximo drinque.
— Não sabia que você era bartender — digo.
— Bem, Luz, há um monte de coisas que você não sabe a meu respeito — ele responde, dando um sorrisinho provocador. — Digamos que esse não é o primeiro bar em que eu passo meu tempo. Acho que se minha adorável mãe não tivesse se enroscado com um brasileiro e vindo para cá, eu teria nascido dentro de um pub. — Há algo de amargo na maneira como ele fala, uma nota estranha de cinismo que desaparece rápido o suficiente, mas eu percebo. Só não consigo entender.
— Esses drinques não estão no cardápio — observo quando reparo na mistura inusitada que não tem nada a ver com as cervejas que nossos clientes costumam pedir.
— De fato. Talvez eu faça umas mudanças e acrescente algumas coisas novas – ele responde, estendendo o segundo drinque para mim. — Esses foram pedidos especiais da mesa seis. Leve até lá, por favor.
É a mesa onde estão as moças e, por algum motivo, eu gostaria muito de não ter que ir lá, mas afasto esse pensamento bobo de minha mente, coloco as bebidas sobre minha bandeja e me dirijo até elas.
Eric não presta dois segundos de atenção aos olhares insistentes que elas lhe dirigem, mas eu não tenho o mesmo desdém. A maneira como elas olham para mim faz com que eu me sinta pequena, insignificante.
“Um pedido especial”. As palavras dele ecoam em minha mente pelo resto da noite. Aquela era minha mesa e não fui eu que anotei aqueles pedidos, então eles conversaram. E elas fizeram um pedido especial.
Sinto-me estúpida, com raiva, magoada e estúpida de novo. E eu não sei por quê. E a droga do mundo está girando rápido demais. E eu estou chamando o mundo de “droga”.
Huh.
Quando Eric me acompanha até o carro na hora de ir embora, eu continuo pensando nisso. Em como em um só dia meus sentimentos deram mais cambalhotas que uma pequena ginasta russa. As últimas horas pesam sobre mim como meses, anos até, e eu tenho dificuldade em aceitar a ideia de que quando acordei hoje Caio era apenas Teo e Eric era apenas um sonho. Mas agora estou aqui, com meu “filho” de volta em minha vida, minha doce Marina mais perto do que nunca... e Eric. Não que eu saiba o que essa última parte realmente significa.
Rápido demais. Tudo está indo rápido demais. Meu pobre coração nunca tinha visto tanta ação em todos os seus anos.
É o seu equivalente a um dia na vida de Jack Bauer, diz minha mente brincalhona, lembrando da série[1] de TV que acompanhava 24 horas na vida de um agente norte-americano. Bom que pelo menos um lado meu ainda está disposto a fazer piada.
— E então, como me saí? — Eric pergunta. E eu sei que ele está falando sobre o pessoal do bar, o trabalho e tudo o mais, mas o que sai de minha boca me dá vontade de bater a cabeça na parede.
— Você se sai bem com as mulheres.
O quê!? Mas que diabos você está fazendo?
Eric olha para mim com os olhos apertados e inclina a cabeça me analisando com o semblante confuso, mas no instante seguinte parece estar se divertindo.
— Eu me saio bem com você?
Viu? Eu tentei avisar! Você devia ter antecipado essa.
— Desculpe. — Subitamente, eu caio na real e tento me recompor, esperando que não seja tarde demais para minha dignidade. — Esta conversa é extremamente inapropriada.
— Ah, baby! Você não tem ideia do que seja uma conversa inapropriada.
Ele está rindo de mim de novo. Odeio isso. Mas o jeito que ele ri...
Gah!
— Você se saiu bem. Acho que o pessoal gostou de você. Preciso ir agora, estou cansada. Boa noite.
É só o que eu consigo fazer para não parecer uma destas pessoas que têm conversas enigmáticas com todo mundo, porque não conseguem se desligar de um intenso e entrecortado diálogo interior.
Espere um minuto. Você acha mesmo que consegue não parecer uma dessas?
Ok, agora estou rindo de mim mesma. Deslizo rapidamente para dentro do carro antes que os parafusos de meu cérebro comecem a pular para fora. E antes que eu comece a imaginar como seria receber um beijo de boa noite.
Ele se despede de mim também e fica ali, com as mãos nos bolsos e uma expressão intrigada no rosto. E está tão adorável que... Que nada! Dou partida no carro e vou para casa, tentando não pensar em nenhuma dessas revoluções em minha cabeça.
Há um recado telefônico esperando por mim quando chego. Por um momento, considero deixar para lá e me jogar na cama para tentar descansar, mas sei que deve ser importante, eu não recebo muitos recados. E também não é como se eu fosse conseguir dormir tão já, então eu escuto o som que me traz de volta a imagem de meus olhos sonolentos preferidos.
“Olá, minha menina, sou eu. Desculpe minha ausência, não quis preocupar você, mas estive viajando e só cheguei hoje. Tenho... bom, novidades. Mas primeiro quero saber como você está. Ligue quando chegar, não me importo que seja madrugada, acho que estou com jet lag[2] por causa da mudança de fuso-horário. Ligue quando chegar em casa.”
Ah, Beto, finalmente! Penso em seu rosto pacífico de expressões lânguidas e traços italianos, no cabelo preto como breu e em seu jeito preguiçoso, porém certeiro de falar. Tudo o que eu queria é que ele estivesse aqui agora. Ligo imediatamente.
— Boa noite, querida! Ou será bom dia? Como você está, Estrela Clara? — ele pergunta, fazendo-me voltar no tempo ao usar esse apelido antigo.
“Não é charmoso como a Estrela d’alva parece se destacar das outras?”, ele disse uma vez, apontando para o céu ao entardecer. “Ela brilha mais na aurora ou no crepúsculo. É como você, Clarinha, gosta do encontro da luz com as sombras.”
Sinto-me apaziguada só de ouvir a voz dele. Eu tinha até me esquecido do quanto é bom conversar com alguém que sabe tudo sobre mim e, por um segundo, tenho vontade de chorar.
— Não sei, Beto. Foi um dia longo — respondo, porque nunca consegui mentir para ele nem disfarçar nada. Ele me conhece melhor do que minhas patéticas mentiras, que os outros não desmascaram apenas porque a verdade é absurda para eles. Ouço-o suspirar do outro lado da linha.
— Fale comigo, Estrela Clara.
Então eu falo.


[1] 24 Horas (24, no original) foi exibida no Brasil pela Fox e pela Globo.
[2] Descompensação horária que ocorre devido a uma viagem através de vários fusos horários. A pessoa sente como se seu “relógio interno” não estivesse no mesmo horário do local.

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