segunda-feira, 16 de março de 2015

Não Confunda 50 Tons de Cinza com 50 Tons de Roxo



(ATENÇÃO: Como, para variar, o texto ficou gigantesco, se estiver com preguiça pode ler apenas o destacado em rosa. Claro que você perde meu sarcasmo encantador, mas talvez você tenha coisas mais importantes para fazer, como ser o rei/ a rainha do mundo, ou sei lá.)

É, você não aguenta mais falar/ouvir/ler sobre o assunto, eu sei. Mas há uma explicação pra eu vir escrever sobre isso umas três semanas depois da estreia do filme.
A verdade é que eu nunca pretendi escrever sobre 50 Tons de Cinza, mesmo quando me pediram, porque eu tenho alunos adolescentes que leem meus textos e... Tá, vou fazer a puritana aqui, mas eu não acho que seja uma história adequada a pessoas jovens demais. Pronto. Falei.
Mas, aí, quem disse que eles concordam comigo? E por causa de toda a propaganda e de toda a expectativa criada pela estreia do filme, de repente eles estavam lá, planejando formas de burlar a classificação etária e/ou assistir às cenas mais tórridas pela internet. A curiosidade sobre os livros (já meio esquecidos nos últimos tempos) se acendeu novamente e eu via exemplares passando para lá e para cá, de uma bolsa para outra na escola. 
Eu só podia estar enchendo a cara de uma doce negação se achava que não ia acontecer. Afinal, sexo vende e a curiosidade é esperada e natural, não adianta fugir do assunto. No fim da contas, eu não decido classificação etária de nada e o que me resta é tentar tomar uma posição no falatório, para ver se surge o diálogo. Porque o que mais teve nas últimas semanas, ao menos antes do aparecimento do tal vestido enfeitiçado, foi gente dando sua opinião, geralmente negativa e muitas vezes distorcida, sobre a história e outros tentando defender o que, para mim, não precisa de defesa. Aí, né? Se todo mundo pode falar o que pensa, eu também posso. Afinal, não importa que cor o maldito vestido é, o interessante é saber por que cada um vê de um jeito.

Portanto, vamos ao Sr. Grey e seus paranauês, mas, antes de qualquer coisa, deixa eu tirar algo do caminho. Que é para ficar bem claro que qualquer crítica ou qualquer elogio que eu fizer aqui não são absolutamente neutros. Ao contrário, derivam da minha opinião, que pode muito bem ser contestada por qualquer um que achar que deve. Então, ei-la:

Eu li os livros e assisti ao filme. E gostei. Sim, eu gostei. Não a ponto de ficar cega para os defeitos, mas gostei.

~um minuto inteiro em que o julgamento é livre, depois você supera isso e vamos em frente~

Pois é. Eu me diverti com os livros e esperei pelo filme, com o qual também me diverti. E não tinha gastado mais do que dois minutos pensando no porquê disso, até ser bombardeada com 78237576 críticas sobre o filme e me ver, subitamente, tentando arrumar para mim mesma justificativas para ter gostado. Disfarçados de minhocas, vermes comedores de carne se alojaram no meu cérebro e eu fiquei achando que só podia ter alguma coisa de muito errada comigo, até que... Eu caí na real e parei com esta palhaçada de duvidar do meu próprio senso crítico para dar crédito à opinião de pessoas que ou não conheciam a história direito (nem falo nada desses), ou começavam assim: "Eu li os três livros só para saber do que estavam falando, mas odiei cada minuto." É sério isso, gente? Com tanto livro bom por aí, você gastou quase mil páginas de leitura com uma história que você detestou? Só para poder criticar? Acho que não é comigo que tem coisa errada. 
Mas não é de se espantar que a polêmica tenha me incomodado tanto antes de eu voltar à razão, Foi cada uma que mais parecia o julgamento da Bruxas de Salém. Teve até uma notícia, obviamente,  fake (because the zuera never ends) sobre um casal que foi tentar reproduzir as peripécias sexuais dos protagonistas e parou no pronto-socorro. Me. Poupe.
Aí, imaginando o que aquela minha aluninha que não devia ter lido, mas leu pode ter ficado achando sobre si mesma, já que eu fiquei meio coisada com as críticas, decidi pegar as principais e explicar por que, na minha opinião, elas não procedem.
Vamos a elas, uma a uma:

"Mulher que curte esses livros está com fogo no rabo."
Chama-se sexualidade, não "fogo no rabo" (vlw, flw). As mulheres têm direito à sua cota de erotismo (clique aqui para saber por que eu não chamo de pornografia). Eu não vejo ninguém ficar enchendo o saco dos homens quando eles assistem a programas estúpidos, com mulheres se expondo a situações ridículas e degradantes, só porque elas estão praticamente peladas e têm silicone saindo até pelos ouvidos. Todo mundo acha normal. Gostar de sexo (ou da ideia de que um dia vai praticá-lo) é normal e não torna ninguém imoral.

"Tudo bem gostar de umas putarias, mas por que a história de amor? Mania besta de romantizar tudo!"
O que é sexy para as mulheres é diferente do que é para os homens. Na maioria das vezes, a mulherada gosta mesmo é de uma boa história de amor com pimenta. Sem sentimento, para muita gente soa banalizado. E do mesmo jeito que as mulheres têm direito à sua cota de erotismo, também têm de romantizar o sexo. Para quem discorda, tem muitas opções de pornografia por aí. É só parar de falar mal do que não te diz respeito e ir procurar o que te agrada mais.

"É uma história pervertida que influencia as pessoas a acharem que BDSM é algo romântico."
O que é pervertido e o que é romântico para os outros não te pertence e não te cabe decidir ou julgar. Se você não quer que sua filhinha saiba que existem pessoas que curtem umas coisas diferentes coloque ela para morar em Marte, oriente-a a esse respeito e eduque-a à sua maneira. Ter gostado do filme não me fez sair por aí em busca de um dominador para chamar de meu. Se fosse o caso, seria uma preferência pré-existente, não influência de 50 Tons. Games de guerra não fazem soldados, a menos que o cara goste mesmo da ideia e vá se alistar. Caso contrário, é só fantasia. Fim.

"Os livros são mal escritos e é um absurdo terem vendido tanto!"
Não dá para discordar. Eu mesma conheço pelo menos uma meia dúzia de ficwriters que escrevem melhor do que a E. L. James, mas o que adianta ficar descendo o cacete (kkkkkk, desculpa, eu não aguentei!) nela? Existem leitores para todo tipo de livro e eu espero, sinceramente, que existam livros para todo tipo de leitor. Se vende tanto, é porque as pessoas encontram algo ali de que podem gostar. Escrita impecável não é tão importante para todo mundo, mas uma história que agrade, sim. E se você for ver, é até fácil de entender o apelo, já que a história é um mosaico de clichês que funcionaram satisfatoriamente bem juntos: 

  • Tem o cara extraordinário (leia-se diferente do comum) que se interessa pela moça normalzinha. Assim, que nem a leitora, que gosta de achar que pode acontecer com ela também. Não dá para subestimar o poder dessa fantasia. 
  • Tem o homem lindo, mas emocionalmente destruído que a mocinha salva com seu amor. Quem nunca sonhou em redimir um príncipe bad boy não teve adolescência. 
  • Tem o macho-alfa poderoso, respeitado e ligeiramente intimidador que quer possuir a mocinha, e somente a mocinha, porque ele não consegue viver sem ela. É disfuncional e meio inverossímil, mas atire a primeira pedra quem prefere seus protagonistas franzinos, bananas e só meio apaixonados. 
  • Aí, por fim, tem o homem protetor que diz à namorada que vai cuidar de todas as necessidades dela (financeiras, emocionais, sexuais etc) e que ela só precisa se preocupar com o que escolher. "Ah, não! Não gostei disso. Sou uma mulher independente e dona do meu próprio nariz." Bom, eu também sou, mas não ligaria de saber que eu só precisaria trabalhar se quisesse. E eu também gosto de ser protegida e cuidada. Isso faz de mim uma pessoa (note a neutralidade) normal, não uma mulher fraca.
Então, assim, os livros podem até não ser um primor, mas clichês funcionam. Não tem o que discutir. É por isso que os livros meia boca da James vendem e o seu maravilhoso está num site de fanfics assombrado. Choremos ali no cantinho um pouco, depois sigamos adiante, porque o mundo é dos fortes e inveja é para os fracos.

"Mulheres que se encantam por Christian Grey estão em relacionamentos insatisfatórios com parceiros insatisfatórios e financeiramente comprometidos."
Na verdade, o que eu li, depois de uma amiga ser insultada por "greyzetes" simplórias e enfurecidas, foi: mulher que gosta do Grey é mal comida por marido pobre e de p**to pequeno.
Então quer dizer que se um homem tiver uma quedinha por, digamos lá, uma atriz pornô, significa que ele está insatisfeito com a parceira ou com a relação dos dois? Porque, sei lá, mas gente feliz também tem fantasias, sabe? 
Quanto à questão financeira eu não vou nem falar nada. Sinceramente. Porque se as pessoas podem dizer criancices eu posso ficar de mal delas, haha. Mentira, eu não fico de mal. E entendo o calor das discussões também. Só acho que é uma generalização raivosa e reducionista e as pessoas sabem disso. Não é preciso dizer.

"Christian sente prazer em fazer Anastacia sentir dor."
Seguinte, quando era muito pequeno, bem naquela fase da vida em desenvolvemos os vínculos afetivos e de confiança, Christian foi agredido e negligenciado. As pessoas só tocavam nele para fazer mal. Então, ele cresceu sem conseguir confiar em ninguém o suficiente para desenvolver um relacionamento amoroso, porque quando isso acontece, ficamos vulneráveis. A pessoa que amamos, se mal intencionada, pode nos causar muito sofrimento, por isso é tão importante ser forte para escolher bem e confiar no outro. Mas por causa do que aconteceu, Christian relaciona toque (não o sexual, mas o toque carinhoso, que provém de uma intimidade emocional) com algo ameaçador. Um cara assim precisa de terapia ter controle sobre as relações, para não correr o risco de se machucar. Traduzindo em miúdos, o lance dele é poder. Ele gosta de "dominar e disciplinar". A dor já vai do gosto da submissa, porque, para ele, meio que tanto faz. Não que não tenha, entre os adeptos de BDSM, pessoas que sintam prazer em causar uma dor consentida. Sadismo faz parte da sigla, afinal. Mas esse não é, especificamente, o lance do personagem.

"Ana é uma banana (haha), que aceita fazer coisas para as quais não está preparada só para agradar ao namorado."
Só se você partir do princípio de que ela não gosta do que está fazendo. O problema para você é que fica bem claro que ela gosta, e muito. Ana pode ser uma sonsa em alguns aspectos, mas quanto a isso ela me parece bem espertinha e dona da situação. Desde o começo, ela parece bem disposta a experimentar, apesar de sua inexperiência. Sendo assim, Anastacia Steele só tem a si mesma para culpar pelas coisinhas exóticas que CONSENTE em fazer. Isso de ficar insinuando que o homem é quem direciona e decide tudo, só porque você não consegue admitir que uma moça inexperiente e boazinha possa gostar de um chicotinho, já está ficando irritante.

"Christian é violento e o namoro/casamento dos dois é uma apologia de relacionamentos abusivos."
Vixe, gente. Calma. Em nenhum momento ele a agride fisicamente. Fora dos "joguinhos" de dominação, ele não faz nada contra ela, e fica claro que jamais faria. Tudo bem, ele é meio agressivo verbalmente, mas até aí... Quem nunca disse, no calor de uma discussão, coisas das quais se arrependeu depois? Claro que não é um comportamento que alguém possa permitir que se torne comum, mas também não é o caso de achar que algumas discussões constituem comportamento abusivo. 

"O que existe entre eles não é amor, é codependência."
Diz a pessoa que só conhece relacionamentos perfeitos. É claro que, na vida real, alguém como Christian precisaria de anos de ajuda profissional. Acho que não deixar isso claro é uma das maiores falhas da autora. Mas daí a dizer que eles não se amam... Pode me chamar de romântica, de boba, ou sei lá, mas eu acho que o amor salva. No caso do Christian, a única coisa que o incentivaria a procurar ajuda seria seu amor pela Ana. Posso até estar sendo ingênua, mas é o que eu acho.

"É uma história boba e machista, escrita para gente que não tem capacidade para ler algo melhor."
Quanto amargor, minha gente! Pode ser que, com meu intelecto limitado, eu não tenha percebido quando aconteceu, mas acho que até agora nenhum fantasma de escritor clássico veio me pedir de volta o diploma de Letras. Nem tampouco sugerir uma detox à base de Sylvia Plath. Só porque curto um clichezinho, não me transformei numa leitora emburrecida ou numa mulher menos segura de mim mesma ou do meu papel em meu relacionamento amoroso. Não acho que a história de E. L. James tenha todo esse poder, mesmo em mentes mais influenciáveis. Pelo contrário.
Acho que muita gente aprendeu a ver a sexualidade e o tesão feminino com mais naturalidade, inclusive - e principalmente - as próprias mulheres. E dizer a elas que o seu direito a uma perversãozinha romântica, se for de seu gosto, é um retrocesso nos ideais feministas é... Bom, um retrocesso nos ideais feministas. Além de uma p**a hipocrisia. Afinal, cada um tem o direito de escolher como vai viver, mesmo que essa escolha consista em se submeter, de comum acordo, a um dominador de sua preferência.

As cenas nem são tão fortes assim, no final das contas. Nos anos 50, já andava pela literatura uma moça conhecida por "O", disposta a se submeter a umas paradas bem mais fortes e nem teve este "forfé" todo. Porque, né? Década de 50. BDSM e talz. Era de se pensar que seria uma polêmica inigualável. Mas não foi. O choque é livre. 
Em 50 Tons, tudo o que acontece entre a Ana e seu amante lindo e emocionalmente zuado é consensual, como em todas as relações envolvendo essa prática tão "monstruosa". E fica claro para leitor/espectador mais aberto atento que é ela quem tem o controle da situação, na medida em que pode pedir para sair a qualquer momento, coisa que ela até faz algumas vezes. Então, sei lá, o choque aqui também é livre, mas de verdade não é para tanto.
Se você gostou, fique de boa. Você não é uma pessoa pervertida nem nada do que possam te acusar. Se você não gostou, ou nem tem vontade de descobrir, faz muito bem também. Afinal, ninguém é obrigado. Isso não te torna reprimido, recalcado ou sei lá mais o que andam dizendo as "greyzetes" mais raivosas. O importante é ser fiel a si mesmo, aos seus valores e aos seus gostos (reais, não o que as outras pessoas dizem que devia ser). A internet e a vida estão cheias de donos da verdade, então se aposse da sua e cuide bem dela, antes que um aventureiro o faça por você.

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