Capítulo 26 – Jogos de Amor e Ódio
The
world was on fire and
No
one could save me but you
It's
strange what desire make foolish people do
I
never dreamed that I'd meet somebody like you
I
never dreamed that I'd lose somebody like you
(…)
What
a wicked game to play
To
make me feel this way
What
a wicked thing to do
To
let me dream of you
What
a wicked thing to say
You
never felt this way
What
a wicked thing to do
To
make me dream of you
(Wicked
Game - Chris Isaak)
A terça-feira parece não passar
rápido o suficiente.
No dia anterior, depois que Marina
foi embora, eu dei a mim mesma a noite amena e agradável que tinha me
prometido, e permiti que minha mente vagasse pelo mesmo caminho de meu coração.
Parece estranho, mas há muito tempo eu não sentia que uma coisa podia
acompanhar a outra. Tenho vivido com a sensação fraca, porém insistente e
incomodamente familiar, de estar sempre longe de casa, sempre de passagem por
algum lugar amistoso e confortável, mas que não é o meu.
Então, quando deitei a cabeça em meu
travesseiro, pensando que, fosse como fosse, havia um lugar para mim na vida de
Marina, que havia uma possibilidade mais do que palpável de que ela me
aceitasse racional e emocionalmente, senti como se estivesse me aconchegando de
novo no conforto de minha própria cama depois de uma longa viagem. Desde o
momento em que a vi, não só na noite de nosso reencontro algo fatídico, mas no
dia longínquo em que a acolhi em minha vida, é assim que a presença dela me faz
sentir: como se eu estivesse em casa. Finalmente.
A paz que essa constatação me trouxe
embalou meus sonhos, mas acho que eles pouco tiveram a ver com Marina, afinal.
É com o coração cheio da presença de Eric que acordo, abrindo os olhos para a
rosa vermelha que flutua num vaso de vidro ao meu lado como um sinal luminoso,
frágil e belo de que há coisas a serem vividas no dia que se desdobra diante de
mim. Um dia que vai culminar em uma noite de trabalho ao lado dele. Uma noite
inteira. Pensar nisso faz um sorriso bobo surgir em meu rosto e uma ansiedade
gostosa começa a acompanhar meus passos.
Pareço uma criança enquanto espero a
hora chegar, cumprindo pequenas tarefas do cotidiano pela casa, indo passear
com Blue e tentando distrair minha cabeça com coisas que nem precisariam ser
feitas, para começo de conversa. Felizmente, um cachorro novo num apartamento
faz sua cota de sujeira, mas não é como se eu morasse em uma enorme mansão
desorganizada que precisa de arrumação e faxinas constantes, então chega uma
hora em que as tarefas domésticas se esgotam e eu sou obrigada a me sentar e
tentar ler um pouco.
Por um tempo funciona, mas logo os
personagens principais começam a se descobrir apaixonados e algo em mim flutua
pelos ares enquanto eles se beijam. Em um instante, meus lábios se transmutam
nos dela e sou eu que estou dizendo a um Eric literário que quero mais, sempre
mais de seus beijos, de seu corpo, de sua companhia, porque tudo o que sou
parece subitamente pertencer a ele. Fecho o livro quando começo a sentir a
maciez dos cabelos dele sob meus dedos e o calor etéreo de seu corpo imaginário
prensando-se contra o meu.
Céus! Então é assim que é estar
apaixonada?
Acho
que você vai precisar de um hobby!, provoca aquela parte de mim. Mas eu
sinceramente espero que seja só a ansiedade do começo, a saudade misturada com
expectativa que cerca meu reencontro com ele depois do nosso — do meu — primeiro beijo. E é por isso, por
causa dessa ansiedade toda, que, apesar de minha preocupação em deixar Blue
sozinho por um período longo pela primeira vez, estou pronta para ir bem antes
do meu horário.
Fico com o coração apertado quando o
cãozinho acompanha, com olhos ligeiramente decepcionados, meus movimentos ao
meu arrumar. Queria não precisar deixá-lo sozinho por tanto tempo, mas a
verdade é que ele vai ter que se acostumar, porque é assim que será a maioria
das nossas noites. Então tento não fazer drama ao ir embora, comportando-me
como se fosse uma saída rápida para ir à padaria, por exemplo, e torço para que
seja verdade que os cães têm uma percepção de tempo diferente da nossa.
Dou um “ossinho” a ele e tento lhe
fazer um cafuné, mas Blue já não parece mais preocupado com minha ausência
quando tem a comida para se distrair. Sendo assim, posso sair discretamente,
deixando a luz acesa e o rádio ligado baixinho para lhe fazer companhia durante
minha noite de trabalho.
Chego ao bar cerca de meia hora
antes do previsto, reparando que, como sempre, a moto de Eric já está em seu
lugar de costume. Ele sempre é o primeiro a chegar e o último a sair, nunca
tira folgas e nem atribui a Samuel algumas coisas que poderiam ficar sob a
responsabilidade de um gerente.
O bar está diferente agora, tem um
cardápio mais sofisticado e uma rotatividade maior de bandas, o que torna o
lugar mais atraente a uma clientela mais adulta, que tende a ser mais assídua e
também a gastar mais do que os adolescentes de sempre. Essas mudanças todas são
por causa de Eric, e isso certamente justifica ele trabalhar bem mais do que
Samuel quando era dono do On The Rocks mais despretensioso de antes.
Ainda assim, embora eu saiba que
Eric tem suas obrigações administrativas a cumprir, coisas como receber
fornecedores, contratar as bandas e cuidar para que tudo esteja em ordem, às
vezes tenho a impressão de que ele passa o máximo de horas que pode trabalhando
neste bar porque se sente melhor aqui do que em outros lugares. Talvez eu possa
perguntar isso a ele qualquer dia, porque, sabe como é, eu gosto do mistério
todo e de fazer minhas suposições, mas seria ótimo não ter que ficar
adivinhando tudo, só para variar.
Depois da entrada de serviço, no
corredor que leva à cozinha e ao nosso pequeno depósito, há um conjunto de
armários simples de metal, como os de academias de ginástica, para podermos
guardar nossos pertences. Entro distraída, vasculhando minha bolsa
desajeitadamente em busca do pequeno cadeado com chave que Paty me importunou
para comprar depois que algum dinheiro desapareceu de minha bolsa.
Ela nutre suas desconfianças em
relação a Lara, mas eu prefiro pensar que perdi esse dinheiro por aí, porque
não quero outro motivo que alimente a inimizade que a namorada de Samuel tem
por mim. Ainda tenho alguma ilusão de poder ajudar Lara a se encontrar e, mesmo
que no fim ela não precise da minha ajuda, seria bom se pudéssemos ficar em
paz.
Você
e sua mania de querer consertar as pessoas!
“Sim,
sim, eu tenho complexo de salvadora, blá, blá, blá... Me processe!”
Claro!
Porque isso seria perfeitamente lógico e possível.
Alcanço o cadeado, mas como estou
preocupada — como uma boa pessoa sã — em brigar comigo mesma, acabo derrubando
a bolsa e seu conteúdo se espalha parcialmente pelo chão. Ainda não está
totalmente escuro, há um resquício de luz vindo de fora, mas a penumbra já se
espalha pelo corredor e, a fim de encontrar meus pertences, pressiono o
interruptor. Quando faço isso, minha atenção se volta involuntariamente para a
parede de armários, e reparo que o meu está entreaberto. Dou uma olhada lá
dentro e reparo que há uma forma delicada presa à parte interna da porta.
Uma rosa vermelha.
Recolho minhas coisas
atabalhoadamente e jogo dentro da bolsa de qualquer jeito, porque meu coração
acelerado me impulsiona em direção ao meu novo presente. Um pequeno post-it
amarelo está colado ao lado da flor. Na letra que já me é familiar, as
seguintes palavras pulam direto de meus olhos para dentro de meu peito:
Pela noite que ficou melhor depois de escutar sua
voz.
Não estou pensando, apenas sentindo
a presença dele naquele clichê romântico tão doce quanto qualquer coisa que
estreita a distância entre dois corações. É tão simples e ao mesmo tempo tão
perfeito que dispensa palavras. De repente, não me importo mais com todos os
mistérios que ele guarda dentro de si. De um jeito ou de outro, ele parece
arranjar um jeito de falar comigo e me deixar saber que não estou sozinha em
meus sonhos.
Retiro a fita que prende a flor à
porta de metal e acaricio as pétalas perfumadas, sentindo-me como se aquela
beleza fugaz fosse o que há de mais eterno no mundo, porque, para mim, a
delicadeza daquele carinho e a felicidade com que ele preenche meu coração não
vão desaparecer. Talvez a vida seja isto mesmo: a fixação do efêmero por meio
do amor.
Fico com pena de deixar a flor
trancada, mas, mesmo que eu a leve para o carro, de qualquer forma teria que
esconder sua beleza da luz, o que acaba por me lembrar o jeito de Eric de se
esconder do mundo. É uma comparação poética, embora melancólica, mas sei que
nenhum dos dois vai permanecer no escuro por muito tempo.
Como
eu disse, tenho complexo de salvadora, penso, com um sorrisinho de canto
pretensioso.
Pego um copo plástico ao lado do
bebedouro e encho de água, tentando acomodar a bolsa, os tênis pelos quais
pretendo trocar as botas no fim do expediente e o vaso improvisado, apoiado no
canto do armário para não cair. Fecho tudo e prendo a pequena chave na
correntinha que coloco em torno do pescoço, por dentro da camiseta com o
logotipo do On The Rocks. Então, finalmente, parto com o coração aos pulos ao
encalço da outra beleza guardada por trás do jeito sombrio dos olhos que povoam
meus sonhos.
Abro a porta que dá acesso ao salão,
esperançosa de que dar de cara com ele, sem ter tempo de pensar, possa me fazer
esquecer a timidez, mas uma rápida olhada me avisa de que não vai ser tão fácil
assim. Ele não está em nenhum lugar visível, o que significa que deve estar
fechado em seu pequeno escritório numa sala contígua ao backstage. Isso quer dizer que vou precisar bater na porta com uma
desculpa para conversar que vá além de um: “Olá, também chegou mais cedo hoje?
Eu tive que passar em um lugar antes de vir, mas levou menos tempo do que eu
supus, então... Bem, aqui estou. E, ah, obrigada pela flor”. Agora talvez eu
precise incluir um: “Não pude esperar para te ver, então decidi vir aqui
interromper seja lá o que você esteja fazendo na privacidade de sua sala
particular para agradecer e... quem sabe... sei lá, talvez, se couber na
conversa, te declarar amor eterno”.
É, isso definitivamente mandaria
toda a minha desculpa esfarrapada e minha calma calculada para o espaço!
Também não sei por que estou
preocupada em criar pretextos. Talvez eu possa apenas dizer mesmo a verdade ou,
quem sabe, não precise dizer nada. Não sei, e também não importa muito, acho
que posso pensar nisso quando estiver com ele.
Porém, quando estou na porta da sala
maior onde as bandas descansam, nos fundos da qual fica o escritório, percebo que
a porta não está fechada, mas que Eric está acompanhado. Posso ver a silhueta
dele encostado ao batente, meio corpo para fora. Toda sua postura corporal
indica alguém que não quer estar ali e seu tom de voz, embora baixo, é
agressivo e irritado.
De lá de dentro, uma voz sussurrante
de mulher rebate o que ele diz. Posso ver as pernas dela, cruzadas
confortavelmente enquanto ela faz a cadeira de rodinhas girar com o movimento
de seu corpo. Não consigo ver seu rosto, mas sei que ela é bonita. E sei que a odeio
antes mesmo de ser capaz de entender por quê. O ineditismo do sentimento me
atinge em cheio e não é bom. Sinto meu corpo se encher de uma energia estranha
que faz com que eu me desconheça.
Agressividade.
Não gosto disso. Não gosto mesmo.
Uma curiosidade mórbida, e algo mais
que isso, faz com que, em lugar de ir embora e ficar longe da conversa que não
me diz respeito, eu decida permanecer onde estou, com o corpo meio escondido
pela parede, atiçando meus ouvidos para decifrar o que eles estão dizendo.
— Eu já disse a você que sei o que
estou fazendo, que vou fazer isso do meu jeito.
— Se você sabe o que está fazendo,
por que está demorando tanto? Você me prometeu o outro e eu sei que isso requer
mais paciência, eles precisam de tempo. Mas você sabe muito bem que paciência
não está entre minhas virtudes. Talvez se você acabasse logo com isso, eu me
contentasse em ficar sem prêmio de consolação dessa vez. Nós podíamos ir embora
daqui, estou cansada de ver você sofrer desse jeito.
Ao dizer isso, a forma dela
desaparece da cadeira e se materializa ao lado de Eric, levantando uma das mãos
para tocar no rosto dele. Ela é como pensei: linda. É alta, mesmo que não
estivesse usando saltos agulha, tem longos cabelos lisos e escuros que lhe caem
languidamente pelas costas, olhos grandes e profundos como buracos negros e
traços exóticos e marcantes. Únicos. Não como a beleza convencional que alguns
me atribuem, mas um encanto só dela. O corpo de formas curvilíneas é um insulto
dentro da calça justa e da blusa de seda preta que lhe marca os contornos dos
seios pequenos e empinados.
E ela está lhe falando, com aquela
maldita voz sussurrante, sobre um sofrimento que eu não conheço, mas ela sim.
Sobre irem embora juntos. Embora. E está tocando no rosto dele.
Por uma fração de segundo, Eric
inclina o rosto na direção do carinho, repousando na mão dela de olhos
fechados. É só um momento, tão rápido que me pergunto se não o imaginei, mas
odeio o descanso que ele encontra naquela cumplicidade que não tem comigo. É tempo
suficiente para algo se quebrar dentro de mim e eu me sentir transbordar de uma
ira contida, como se as unhas dela tivessem feito um fissura irreparável na
represa de meus sentimentos.
Quando ele cai em si e tira a mão
dela, afastando-a com um gesto brusco, já é tarde demais. Meus olhos já ardem
com as lágrimas e minha garganta se engolfa no gosto ácido de um sentimento que
eu nunca tinha sentido — e espero jamais sentir novamente — por ninguém.
Eu a odeio.
— Não vou a lugar nenhum com você,
Esther — ele diz. — E não me venha com esse teatro, você está aqui porque quer
sua parte.
— Não, querido. Eu estou aqui porque
ele quer sua parte. Não se esqueça de
quem nós somos, você já fugiu tempo demais dessa verdade. Quanto a mim, posso
conseguir a minha parte a hora que quiser, você sabe muito bem.
— Fique fora do meu caminho. Desta
vez não vou deixar esta merda toda me manipular. Só fique longe...
— Ou?
Os dois estão furiosos, quase posso
tocar a tensão entre eles de onde estou, mas Eric está mais do que irritado. Há
uma desolação na postura dele. Na maneira como ele parece admitir algum tipo de
razão na fala dela.
Talvez seja por isso que ele não
responde ao tom desafiador da pergunta. Apenas sai de perto dela, dando-lhe as
costas enquanto apoia as mãos crispadas na mesa do escritório. A tal Esther
apenas revira os olhos e se apoia no batente onde Eric estava antes, só que a
postura dela é relaxada e confiante, com um dos saltos tocando a madeira e os
braços cruzando-se triunfalmente enquanto os ombros dele afundam mais um pouco.
— Foi o que pensei — ela diz. E vejo
o corpo de Eric se endireitar, tensionando-se de raiva, mas ele não volta a
olhar para ela ainda assim.
Ouço a porta do salão se abrir
bruscamente. Paty está chegando, e seus modos extrovertidos estão prestes a
denunciar minha posição. Coloco meu indicador em riste diante dos lábios para
sinalizar para ela de longe, pedindo para que fique quieta. Vejo-a começar a
atravessar o salão pé ante pé em minha direção, sorrateira e silenciosa como um
gato. Graças a Deus!
No instante seguinte, quando volto
minha atenção novamente para os dois, Esther está se movendo em direção a Eric,
segurando seus ombros delicadamente e virando-o para si.
— Isso podia ser tão fácil, querido.
Você ganharia o controle que tanto quer e poderia me dar o que quero, o que vem
me prometendo há tempos.
— Não prometi nada a você, Esther.
Nunca concordei com seus delírios. E o que você acha que é a solução ideal está
longe disso para mim.
— Eu posso fazer você concordar, amor.
Do jeito mais difícil ou do jeito mais prazeroso. Mas você sabe o que eu
prefiro.
De repente, ela é toda braços e
boca, acariciando-o e fazendo com os lábios o caminho do seu pescoço, que ele
inclina para trás para evitá-la, e depois do maxilar tenso que ela contorna até
chegar à boca dele.
— Mas que porra é essa!? — pergunta
Paty à minhas costas, num sussurro mais alto do que deveria. — Essa lambisgoia
está atacando seu namorado e você vai ficar aí, sem fazer nada?
— Ele não é meu namorado, Paty.
Nunca disse que era. E também não está exatamente se defendendo.
Eric mantém-se parado, os braços ao
lado do corpo, parecendo resistir ao toque dela, mas sem fazer nada além de
tombar a cabeça ligeiramente para trás, fugindo do alcance dos lábios de Esther,
que alcançam seu queixo e seu pescoço em vez da boca pretendida.
— Besteira, ele não está jogando a
vagabunda para trás nem nada, mas está tentando resistir. Se ele beijou você
outro dia e não está beijando ela agora significa alguma coisa, ele está escolhendo
e você devia fazer algo a respeito.
As lágrimas despencam pesadamente de
meus olhos, mas estou determinada a não interferir. Está claro que o que está
acontecendo ali deve ser interrompido por ele, não por mim, a sua não-namorada
que pediu um tempo antes mesmo de começar qualquer coisa. Que direito eu tenho,
afinal?
— Aah! — bufa Paty. — Se você não
vai fazer nada, eu faço.
E então ela faz uma entrada
barulhenta na sala de descanso, batendo os pés com força no chão para se fazer
notar, enquanto Eric finalmente segura Esther pelos ombros e a afasta de si.
— Ah, oi, Eric... Opa, desculpe,
achei que seria bom dar uma geral aqui no backstage,
mas não sabia que você estava aqui, e ainda por cima com visita. Foi mal
mesmo — diz Paty, fingindo-se de desentendida.
A desculpa é esfarrapada. “Dar uma
geral no backstage” não está entre as
tarefas que nos preocuparíamos em executar numa noite em que aquela sala não
seria usada, mas Eric parece achar a interrupção bem-vinda.
— Não tem problema, Patrícia. Minha
amiga já estava indo embora e eu tenho muito que fazer antes de o bar abrir
também — ele diz, olhando incisivamente para a “amiga”.
— Não sem antes conhecer seu staff, querido — ela rebate,
devolvendo-lhe um olhar provocativo. — Mas que moça adorável! — diz, como se
Paty fosse algum tipo de bibelô de vitrine. — Patrícia, não é? Meu nome é
Esther.
— Como vai? — responde Paty,
segurando firmemente a mão que ela oferece.
— Bem. E como é mesmo o nome da
outra? Clarice, Clara...?
— Clara — Paty responde. — Ei,
Clara! — ela grita, fingindo que estou longe. — Vem aqui um minuto!
— Isso é
desnecessário, Esther — Eric interfere. — Eu já disse que tenho muito que fazer
e que é melhor você ir embora. Clara deve estar ocupada em algum lugar, não é,
Patrícia?
— De jeito nenhum! Ela estava por
aqui, limpando as mesas, mas tenho certeza de que ela tem um minuto para
conhecer a sua...
— Namorada — Esther responde, após a
hesitação proposital de Paty.
— Ex — Eric corrige.
Meu estômago afunda. E não sei que
força faz com que eu enxugue os olhos, cole um sorriso fingido no rosto e entre
na sala como se nada tivesse acontecido.
— Oi, Clara — diz Paty. — Eu te
chamei porque a ex-namorada do Eric
quer te conhecer.
— Ah, é mesmo? — pergunto com uma
cara de pau tirada do fundo da minha cólera borbulhante. — Como está, querido?
— digo para Eric, usando a palavra pela qual ela o chamou tantas vezes nos
últimos minutos, e abraçando-o enquanto beijo seu rosto do jeito mais terno que
consigo, dada a raiva que sinto.
Queria ter tido forças para dar um
beijo na boca dele, mas não é desta vez que consigo ser tão atrevida. De
qualquer jeito, três pares de olhos arregalados me encaram quando termino minha
ceninha e fico satisfeita com o resultado. Se é que consigo ficar satisfeita
com alguma coisa nestas alturas.
— Então você é minha parcela de
competição saudável? — diz Esther, estendendo a mão para mim. Ela me puxa e me
dá um beijo fingido no rosto, como se estivesse conhecendo uma nova amiga.
Quero arranhar a cara dela e limpar a minha com desinfetante. Céus! Como eu
quero! Nunca me senti assim. É terrível! — Esse é o seu jeito de se fazer de
difícil, querido? — ela pergunta para um Eric mortificado. — Podia fazer
melhor.
Diante do desdém dela por mim, Eric
se irrita e a arrasta pelo braço para fora dali.
— Já chega disso, Esther. Está na
hora de você cair fora — ainda consigo ouvi-lo dizer.
Paty olha para mim com orgulho e
raiva emanando dela em todas as direções.
— Na hora que você quiser,
Branquinha. A gente parte a cara dela na hora que você quiser.
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