sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

CD2 - Cap 23

Capítulo 23 – Confiança

I believe, I believe
With every breath that I breathe
You and me can turn a whisper to a scream
I believe, I believe

You know what you came here for
You'll pay the cost,
like it's your cross to bear
Are we the ones that put it there
Would you scheme for it
scream for it, bleed for it
Would you

I believe, I believe
Believe we're still worth
The fight you'll see
There's no hope for this world tonight
I believe, I believe
(I Believe – Bon Jovi)
Logan

— Esta arma é estranha! — Jamie reclamou depois de errar o alvo, movendo o pulso para cima e para baixo para tentar aplacar o mau jeito. — É muito leve... Sei lá. Eu me descuidei achando que o coice não ia ser tão grande. Acho que não vai dar certo esse negócio de “arma de treinamento”. A gente tinha logo que usar as normais.
— Não tem nada de errado com a arma, Jamie. A questão é a empunhadura. Veja como Lily faz. — Apontei para minha outra aluna entusiasmada e o garoto disfarçou um muxoxo de frustração. Suspirei, conjurando paciência. Eu já tinha explicado a mesma coisa aos dois, minutos antes, mas Jamie estava animado demais com a arma para me dar atenção. — Você tem que encaixar a mão esquerda exatamente nos espaços vazios, com os polegares das duas alinhados para frente. Se aumentar a área de contato tem um controle melhor da arma e o recuo é menor quando você der o tiro. Assim você não perde a mira e tem maior velocidade de tiro.
— Ah — resmungou, estudando a empunhadura dupla perfeita de Lily e tentando reproduzir. — Você podia ter me dito esse negócio de polegares antes.
Soltei um som mal disfarçado de insatisfação. Jamie podia ser bem difícil às vezes. Lily sorriu discretamente e Jeb, bem menos preocupado com discrição, mas ainda sem querer rir da nossa cara abertamente, fingiu uma tosse. Depois, logo que se recompôs, veio em meu auxílio.
— Preste atenção, menino. —  Logan já tinha explicado. É preciso respeitar as armas e levar a sério, porque é um poder e tanto o que você tem aqui — frisou, batendo no cano da arma que Jamie segurava. — Então é preciso saber o que se está fazendo para não fazer besteira, porque não tem impacto que você possa causar que não volte para você. De um jeito simples: você dá um tiro e leva um coice em troca, é o mínimo. Mas é preciso estar preparado. Um rifle como o meu, por exemplo, dá um tremendo coice de mula.
— Tá, tudo bem. Eu entendi. Vou prestar mais atenção — Jamie se deu por vencido. — Mas ainda não sei por que a gente está treinando com esta arma diferente em vez de usar as Glocks que temos.
— Porque munição é muito difícil de conseguir nos dias de hoje. Os Buscadores não as usam mais, preferem as cápsulas de Paralisium.
— Aquele anestésico que paralisa a vítima, não é? — perguntou Lily, lembrando-se da explicação que dei sobre quando Peg foi capturada, anos atrás. — Se a filha da mãe da Lacey tivesse usado dessas quando atirou em Wes...
Eu não tinha a menor vontade de defender Lacey. Mal tinha paciência com seu jeito rude e desconfiava que a Buscadora tinha tido pouca influência nas decisões equivocadas que tomaram quando dividiam o corpo, mas Lily era minha amiga. Eu não podia deixá-la levar adiante esse raciocínio que apenas a magoaria.
— Paralisium não existia quando Lacey veio atrás de Peg, Lily. Tinham acabado de criar quando aconteceu aquilo tudo que me trouxe para cá com Estrela e sou muito grato por isso, porque talvez meu próprio destino tivesse sido muito diferente se eu não dispusesse desse recurso. Buscadores devem manter a comunidade segura e vocês nos assustam tanto quanto nós a vocês. Não estou justificando o que aconteceu, mas já estive no lugar dela e...
— Não, Logan. Você não teria atirado pra matar. Pode dizer o que quiser sobre como você era antes, mas eu não acredito nisso — ela me calou e percebi que não havia nada além de absoluta sinceridade e confiança ali.
Fiquei sem saber como reagir. Ouvir uma coisa assim me deixava sem palavras, mas graças a essas pessoas, à paciência e ao amor que me dedicaram, eu conseguia acreditar também. Por causa delas, eu podia enxergar que o homem que elas viam agora sempre existiu dentro de mim. Lily não imaginava o valor disso. Coloquei a mão em seu ombro e ela sorriu de lado.
— Não quero ficar pensando no que podia ter sido, de qualquer forma — disse, deixando claro que preferia mudar de assunto. — Então vamos lá. Qual a diferença entre as armas a que estamos acostumados e estas?
— Pouca coisa — respondi. — Internamente, elas são melhor adaptadas ao novo tipo de munição, mas por fora é praticamente a mesma coisa. Jamie tem razão sobre serem um pouco mais leves, mas essa é a única diferença. Não chega a prejudicar o treino de vocês. É só que não podemos desperdiçar nossa munição com aulas e eu só consegui roubar armas de treinamento no escritório dos Buscadores em Phoenix, quando Jared e eu fomos até lá de madrugada.
— E por que se chamam armas de treinamento? — Jeb questionou. — Nunca ouvi falar de algo assim.
— Bem, na verdade a munição é que é de treinamento. São cápsulas sem Paralisium para os Buscadores aprimorarem a mira apenas. É parecido com festim. A arma é a mesma que eles usam.
Lily trocou um olhar com Jamie, como se estivessem continuando em silêncio uma conversa anterior, então foi ela quem tomou a palavra outra vez.
— Ok, certo. Hmm... Pode ser uma pergunta meio delicada, mas o que exatamente você está nos treinando para fazer? Porque eu estranhei quando você nos recrutou para a “equipe de segurança”, quando Jared e Kyle seriam as escolhas mais óbvias. Ou até mesmo Brandt e um dos caras acostumados a se arriscar em incursões. Mas agora está parecendo que você está nos treinando para usar essas armas não letais dos Buscadores só pra ganhar tempo em uma fuga, caso algo dê errado. Mas e se as coisas derem realmente errado, Logan? E se fugir não for suficiente e nós precisarmos atirar para salvar você, Doc ou Sharon? Não quero matar ou ferir ninguém, mas entre a vida de vocês e a deles...
Esfreguei meus olhos com as pontas dos dedos, frustrado pela impaciência deles. Quando Doc e Sharon se ofereceram para entabular um diálogo com as Almas que eu julgasse receptivas, para tentar mostrar que os humanos sobreviventes estavam dispostos a parar de lutar e viver em paz, eu soube que precisava garantir a segurança deles a qualquer custo. Por isso escolhi Jamie e Lily, que pareciam tão aptos a aprender e abertos à causa. Mas eu não sabia bem como dizer a eles que estavam aqui porque eu confiava em sua hesitação, mais do que em qualquer habilidade.
É claro que eu tinha um plano, mas não estava pronto para abrir todos os detalhes, justamente porque não queria ter que responder essa pergunta específica ainda, já que a resposta talvez não fosse bem recebida. Contudo, havia dois pares de olhos inquisidores demandando satisfação. E havia Jeb, me olhando como se dissesse que me avisou sobre parar com os segredos. Por tudo que tinha acontecido, esta era a coisa a que ele mais me incentiva ultimamente: ser franco. Então tive que ceder.
— Não estou tentando treinar assassinos, Lily. Escolhi vocês justamente por serem inexperientes. Jared sabe atirar muito bem e não hesitaria em fazer o que fosse preciso para proteger a todos. Kyle é... Bem, vamos dizer que um pouco instável e também faria de tudo o que achasse preciso. Os outros caras também. Não estou dizendo que não seja uma qualidade mais do que necessária aqui, mas eles estão no limite, podem estourar fácil. Estamos falando de pessoas que estão correndo perigo para proteger os outros há muito tempo e esse tipo de coisa cobra seu preço. Vocês, por outro lado, nunca precisaram apontar uma arma para ninguém. Ainda mantêm o luxo de serem piedosos e ponderados. Certamente pensariam duas vezes antes de puxar um gatilho e destruir, por um impulso mal calculado, tudo pelo que estivemos lutando.
— Então, colocando gentilmente, você nos escolheu porque acha que não vamos ter coragem de atirar?
— Ah, que legal — Jamie ironizou, ecoando em seu tom a insatisfação de Lily.
— Tudo bem. — Suspirei pesadamente. — Vocês estão perdendo o ponto aqui. O que estou dizendo é que vocês não farão nada impensado, não vão falhar por acidente ou antecipação. Ou medo ou preocupação. Vocês só vão agir se for estritamente necessário, se nossas vidas estiverem em risco de verdade. E farão isso com a segurança de que não estarão portando armas letais, portanto não vão precisar hesitar diante do fardo de tirar a vida de alguém.
Nós quatro ficamos em silêncio por um instante, meus três companheiros me analisando e eu esperando. Então Jamie soltou um assovio prolongado, erguendo uma sobrancelha.
— Uau, cara! Você pensou em tudo isso sozinho?
— É, uau — falou Lily rindo. — Acho que se é assim a gente pode tentar. Mas você sabe que os outros não vão concordar muito com essa estratégia paz e amor, não é? Quer dizer, os rapazes vão querer se armar até os dentes quando Sharon e Doc forem se encontrar com alguma Alma. E já foi difícil o bastante que Melanie deixasse Jamie mexer com armas.
— Acho que ela só deixou porque acha que ela e Jared vão estar lá para ficarem de olho em mim — Jamie teorizou.
— Quando eu terminar com vocês, vão estar com a pontaria tão perfeita que não vou nem precisar argumentar a favor de levar apenas os dois. Mas vou montar uma retaguarda em pontos escondidos também. Todos eles estarão por perto, a uma distância reativa, mas segura.
— Você acha que as Almas que você contatar levarão Buscadores? — Jeb questionou.
— Não, mas não estou disposto a arriscar, e o único jeito de garantir vai ser abordá-los de surpresa. Mas temos que preparar a ocasião muito bem, atraí-los para longe da civilização e, ao mesmo tempo, para bem longe de nossa casa.
— Posso ter alguns lugares em mente — ele respondeu.
— Bem, talvez eu devesse ter aberto os detalhes antes, então. Vocês estão sendo mais compreensivos do que imaginei.
— Que te sirva de lição — Lily se afastou, dando uma piscadela. — Vamos treinar, Jamie. Amanhã ele vai nos ensinar a mira em movimento.
— Show! — exclamou o garoto. E ambos se afastaram, colocando seus protetores de ouvido e concentrando-se na empunhadura dupla que eu tinha acabado de ensinar há pouco.
— Você se saiu bem, filho — Jeb me assegurou com a mão em meu ombro.
Sorri um pouco, um tanto sem graça mesmo que ele conhecesse bem minha fraqueza.
— Não estou acostumado a confiar. E nem que confiem em mim cegamente como eles estão fazendo.
— É, eu sei. Por isso disse que você se saiu bem. — Seu aperto congratulatório se intensificou um pouco e ele me olhou pensativo, depois abaixou a mão e ficou observando meus “recrutas”. — Como o Logan humano conseguia fazer as coisas? Digo, quando se tem a profissão que ele tinha é preciso confiar nos colegas, certo?
— Profissionalmente é diferente. Eles sabiam que eu cuidaria deles e então cuidavam de mim. Era simples desse modo, o porto seguro da vida dele. Mas na vida pessoal, no que diz respeito a emoções, era diferente.
— Como? Como é que se leva uma vida sem laços?
— Não é uma vida feliz, isso eu te digo, mas é sem complicações. E não é tão difícil. É o mesmo tipo de vida que eu levava antes de Estrela. Apenas uma questão de se focar no trabalho e na diversão que você pode ter. Mulheres, esporte, carros... Ele gostava disso e parecia o suficiente.
— Acho que também não é muito diferente da minha própria vida de solteirão convicto.
— Pois é — ri, tencionando fazer alguma brincadeirinha maliciosa, mas vi que ele estava sério. Então ele continuou como se eu não tivesse dito nada.
— ... mas eu tinha meus irmãos e sobrinhos. Amigos. Pobre garoto. Fico feliz que não tenha sido assim para você. — Jeb desviou os olhos de Lily e Jamie e me encarou. — Eu me pergunto se ele teria mudado também, como você mudou. Caso tivesse mais tempo.
Como eu poderia responder a isso? É claro que ultimamente eu pensava muito nele, mas não podia me culpar pelo corpo que me dava a vida, potencializava minhas paixões e gerara minha filha. Não dava para ceder a esse sentimento e pensar em como as coisas poderiam ter sido, como Lily dissera há pouco. Não era saudável para minha própria sanidade.
Eu não podia lamentar o Logan humano, apenas honrar o que restava dele em mim.
— Eu queria que ele tivesse sido feliz, mas tento não pensar muito nisso — confessei. — Honestamente, me sinto menos culpado assim. E gosto de pensar que, de alguma forma, sobrou muito dele em mim e estou sendo feliz por nós dois.
— Claro. É um bom pensamento.
— Você tem feito muitas perguntas desse tipo ultimamente. — Tentei escolher as palavras, mas não consegui, porque a melancolia dele estava começando a me deixar inquieto. — Existe alguma razão para você querer saber essas coisas? Ainda sente alguma coisa por causa da inserção?
— Não, não! — Jeb dispensou minha preocupação com uma expressão de desdém atípica dele. — Só estou pensando naquela nossa conversa sobre você querer conhecer mais sobre o Logan humano. Então estive me perguntando se você se lembrou de mais alguma coisa. Acho que Estrela tem razão sobre as partes mais dolorosas precisarem vir à tona para se curarem. Talvez se você se concentrasse na infância...
Eu queria conseguir. As lembranças sobre a vida do humano, mesmo as mais penosas, me faziam sentir mais perto dele e diferenciar o passado de quem eu tinha me tornado. Mas desde Nova Orleans nada novo me vinha.
— Só as mesmas memórias de sempre, por enquanto. Tenho tentado seguir esses conselhos, mas minha cabeça anda ocupada com muitas outras coisas.
Jeb assentiu, compreensivo.
— Bem, você vai lembrar. E se for algo difícil, Estrela e eu estaremos aqui para você. Tente se concentrar no que você já sabe e partir daí.
— É, eu sei. — Sorri tentando parecer otimista.
Mas, apesar de entender a lógica, eu não sabia se daria certo me esforçar por algo que devia vir espontaneamente. E ficava ainda mais difícil quando eu estava tão ansioso com o aqui, o agora e o que viria depois.




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