POV de Ian O’Shea
Abri os olhos imediatamente alerta e consciente de que algo
estava errado. Ainda era difícil acordar e ver o teto escuro da caverna,
respirar o ar morno, pesado e principalmente sentir o chão duro sob minhas
costas. Aqui era minha casa agora, minha e de todos os humanos que conseguiram
sobreviver à invasão alienígena. Demoramos a perceber que eles estavam entre
nós, tomando nossos corpos e vidas e quando nos demos conta, éramos poucos para
lutar frente a frente e tudo que nos sobrou foi nos escondermos nessas cavernas
e viver com cautela para não sermos descobertos. Caso isso aconteça seremos
caçados, nossas nucas serão abertas e eles colocarão um dos seus, em cada um de
nós, formas de vida parasitas apelidadas de “almas” que precisam de um corpo
para sobreviver. Vivemos aqui com precariedade, mas sem desistir de nossa
sobrevivência, pois o destino da consciência humana depende de nós.
Nesse instante, no entanto minha preocupação é uma das
almas. Onde está Peregrina? Ela deveria estar no “quarto” comigo. Ou não? O
cansaço fez com que eu não percebesse o que Peregrina fez quando fui dormir.
Uma Alma, a peregrina que foi acolhida aqui como uma alma aculturada e recebeu
de Jeb o apelido de Peg.
Levantei e preocupado comecei a pensar nas diversas
possibilidades de onde ela poderia estar. Pela minha cabeça passaram todas as
coisas ruins que aconteceram a ela desde que chegou aqui. Afinal nem todos são
capazes de aturar a presença de um representante daqueles que estão roubando o
planeta de nós. Será que Kyle fez algo à ela? Ou Jared se descontrolou de novo?
Ou Doc? Sei que Kyle, meu irmão, a odeia simplesmente por ser uma alma e
esqueceu-se de todas as coisas boas que Peg tem feito por aqui. Doc, nosso
médico, porém é aquele que mais me dá medo.
Ao pensar em Doc me senti gelar, lembrei-me do clima
estranho entre os dois, algo que ela fez questão de me esconder. Nesses últimos
dias pareceu que os dois tinham um segredo sobre a retirada de aliens dos
corpos humanos. Método ensinado por Peg.
Ficar cogitando sobre o que pode ter acontecido a ela fez o
pânico tomar conta de mim e decidi não esperar Peg aparecer. Às pressas peguei
o caminho entre as galerias que levam ao “consultório” de Doc. Alguém que não
estivesse acostumado a andar por aqui facilmente se perderia no escuro e chegaria
a outro lugar, mas depois de toda a movimentação naquele consultório durante os
últimos dias acabei decorando. Estava com tanta pressa que nem reparei em outra
pessoa vindo em minha direção. Era Jared e somente ao esbarrar nele é que
percebi sua presença e o pior, a sua expressão. Ele estava transtornado, em seu
olhar percebi o misto de dor e...felicidade? Somente uma coisa poderia causar
essa reação nele e infelizmente estava ligada a Peg.
Sou muito bom em intuir as coisas, por isso agarrei Jared pela
camisa e o joguei contra a parede com toda a força. Algo havia acontecido e de
alguma forma Jared estava envolvido. A raiva substituiu o medo e eu perguntei
entredentes:
__ Cadê a Peg?
Jared me olhava sem reagir, parecia estar com pena e
totalmente compreensivo como se entendesse essa reação e pior esperasse.
__Jared eu não quero machucar você!__eu não queria mesmo__
Onde está Peg?
Jared me olhou no fundo dos olhos.
__ Eu sei como você se sente Ian. Acredite, pode contar
comigo.
A dor que eu senti ao entender tudo nessa hora quase
substituiu a raiva. Quase, por que eu o soquei com força e saí correndo para
encontrar o doutor. Ainda deu tempo de ouvir Jared gritar:
__ A escolha foi dela Ian. Ela fez Doc prometer.
Talvez ainda desse tempo de impedir o doutor de agir. Corri
como se minha vida dependesse disso e para ser bem sincero sinto que é assim.
Amo Peg com todas as minhas forças e não sei o que sou capaz de fazer aos meus
amigos se um deles fizer mal a ela.
No corredor do consultório escutei um choro baixo e
comovido, ao entrar presenciei a cena mais chocante de minha vida. Nunca
imaginei sentir dor como se meu peito fosse rasgado ao meio. Nesse instante
entendi perfeitamente o que Peg sentiu quando viu os corpos dos aliens
despedaçados na mesa no dia em que ela fugiu para a sala de jogos.
Na minha frente estava o doutor, em pé diante de uma maca,
chorando, com a nuca da Melanie aberta, as mãos sujas de sangue e um brilho
prata na palma da mão denunciando a presença de uma alma, a alma que eu amava.
Minha peregrina que viajou por muitos mundos, viveu muitas vidas para chegar
aqui, me conquistar e acabar dessa forma.
A única coisa que me impediu de avançar em Doc foi perceber
que o brilho prata de alguns centímetros em sua mão se mexeu, ela estava viva,
completamente frágil e indefesa, a mercê de cada um de nós.
__ A coloque no criotanque agora!
Por um instante o doutor ficou sem reação, então se refez e
falou como se eu fosse uma criança:
__ Ela não quer isso Ian. Tente entendê-la. Tantos mundos e
vidas, mas nunca uma vida dela.
__A coloque no criotanque, por favor.
Agora eu implorava e quando ele hesitou eu dei um passo à
frente com o objetivo de forçar ele a me obedecer nem que eu tivesse que usar a
brutalidade. Senti duas mãos me agarrarem. Jared! Ele me segurava porque temia
que eu machucasse o doutor antes dele acabar de cuidar de Melanie. Eu
provavelmente faria isso, Peg estava morrendo.
Foi quando Jared olhou para a maca e viu a nuca da Melanie
aberta. O grande amor da vida dele também estava correndo risco de vida.
A urgência não era somente minha agora, Melanie estava tão
exposta quanto Peg na mão do médico.
Aproveitei o susto de Jared e me soltei. No chão estavam
alguns criotanques, peguei o primeiro que vi e estendi para o doutor.
__ Ian, ela pediu para que não a mandássemos a outro
planeta. Queria ser enterrada aqui na Terra.
Enterrar Peg? Mandar ela embora daqui? Esses pensamentos
eram incompreensíveis para mim.
__ Não vai acontecer nenhuma dessas duas coisas.
A contragosto ele colocou a alma no frasco, que eu tomei
dele com raiva, e voltou sua atenção ao corpo de Melanie. A sutura foi rápida e
Doc usou um dos sprays dos aliens para a cicatrização. Jared agora estava
tranquilo e havia esquecido completamente de mim com sua atenção voltada toda
para Melanie. Ele esperava que ela acordasse logo, sempre havia a possibilidade
da consciência humana nunca voltar e quando isso acontecia era como se a pessoa
estivesse em coma profundo para sempre.
Não vi o que aconteceu depois disso, eu segurava o frasco
consciente de que Peg estava ali dentro, completamente indefesa, eu não podia
abandoná-la em hipótese alguma. Qualquer pessoa dentro daquelas cavernas, mesmo
uma criança poderia matá-la agora.
Todo o barulho que fizemos chamou atenção dos que estavam
por perto nas galerias trazendo para o consultório, Jamie, Jeb e Kyle. Ao ver
meu irmão abracei ainda mais o criotanque. Eu não acreditava muito na trégua
dele com Peg e achava que ele seria o primeiro a tentar alguma coisa.
Uma discussão começou, mas eu não prestei atenção ao
assunto. Eles estavam perto da maca e eu fui para um canto da caverna tentando
pensar em uma solução, algo que fizesse Peg ficar comigo. Não sei qual foi o
acordo que ela fez com o doutor, nem como ele conseguiu tirá-la do corpo de
Melanie sem danificar o cérebro dela, ainda tem muita coisa acontecendo essa
noite que eu não consigo entender, mas a única certeza que eu tenho é que pouco
me importam as promessas de Doc, Peg ficaria na Terra e ficaria viva.
Algum tempo passou, não sei precisar se foram minutos ou
horas, para mim, o tempo havia parado quando Jared veio até o canto onde eu
havia me refugiado. Tomei o cuidado de proteger o frasco em que ela estava.
__ Ian...
__ Não se aproxime de NÓS Jared, eu juro que faço você se
arrepender.__ pra mim ela era uma pessoa como todo mundo.
__ Qual é seu problema, somos todos amigos aqui, irmãos de
uma mesma causa.
Pela primeira vez olhei para ele depois do soco. O nariz
estava um pouco inchado, mas fora isso nem parecia que eu tinha socado ele.
Curiosamente naquele instante eu não sentia remorso em bater num amigo.
__ Amigos? Irmãos? Eram amigos dela também antes de tentar
matá-la?
__ Não foi nada disso! __ pela primeira vez Doc se
manifestava a respeito do assunto.
__ Não? O que foi então Doc? Você mesmo disse que ia
enterrá-la.
Ao pensar nisso minha vontade agora era de socar o doutor,
Jared parecendo adivinhar minha vontade se interpôs entre nós.
__Enquanto você estava no canto encolhido, chorando que nem
uma menininha, eu expliquei aos outros. Tudo foi decisão dela, ela decidiu
devolver o corpo a Melanie em troca de me ensinar como remover as almas dos
corpos humanos sem machucar ninguém. Me fez prometer que não ia mandá-la a
nenhum outro planeta e sim enterrá-la aqui junto dos nossos.
Novamente a ideia me causou repulsa, no entanto não tive a
chance de dizer nada.
Uma voz, assustadoramente clara e alta para a situação,
porém imperiosa disse:
__ Peg não vai a lugar nenhum!
Todos nós olhamos para a maca. As reações foram diferentes,
Jamie praticamente pulou na irmã, Jeb ficou parado com um sorriso largo no
rosto e Jared não cabia em si de felicidade quando deu um longo beijo nela.
Eu, no entanto, não participei de toda essa euforia. Era
egoísmo eu sabia, mas para todos terem Melanie de volta eu tinha que abrir mão
de Peg.
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