Prólogo
Charlie
era um anjo da guarda. E como tal, ele fora destinado a um espírito desde o dia
de sua concepção. Já no espaço —
terra de ninguém, nem do céu e nem do inferno, e de nenhum tormento ou penúria
e que de nada tem haver com o dito espaço
sideral — Charlie se viu incumbido de guiar e orientar sua pupila: Luz De Ternura.
Luz
De Ternura desde o dia de sua criação como espírito, sem carne em que se fixar,
já se mostrava doce e gentil. Sempre tinha uma dúvida, uma curiosidade insaciável,
uma ternura inigualável que permitiam que ela aprendesse e respeitasse tudo
muito rapidamente. Era de encher os olhos tanto de seu criador quanto de seu
anjo protetor.
Séculos
mais tarde, quando Luz De Ternura foi destinada a um corpo, uma matéria física
que como seu espírito também tinha a vitalidade feminina, Charlie a seguiu
cegamente para continuar seu dever de orientar e ajudar, agora que ela
assumiria o caráter humano tão cheio de inconstâncias emocionais e
arrebatamentos sensoriais.
Assim
que Luz De Ternura abriu seus olhos para o mundo e fora acolhida por seus pais,
ela ganhou um novo nome; passara a se chamar Renée. O bebê tinha a pele alva
dos recém-nascidos e os olhos num tom de azul cinzento que mais tarde se
tornaria azul-esverdeados.
Como
o espírito que na carne habitava, Renée se desenvolveu afoita de aprendizagem,
gentil como um anjo querubim e linda como nunca antes vistas. Charlie
acompanhou os crescimento da jovem e ao contrário ao que se manda as regras,
ele nunca se manteve oculto a ela.
Quando
a jovem alcançou a adolescência e fora arrebatada pelos hormônios juvenis, foi
com grande penúria e por um sentimento desconhecido que Charlie guiou seus
atos. Era incompreensível para ele o sentimento que o atormentava cada vez que
ele via sua pupila ser cortejada por um cavalheiro; sentimento esse que fora
multiplicado em um batalhão quando ela começou a corresponder certa investida
aos vinte anos de idade.
Quando
a sós, Charlie deixava claro seu descontento e ainda mais claro o sentimento que
o sufocava e que ele não sabia nomear, mas sua pupila, sim.
—
Está com ciúmes. — Afirmara Renée numa tarde, conversando com seu anjo da
guarda debaixo de uma árvore.
—
Que é isso? Que é ciúmes? — Charlie perguntou ingenuamente.
—
É esse sentimento que você sente. Parece raiva, mas não é. Tem uma pontada de
raiva, que sempre se dissipa dando lugar ao desejo. Desejo esse que se mescla
com o sentimento de posse e por consequência, de traição.
Charlie
não negou, porque o sentimento fora perfeitamente descrito por sua pupila.
—
E porque sinto isso? — Perguntou para si mesmo, meditando em seu interior uma
resposta convincente.
Renée
respondeu a ele de forma doce.
—
É porque você me ama e me quer só para ti. — Charlie a olhou espantado. — Quer
ocupar o lugar que um cavalheiro ocupa ao lado de uma dama, trocando amor e
carícias.
Ao
ouvir as palavras tudo se encaixava, mas parecia tão horrível isso, porque lhe
soava como algo proibido e contra a mão natural da ordem das coisas.
—
Eu não posso te querer só para mim. É errado. Você tem que seguir seu caminho.
— Charlie continuou seu murmúrio, só para si. Renée escutara tudo e se
entristeceu.
—
Eu não acho que seja errado. Também te amo e também te quero só para mim.
Quando aceitei as investidas de Phill... — Renée balançou a cabeça e não
concluiu seu pensamento. Olhou para o lado oposto de seu anjo por um longo
tempo. Quando voltou a falar, sua voz não passava de um sussurro. — Como pode
ser errado se nos amamos? Onde há amor, não há errado ou proibido.
Charlie
estava atormentado, e pela primeira vez desde que Luz De Ternura encarnara num
corpo, ele se afastou dela.
—
Preciso ir. — Disse simplesmente.
Renée
acompanhou seu anjo da guarda se levantar ao seu lado e se preparar para alçar
voo. Charlie era um homem belo que aparentava ter seus trinta anos. Os cabelos
negros impecáveis era penteado para frente lhe dando um ar juvenil. As
sobrancelhas grossas, o nariz reto, os molares salientes, a pele argêntea e a
altura imponente lhe davam a beleza que fariam qualquer moça suspirar de
desejo.
Charlie
deixou suas asas se abrirem, revelando penas feitas de luz brilhante e pura,
quase ofuscante. Em apenas um bater de asas, ele se resumiu a um minúsculo
ponto de luz e sumiu.
Renée
relutou em deixar o lugar, esperando que ele voltasse. Quando uma hora se
passou, ela percebeu que não ocorreria e triste, se recolheu para a casa de
seus pais. Seus pais até indagaram a tristeza da jovem, mas há muitos anos,
Renée tinha aprendido que dizer que conversava com seu anjo da guarda não era lá
visto como algo mentalmente saudável. Quando a menina tinha doze anos e ainda
insistia no assunto, seus pais até cogitaram uma internação. Orientada por
Charlie, Renée aprendeu a se calar e quando indagada, aprendeu a responder:
“Estava conversando
com meus botões.”
Ao
que parecia, para a maioria, era muito mais saudável dizer que estava falando
sozinha que revelar que estava conversando com um ser mítico, mesmo que este fosse o símbolo da Igreja Católica.
Nem mesmo dizer que estava rezando em voz alta, funcionava. Aos olhos de muitos
e até mesmo aqueles que beijam a saia dos padres, rezar era sinônimo de beatice
ridícula, vergonhosa. Que deve ser oculta de todos como se isso fosse um grande
crime. Rezar se resumia a uma mentira social como o “vou rezar por você”; que na verdade, nada se rezava. Ou então,
rezar era algo que os criminosos
faziam. Criminosos como benzedores e médiuns. E novamente isso era uma grande
blasfêmia para os moralistas religiosos. Era de conhecimento de todos os anjos
que os criminosos, procuravam ler a
Bíblia e se interagir dos preceitos de Deus, mais que os clérigos e Ministros
Evangélicos.
Charlie,
pela primeira vez em muito tempo não foi para o espaço. Lá não era o lugar onde ele encontraria as respostas que
precisava ou a orientação que desejava. E por isso ele seguiu direto para
ultima e mais importante dimensão. Lá
ele logo procurou os anjos superiores na doutrinação, mas ele queria conversar
com um em especial: Judá.
—
Está me procurando? — Judá perguntou se aproximando com calmaria.
—
Preciso de ajuda. Creio estar fazendo algo que não é permitido aos olhos de
nosso Deus. — Charlie disse esbaforido, coçando a nuca e eriçando os cabelos
curtos.
—
Vem comigo. — Judá chamou apontando uma direção a sua frente. Ambos começaram a
andar lado a lado. Judá mantinha uma calma irritante para Charlie que estava se
sentindo mais humano que anjo. — Diga. Não tenha medo de critica.
—
Tenho mais medo de te comprometer que outra coisa, meu caro. — Charlie disse
num suspiro.
Olhou
ao lado e percebeu que ninguém se preocupava com eles a não ser com seus
deveres. Com desolação, Charlie contou o que se passava com ele. O ciúme
crescente, o desejo infundado, e a paixão... Sentimento humano, mas que de
algum modo se instalou em suas entranhas e ainda por cima, por sua pupila.
Judá
escutou tudo com atenção e sem esboçar sentimentos ou recriminação. Quando
Charlie terminou seu desabafo, olhou para o amigo de velhos tempos e esperou
uma palavra que fosse e nada foi dito. Já estava cogitando se virar em seus
calcanhares e voltar para sua pupila, por quem um sentimento saudoso e
sufocante, crescia a cada segundo em seu peito.
Foi
quando Judá deu sua resposta que a principio, parecia que de nada tinha haver
com o caso de Charlie; apenas uma conversa banal entre velhos amigos.
—
Há muitos anos, não me sei bem o tempo, mas acredito que tenha quase quatro
milênios... Um homem, irmão de muitos, se deixou guiar pela cabeça inconstante
deles e vendeu seu irmão como escravo... ciúme bobo e quem sabe até mesmo
inveja. — Judá meditou consigo mesmo, perdido em lembrança. — Conhece essa
história? — Judá perguntou de repente a Charlie que deu de ombros, como se isso
nada fosse importante. Era natural que Charlie não conhecesse a história, tendo
em vista que ele fora criado muitos anos depois, apenas dois séculos antes da
criação do espírito Luz de Ternura. — Esse homem estava casado e teve treze
filhos com sua mulher. Eram tempos de guerra. — Meditou consigo numa grande
tristeza. — As crianças de algum modo eram diferentes e mais diferentes ainda
quando já adultos não envelheciam, não morriam, e quando deparados com uma
guerra eles assumiam a forma de filhotes de leões com grandes asas. Eram
vorazes, mas bem adestrados, por assim dizer... Não matavam por matar, apenas
para acabar com a guerra... Ganharam então o nome de Leões de Judá. — Judá
calou-se, esperando a compreensão nos olhos do amigo, como nada houve, ele
revirou os olhos e continuou sua história. — Judá, atormentado, perguntou a sua
mulher Elisa o que havia de errado com seus filhos. Qual a surpresa dele quando
Elisa se virou para ele e respondeu: “É
porque eles são frutos de um anjo com um humano”. Ele se virou e disse que
aquilo não era possível porque tanto ele quanto a esposa eram humanos... foi
quando algo lhe ocorreu e tomado por ciúme, indagou se a mulher o tinha traído,
mesmo que fosse com um anjo. A mulher nada disse, apenas deixou suas asas
aparecerem, sua pele reluzir e suas vestes se transfigurarem para vestes azuis
celeste com detalhe verde oliva.
—
Isso realmente aconteceu? — Charlie perguntou espantado.
—
Sim, comigo. — Judá respondeu simplesmente e sorrindo, apontou para frente,
onde Elisa estava distraída, olhando para uma arvores de flores amarelas.
—
E você não fora digno de julgamento? Não era errado? Digo, ela era um anjo...
—
Ela tinha sido destinada a mim. Era o destino dela. Era o meu destino. Devia
ter aprendido nesses anos que você existe, que nada se realiza sem seja da
vontade DELE.
—
Obrigado, meu amigo. — Charlie agradeceu e feliz voltou para sua Renée.
Os
anos se passaram e o relacionamento deles era terno com momentos de paixão.
Quando os pais da jovem começaram a importuna-la dizendo que era hora da mesma
se casar, Charlie se viu obrigado a tomar uma atitude definitiva.
Assumiu
a forma humana e se apresentou aos pais da mesma como um cavalheiro que busca a
mão de sua amada. A recepção não fora boa. Os pais queriam para sua filha um
homem que no mínimo tivesse carreira e uma casa para morar. Charlie correu e
providenciou os atributos humanos necessários, tudo para que pudesse ficar com
sua amada. Três anos se passaram até que ele conseguisse reunir o necessário:
profissão e casa. Assumiu uma profissão humana muito próxima a antiga, era
guarda-policial. A casa simples era aconchegante. Mesmo com relutância dos pais
de Renée, ambos se uniram no matrimonio, e seguindo para outro estado
construíram suas vidas.
Charlie
por causa de sua condição inumana sempre se via numa situação complicada; hora
assumindo sua forma de anjo, hora se equilibrando na vida humana. Quando na
forma de anjo, as coisas não eram fáceis, nem todos seus colegas aceitaram sua decisão e sempre o importunavam. Quando
humano, sua vida era complicada, porque ele parecia extremamente ingênuo para
as artimanhas e mentiras humanas.
Um
ano depois de unido a Renée, ela deu a luz a uma menina encantadora como a mãe,
reluzente como o pai: Isabella Swan. Charlie tinha conhecido há muitos anos o
espírito de Bella, que na época se chamava Lua
do Cantor. E agora ele se sentia encantado pela honra de tê-la como sua
filha. Lua tinha sido criada da
ínfima parte da energia que deu origem a Charlie, então, agora, Charlie
percebia que ela sempre fora sua filha, só que na época, ele não tinha
entendido a excentricidade da criação.
Bella
abriu seus olhos azul-esverdeados como da mãe e fitou a sua volta. Os médicos
da sala ficaram espantados com o modo como a pele do bebê parecia reluzir, mas
deixaram isso passar como se isso fosse algo normal.
Judá,
único amigo que parecia entender o que Charlie passava, se aproximou dele
quando este já estava em casa.
—
Ela é muito bonita. E muito parecida com você. — Judá disse pegando a pequena
no colo.
—
Você também é um anjo? — Renée perguntou timidamente. Judá lhe sorriu e ao seu
lado apareceu Elisa, sua companheira de eternidade.
—
Não. Mas ela, sim. Eu sou apenas um homem que se tornou espírito e com o tempo
evoluiu.
Elisa
sorriu e pegou Bella do colo do companheiro. Bella olhava tudo com curiosidade
incessante.
—
Você terá que educa-la, Charlie. — Elisa disse com melancolia. — Não será fácil
para ela entender a própria condição incomum em que vai se encontrar... Saber
ler as pessoas ou sentir a energia dos que estão a volta dela... Ficará ainda
mais difícil quando ela alcançar seu crescimento e se tornar diante do perigo,
um pequeno leão de guerra. Ela terá que aprender a se controlar... controlar
seus instintos... controlar sua força.
—
O que aconteceu com seus filhos? — Charlie perguntou temeroso pelo futuro de
sua pequena. Renée há tempos já tinha ouvido a história da boca de seu amado.
—
Ainda vivem. — Elisa respondeu, mas parecia que ocultava algo. Vendo a
curiosidade preocupada por parte do colega, esclareceu. — Não foram tão
cuidadosos e se expuseram... cada um a seu tempo. Não é porque são incomuns que
não puderam ser abatidos. — Calou-se, triste. E depois, como se a face de Elisa
se iluminasse a uma recordação, ela acrescentou. — Hoje estão na terceira
dimensão, ainda aprendendo.
Renée
tomou no colo sua filha e pela primeira vez temeu ter feito escolhas erradas.
Abrigou a menina em seu peito, aspirou o cheiro de bebê, e torceu para que
nunca, nada de mal acontecesse com Bella.
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