sexta-feira, 12 de abril de 2013

OLDM – Capítulo 2




Capítulo Um
Chato de Galocha

Bella acordou de madrugada um pouco assustada. Uma discussão no andar de baixo chamou sua atenção. Com medo de ser repreendida caso fosse pega fora da cama naquela hora e ainda por cima, escutando uma discussão que não deveria ser ouvida, Bella foi de ponta dos pés até a escada e espiou o que acontecia no andar de baixo.
Da sua posição ela pode ver o que ocorria: sua mãe estava acordada e tentava se enrolar mais do que estava enrola no próprio roupão cor verde claro. Seu pai passava constantemente as mãos nos cabelos curtos deixando eriçados. A pequena, mesmo com dois anos, já sabia que isso era uma atitude de seu pai quando nervoso.
Junto com eles, estava um homem que Bella nunca tinha visto antes.
— Você está colocando toda a legião de anjos em risco com esse seu relacionamento insano. — Bradava o homem desconhecido.
— Eu a amo. Não vejo como isso possa perturbar vocês. — Charlie disse com calma, mas o rosto vermelho e as veias do pescoço saltando.
Bella se agachou na escada e sentou no chão, para ver melhor o que ocorria, junto com ela tinha sua colcha, ou como sua mãe chamava: o cheiro. Era todo feito de choche de diversas cores e parecia que cada parte dele, tinha um cheirinho todo especial que a menina tanto gostava de levar ao nariz e inalar, algo que ela fazia para se acalmar. Mesmo sendo pequena, ela estava perturbada com o que ouvia. Não era a primeira vez que presenciava uma dessas discussões. E sempre era um homem diferente. Muitos até diziam algo como: “a criança tem de ser eliminada para o nosso bem.
— Não vê? É cego? — O homem disse se inclinando na direção de Charlie, quase unindo os rostos. Renée observava tudo abalada, tentando se fazer de invisível. — O que você pensa que vai acontecer quando descobrirem que a menina é metade anjo? Você acha que nunca vão raciocinar que para ela ser metade anjo, um de vocês tem de ser um anjo? E o que você acha que as pessoas vão fazer? Será que você se esqueceu como esses fanáticos religiosos agem?
— Não. Não me esqueci. Mas vai ser diferente conosco. — Charlie disse se afastando do homem e abraçando Renée que só agora Bella percebeu que chorava silenciosamente.
Bella se agarrou mais ainda ao seu cheiro.
— Diferente como? Pode me explicar? — O homem disse se se encostando à mesa e cruzando as pernas e os braços, numa falsa aparência de calmaria.
— Bella vai ser treinada. Eu já estou ensinando ela. — Charlie disse fazendo Bella prender a respiração e perceber enfim que todo esse tempo, quem eles queriam morta, era ela. — Ela vai entender que não pode se expor. Vai entender que isso pode significar um risco para ela.
— E nós? — O homem perguntou descruzando os braços e apoiando as mãos na lateral da mesa onde seu corpo repousava.
— Vocês o que? — Charlie perguntou sem entender.
— Já parou para pensar o risco que vamos correr quando descobrirem que ela é filha de um anjo? Já pensou o que vai acontecer a Renée ou a você?
Bella, mesmo sendo uma criança, não deixou passar que o homem disse quando e não se acontecesse a descoberta. Era certo para eles que um dia iriam a descobrir. A única questão era quando.
— Com Renée? — Charlie perguntou ainda mais confuso.
— Sim, com sua esposa, se é assim que posso chamá-la. — Fez uma pausa e depois acrescentou, estreitando os olhos. — Ou devo dizer sua pupila? — O cara disse com ironia na voz.
— O que você quer dizer? — Renée falou pela primeira vez, com a voz alquebrada.
— Quero dizer que o mundo de vocês tem muitos fanáticos religiosos e que quando eles descobrirem, eles matarão o anjo responsável por... — O homem fez uma pausa, levantou as mãos, e fazendo aspas no ar, acrescentou: — Essa heresia. — Se desencostou da mesa e caminhou para perto de Renée que abraçou ainda mais o marido. — E depois vão matar aquela criança. Entenderam agora o risco? — O cara disse com olhos frios, cruéis. — E depois disso, irão caçar todos os anjos. E você, Charlie, sabe que muitos vivem entre os humanos. Só porque somos anjos, não significa que não possamos ser aniquilados. Mas ainda que esse fosse o pior problema. Quando até mesmo os ateus foram levados a acreditar que o céu é um lugar de orgia, todos perderão a fé. Muito se deixaram ser arrebanhados pelo senhor do inferno e outros tanto não verão mais motivos para restringirem seus atos indigno, porque o céu já vai ser indigno o suficiente para eles. Você realmente acha que eles vivem de amor e compaixão como nós vivemos? Você realmente acredita que eles são capazes de aceitar as coisas sem julgar conforme os preceitos deles de que anjo não tem sexo, de que anjo não ama, de que anjo é o escravo deles e tem de fazer tudo o que eles querem na hora que querem?
Charlie cambaleou e ficou pálido, olhou a sua volta um pouco, passou as mãos nos cabelos e coçou a nuca, depois levantou a cabeça e com determinação disse:
— Minha filha não vai correr risco algum e não vai oferecer problema algum a vocês. Essa a minha palavra.
— Quer saber? Não quer me escutar, não escute. O tempo vai mostrar que sempre estive certo. Quer viver esse amor insano? Então viva. Mas depois não chore pelo leite derramado.
Dito isso, o homem deixou que suas asas, feitas de penas de luz, se abrissem. Bateu elas duas vezes, virou um minúsculo ponto branco de luz e sumiu no segundo seguinte.
Charlie puxou Renée para seu braço e encostou o queixo no topo da cabeça dela. Bella se levantou tomando cuidado para não fazer barulho. Deitou na cama, abraçou o seu cheiro e ficou olhando o quarto apenas iluminado por um fraco abajur que projetava pequenos anjos na parede do quarto.
Anjos não eram tão bons como diziam, Bella pensou chateada. Eles eram chatos, chegou à conclusão.
— Não somos chatos. — Disse Seth aparecendo e se sentando na beirada da cama de Bella.
Seth era seu anjo da guarda. O que de certa forma, parecia ser de um humor negro, já que Bella sendo metade anjo, ainda precisava de um anjo para cuidar dela.
Bella olhou para seu anjo, que tinha aparência de um adolescente de quinze anos e pele olivácea, fez um beicinho de birra e o olhou com desafio.
— Ele só tem medo por todos nós. O problema não somos nós, Bella. — Seth disse compreendendo que a menina em sua teimosia infantil, acreditava ainda que os anjos são chatos, sim. — O problema é que tem muitos humanos que acham que somos seus escravos e outros tanto que acham que tem que nos domar. E isso, sim, é a parte complicada, menina. Se essas pessoas descobrem você, seja por motivo que for, eles te matam ou pior... — Seth disse encolhendo os ombros e não terminando o que iria dizer.
Bella, como toda criança, é extremamente curiosa. Sentou-se na cama e abraçada ao cheiro, questionou:
— O que pode ser pior? — Disse numa voz infantil.
Seth a olhou demoradamente, mas não foi preciso ele responder. Charlie adentrou o quarto e não estranhou ver Seth ali.
— Estava escutando escondido de novo, filha? — Charlie perguntou acariciando os cabelos negros de sua filha que o olhou timidamente e envergonhada por te sido pega de novo no flagra. Sem ter o que fazer, ela acenou com a cabeça. Charlie fitou os olhos claros da filha e dando um suspiro, sentou-se na cama e a colocou em seu colo. Renée observava tudo da porta, alheia a presença de Seth que só se mostrava a anjos, ou metade anjos, no caso. — Pior seria torturar.
— Torturar? O que é isso? — Perguntou Bella colocando a pequena mãozinha no rosto do pai.
Charlie suspirou, trocou um olhar com Seth e por fim, respondeu.
— Torturar é machucar bastante até a pessoa sentir muita dor.
Bella estremeceu se lembrando da dor de bater o dedo na quina no móvel, mal sabendo que aquela dor, tão terrível para ela, não chegava nem perto da dor que sofreria caso fosse torturada.
— E o que eles ganhariam se me torturasse? Só me fazer chorar? — Perguntou ingenuamente.
— Não. — Charlie disse agitando a cabeça e fitou a parede enquanto respondia. — Eles fariam isso para você dar a localização de todos os anjos que eles julgam estar fazendo as coisas erradas.
Bella arregalou os olhos.
— Mas eu só conheço uns poucos anjinhos. Os outros que eu conheço nem parecem gostar de mim. — Disse com tristeza, enrolando o dedo no cheiro.
— Mas eles não saberiam que você está falando a verdade.
— E o que aconteceria se eu dissesse onde encontrar esses anjinhos?
— Eles iriam até lá e também torturariam esses anjos para saber onde estão os outros. E quando soubesse de todos, todos iriam ser mortos.
— E porque eles matariam os anjinhos?
— Porque para uma grande parte de fieis... — Charlie disse com nojo contido. — É um pecado sem fim um anjo se unir a um humano e gerar um filho. Eles não entendem que onde há amor, não há pecado. Para eles isso é um escândalo, algo reprovável.
Bella meditou sobre o que o pai dizia e depois como se finalmente entendesse, ela fez uma comparação.
— É errado para esse povo do mesmo jeito que aquele repórter fez parecer que era errado vender aquela carne que eles disseram que tinha cavalo no meio e depois jogaram tudo no lixo?
Charlie acenou com a cabeça.
— Igualzinho aquilo.
— Mas não era errado, era?
— Em minha opinião, não era, filha. Mas a sociedade é hipócrita. Só porque no rotulo não tem o que eles jugam ser certo, aquilo deveria ser jogado no lixo, dispensado como se estivesse contaminado. Um grande absurdo, mas é assim que eles pensam. Os humanos criam tantas regras do que é certo e errado, que se esquecem do que é mais importante.
Bella, na sua ingenuidade infantil, se viu desviada do assunto principal, algo que Charlie agradeceu imensamente.
— Eles bem que poderiam dar aquela carne toda para aqueles que vivem morrendo de fome, né, pai?
Charlie sorriu e depositou a filha na cama, permitindo que ela abraçasse de novo o cheiro e depois a cobriu, beijando o topo da cabeça da criança.
— Sim, filha. Sim. Agora durma. Amanhã será o dia do nosso piquenique.
— Boa noite, pai. Boa noite, Seth. — Bella disse, sem ver a mãe que ainda observava tudo encostada no batente da porta.
Renée ergueu a sobrancelha diante do cumprimento da filha: era a primeira vez que ela chamava o anjo de guarda pelo nome. Aproximou-se da filha e depositou um beijo na testa da menina que abriu os olhos rapidamente para ver quem era e sorriu para a mãe.
Charlie e Renée saíram abraçados do quarto, ainda abalados pela discussão da noite, mas felizes por Bella no final ter se distraído do que ouvira.
(...)
Era final de semana e como Charlie não teria que trabalhar, ele aproveitava para sair com a filha e a educá-la no que era necessário, além de ter um momento com sua pequena. Renée sempre os acompanhava preparando uma cesta de piquenique que tinha dentro o suco de laranja predileto da criança, a vitamina de goiaba, predileta de Charlie e o bolo de café, predileto de ambos (quem quiser a receita me manda um MP).
Charlie abraçou Renée com um braço e Bella com outro, permitiu que suas asas se abrissem, batessem duas vezes e então os três se tornaram minúsculos pontos de luz branca e sumiram, para logo em seguida se materializarem na campina que sempre iam para esses momentos.
Renée estendeu o pano laranja no chão e deixou a cesta do lado, sentando-se em seguida. Charlie já estava com a menina que corria pela campina rindo da sensação de liberdade. Quando se cansou, a menina caiu no chão rindo e levando consigo uma flor de lavanda.
— Filha, vamos. — Charlie disse e a menina com resignação se levantou e caminhou na direção do pai.
Durante toda à tarde, Charlie contou histórias a menina. Essas histórias tinham a única função de fazer a menina entender o que acontecia com ela: a capacidade dela por ser meio anjo e que a tornava diferente dos outros.
A aula de hoje era para que Bella entendesse os dons de um anjo e por consequência os dons que um meio anjo tinha. Ele explicou a ela coisas como o porquê quando ela olhava para mãe ou para qualquer outra pessoa ela via uma luz em volta da pessoa que se sobrepunha em várias camadas e que podia ter vários tipos de cor e que aquilo se chamava aura.
Ele explicou que quando ela aprendesse a ler a aura da pessoa, ela poderia ver as coisas mais marcantes que ela tinha feito na vida até aquele momento e algumas coisas que aconteceriam na vida da pessoa independente da decisão dela.
Bella escutava tudo atentamente e seguiu seu aprendizado comendo o bolo de café que sua mãe fazia. Para Renée tudo soava muito complicado, mas vendo o jeito de sua filha, ela compreendeu que para a menina era fácil, tendo em vista sua natureza.
Por enquanto, Charlie tinha decidido não se aprofundar nas outras extremidades da capacidade de um meio-anjo. E naquela semana, ele passearia com a menina para que ela visse pessoas novas e com isso suas auras e em cima de cada pessoa, ele ensinaria a menina a entender o que o arranjo de cores significava.
Em casa, Renée questionou no que isso seria importante para a criança e Charlie teve que explicar que dependendo da pessoa, era nato o mal que ela podia fazer e o risco que Bella correria caso se permitisse uma aproximação. Renée resolver não fazer mais perguntas, compreendendo que por mais que seu esposo explicasse, ela não compreendia totalmente o que ele queria dizer, mas confiava nele cegamente.
(...)
Novamente Bella acordou sobressaltada com uma discussão no andar de baixo. Olhou a sua volta e Seth acenou a cabeça a incentivando a ir ver o que era. Bella agarrou seu cheiro e na ponta dos pés, se agachou no topo da escada para ver o que ocorria lá embaixo.
Era o mesmo homem da noite anterior, mas dessa vez seu pai estava sozinho. Bella levantou e correndo na ponta dos pés foi até a porta entreaberta do quarto dos pais e viu que sua mãe ressonava profundamente. Bella arrastou seu cheiro consigo, voltado no topo da escada e apurou os ouvidos para ouvir o que acontecia no andar de baixo.
— Eu não acredito que agora vou ter que te aturar aqui todo santo dia. — Charlie dizia estupefato.
— Nem eu. Sua culpa, claro. Se não fosse suas ideias constantes de se manter nessa loucura eu não seria incumbido de virar assistente de anjinho. — Disse o homem com desdém, depreciando a função de Charlie.
Charlie revirou os olhos e olhou profundamente o cara por longos minutos. Por fim, ambos por algum motivo suavizaram as feições e riram em seguida apreciando alguma piada interna.
— Qual será a pedra que eu atirei para te ter sempre vigiando aos meus passos? — Charlie disse, mas não parecia estar reclamando de modo algum, por que riu em seguida.
O cara replicou, também rindo.
— E eu? Devo ter atirado um penhasco inteiro para ter que cobrir seus deslizes.
Dito isso, os dois se abraçaram e deram fortes tapas um nas costas do outro. Bella ainda continuava achando aquele anjo um chato de galocha e ainda não se simpatizava com as fuças dele.
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