quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A escolha do foco narrativo: um toque que pode fazer a diferença


Sempre achei que a essência de uma boa história está na maneira de contá-la. Mais do que um bom enredo, portanto, é preciso um bom narrador, alguém que nos faça apaixonar e envolver pelo que virá, que nos puxe para dentro de forma que não queiramos sair mais daquele mundo que passa a ser nosso também.
            Como leitores, não há muito o que fazer a não ser confiar na escolha do autor e, para falar a verdade, não é uma coisa na qual se gaste muita análise, a gente aceita e pronto. Se funcionar, não nos perguntamos por quê. Se não funcionar, certamente não culparemos a escolha de foco narrativo também. A não ser que você seja alguém pentelho como eu.
            Só que quando você está do outro lado da viagem, ou seja, escrevendo, e cabe a você achar o jeito certo de puxar o leitor para dentro, a escolha do tipo de narrador não é uma coisa que possa ser feita de qualquer jeito. Não se você quiser realmente fazer uma coisa bem feita. E como eu acho que todo mundo que lê estas nossas colunas quer fazer algo legal, vale a pena falar das duas maneiras de se contar uma história para que você pense direitinho em qual se adéqua mais ao seu estilo e aos seus planos.
            A primeira maneira é o quando a história é narrada por alguém que está dentro dela, ou seja, um narrador-personagem. Chamamos isso de foco narrativo em primeira pessoa, e vemos tudo a partir do ponto de vista de quem narra, que é geralmente o protagonista em cujos sentimentos podemos mergulhar sem restrições.
            Já outras histórias são contadas por alguém que só observa, sem nunca interagir com os personagens. Geralmente esse tipo de narrador é onisciente, ou seja, é alguém que sabe de tudo: passado, presente, futuro e o que se passa dentro da cabeça de cada um. Nesse caso, temos um foco narrativo em terceira pessoa.
            Parece simples, mas há coisas a se considerar no jogo da conquista da escrita. Geralmente o que funciona bem para você como leitor, vai funcionar também como autor, porque a gente tende a ter mais facilidade em reproduzir um estilo que gostamos. Então, analisemos, quando você se encanta por um livro, o que é, precisamente, que desperta seu amor?
            Personagens apaixonantes cujas emoções intensas você passa a compartilhar; ou você é mais do tipo que curte uma história vibrante com um enredo ágil e muitas reviravoltas? Prefere ter uma visão geral das coisas ou mergulhar nas particularidades de um só ponto de vista? O que faz mais a sua cabeça?
            Para mim, sempre foram os personagens. Quem lê minhas histórias sabe que nada acontece nelas sem que antes e durante e depois meus pobres narradores tenham revolvido suas entranhas em divagações, analisando a repercussão e os motivos de cada acontecimento.
            Falando assim parece uma chatice, mas sorte minha que meus personagens também não se poupam de autoironia e sarcasmo, então acaba ficando ao mesmo tempo reflexivo e engraçado. De uma forma maluca, funciona. Ou pelo menos é o que dizem meus leitores. (Se eu estiver me iludindo, minta para mim, ok? Ok.)
            Acho que, como eu, eles não conseguem ignorar o apelo da empatia. Conseguir se colocar no lugar de um personagem é o que faz com que nos apaixonemos por ele e por sua história, o que é mais facilmente alcançável com um narrador-personagem. Por isso o foco narrativo em primeira pessoa tem sido a escolha mais comum dos livros atuais, além de também ser o mais popular no mundo das fics.
            Entretanto, esse foco tem suas limitações, porque, muitas vezes, ficar preso aos olhos de um único personagem pode comprometer a agilidade da história. Há situações em que é importante mostrar todos os sentimentos envolvidos em uma conversa, sem a parcialidade de alguém que está participando dela, por exemplo. Ou, quem sabe, o enredo apresente a necessidade de alternar cenas, para que possamos acompanhar o que se passa com cada personagem mais ou menos simultaneamente.
            Isso sem contar que ficar restrito aos pensamentos provenientes de um único ponto de vista pode entediar quem não tem muita paciência para divagações. Em todos esses casos, a imparcialidade e a flexibilidade proporcionadas por um narrador em terceira pessoa, aquele que é apenas um observador onisciente, acabam sendo preferíveis.
            Por isso é importante planejar bem sua história e ver o que é mais adequado para ela. Muita gente, inclusive eu, usa a primeira pessoa, mas alterna quem é o narrador, o que é um recurso do qual você pode abusar nas fics e consiste em usar o melhor de dois mundos, ou seja, a flexibilidade do foco em terceira e o toque pessoal da primeira. Só que, apesar de toda a facilidade, ou talvez por isso mesmo, é algo mais reservado ao mundo dos escritores amadores. Fora algumas exceções (por exemplo, quando Jacob Black assume a narração em Amanhecer), não é algo que se vê muito fora desse contexto informal.
            Há ainda uns raros autores que alternam primeira e terceira pessoa no mesmo livro. Nos romances policiais de Lisa Gardner, por exemplo, a protagonista D.D. Warren, detetive durona e pouco afeita à análise de sentimentos, aparece em terceira pessoa. Já sua co-protagonista, uma suspeita e/ou vítima sobre a qual sempre é interessante sabermos um pouco mais, aparece em primeira.
            Vale tudo, na verdade.
            Principalmente para autores consagrados que podem se dar ao luxo de fazer o que quiserem, ou para amadores iniciantes que ainda estão experimentando um pouco de cada coisa. Qualquer lugar no meio desse espectro pode requerer um pouco mais de cuidado, mas como eu acho que ninguém aqui é meio-famoso, podemos trabalhar com a premissa do vale-tudo-em-fic. Isso, no entanto, não te dispensa de saber manejar bem as duas possibilidades de foco narrativo, porque, de um jeito ou de outro, você sempre estará trabalhando com uma delas. E saber escolher qual, pode fazer toda a diferença.

            Às vezes essa escolha vem naturalmente. Aliás, não me lembro de ter conhecido alguém que ficasse num dilema sobre isso. O problema é que muitas vezes ela vem errada. E antes que você se descubra no meio de sua história tendo feito uma opção equivocada, chega mais e vamos analisar, nas próximas colunas, as possibilidades e limitações dos dois focos narrativos.

Primeira pessoa: o mergulho e o amor

Terceira pessoa: o poder da onisciência

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