quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

CD2 Cap 35


Capítulo 35 – Vento da Mudança
The world is closing in
Did you ever think
That we could be so close, like brothers
The future's in the air
I can feel it everywhere
Blowing with the wind of change

Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away
In the wind of change
(Wind of Change – Scorpions)

Fords Águas Profundas

Novos paradigmas. É essa a expressão para um processo que sempre me intrigou. Transformação. Algo que me deixa maravilhado neste lugar.
Acho que é tão necessário quanto respirar.
De tempos em tempos, a percepção que nos permite vivenciar o mundo em conjunto aos nossos pares se transforma. É assim que a vida segue, a mudança é um curso natural e esperado.
Oficialmente, as ideias sobre a integração dos humanos remanescentes em nossa sociedade já estavam circulando há meses agora, mas há bem mais do que isso — na verdade, praticamente desde que nossa população se tornou maioria absoluta — muitos de nós vínhamos nos perguntando sobre o quão justos eram nossos medos.
Humanos morriam de doenças que podíamos curar com facilidade. Provavelmente, havia pessoas vivendo sob condições precárias, passando inúmeras necessidades que poderiam ser evitadas.
Esses vinham sendo os argumentos principais utilizados nas mídias para sensibilizar a população.
O que me levava a uma questão terrível: o que isso tudo dizia sobre nós, se sempre soubemos dessas coisas e não fizemos nada antes?
Por medo... Pelo bem comum. De quem...?
— Nossa espécie tem que zelar por si. E a segurança é parte essencial disso. Os humanos são perigosos. O fato de serem minoria ainda não torna prudente nos esquecermos desse fato — decretava Darren, meu antigo assistente, tentando ser compreensivo, mas firme.
Eu me afligia e me calava diante do argumento, sem ser capaz de contestá-lo habilmente, mas sentindo em meu íntimo que aquela só podia ser uma lógica insustentável. E, no fundo, Darren também sabia. Assim, a cada vez que tínhamos a mesma discussão, eu me sentia capaz de demovê-lo mais um pouco da posição rígida comum à maioria das Almas, já que, como Curandeiros, nós não podíamos nos dar a esse luxo.
Além disso, havia outro motivo para que eu quisesse conversar sobre minhas aflições com Darren, especificamente, mais do que com qualquer outra pessoa. Porque eu confiava nele. Porque me importava muito com o que ele pensava. E isso já fazia algum tempo.
Nós estávamos juntos desde que, pouco depois de minha mudança para Chicago, ele me seguiu, dizendo que não via sentido em manter distância quando sempre aprendia algo comigo e gostava tanto de estar ao meu lado. A diferença de lá para cá era a nossa percepção, nos últimos anos, de que nossa relação não era meramente profissional. Ou apenas de amigos.
Contudo, apesar de uma clara propensão às emoções humanas — coisa com a qual ele se adaptou bem mais facilmente do que eu — Darren não era do tipo que gostava de pensar nas implicações do mundo fora de sua “bolha”. A única de suas características que verdadeiramente me incomodava, embora eu tentasse não me focar nisso. Afinal, as qualidades eram maiores no que me dizia respeito.
— Você cobra muito de si mesmo — completava de forma afável quando eu me indignava, como se empatia fosse apenas um tique meu.
Bem, não é só de mim mesmo que exijo muito, eu costumava pensar em resposta, mas não dizia nada a ele. Não gostava de perturbar suas noções bem mais nítidas do que as minhas do que era justiça. De que adiantaria?
Contudo, com o tempo, nossas vivências profissionais despertaram seus questionamentos com mais eficiência do que minhas reclamações.
Nós éramos Curandeiros, afinal. E foi onde tudo começou.
Pode ser que boa parte da população de Almas nunca tenha precisado se confrontar com a perspectiva de extinguir um corpo, mas os Curandeiros e Buscadores precisavam trabalhar com a possibilidade de humanos resistentes. E se por um lado parecia óbvia a inadequabilidade de alguém assim à nossa sociedade, além do perigo que poderia nos oferecer enquanto indivíduos, que destino seria certo a um hospedeiro que não estivesse apto a nos receber?
Sob a lógica humana, que nos era cada vez mais familiar, como poderíamos considerar correto descartar um corpo nessas circunstâncias, quando a consciência do humano ainda estava ali?
Mesmo assim, precisou ser feito inúmeras vezes nos primeiros tempos. O afã da colonização e o bem geral de nossa própria espécie não permitia brechas de responsabilidade. Não permitia.
Mas a paz alcançada trouxe “fraquezas”. A vida neste planeta não nos deixaria passar incólumes. E ao nos tornar quase humanos, nos tornamos cônscios do que o nosso “bem comum” poderia custar.
Por isso digo que começou com os Curandeiros.
Os Buscadores continuavam à procura de células de resistência, atendendo ao anseio da população de que um encontro entre uma Alma e um humano poderia ser fatal para os de nossa espécie. De sua parte, os remanescentes se escondiam bem e não ousavam para além de suas necessidades desesperadas, tornando as buscas mais difíceis.
No entanto, à medida que o tempo passava, ficava também claro que, mesmo que houvessem capturas, a viabilidade desses humanos como hospedeiros diminuía exponencialmente. Até então, tinha havido casos raros, porém dramáticos, de resistência, e muito se especulou sobre como o fim do elemento surpresa tinha tornado as consciências humanas mais persistentes, nitidamente menos suscetíveis à supressão. Parecia apenas a conclusão óbvia.
Cientes disso, os Curandeiros começaram a se opor publicamente a mais buscas, assustados com a perspectiva de hospedeiros resistentes. Gradualmente, ainda que de forma hesitante, os Buscadores aderiram à nossa causa contra a captura de remanescentes humanos, entendendo que eles não ofereciam mais ameaça direta, roubando suprimentos e voltando a seus esconderijos.
Assim, o trabalho de nossos protetores mudou e, em tempos recentes, seus esforços se situavam apenas em manter vigilância redobrada nos pontos onde já havia sido detectada presença humana, a fim de manter, dessa forma, seguras as Almas que habitavam os arredores.
No entanto, agora, telões com mensagens sobre paz pipocavam nas grandes cidades. Os programas de televisão traziam debates sobre como seria o futuro, tranquilizando e informando os telespectadores, e mídias impressas, por sua vez, não poupavam espaço para longas reportagens que mostravam desde as atas dos Conselhos até projeções sobre o crescimento da comunidade humana. Havia relatos de membros de famílias mistas por toda parte, e histórias de encontros com humanos onde nenhuma ameaça ou mal tinha sido feito, apenas a fuga desesperada de um sobrevivente esfomeado, lutando pela vida. Essas eram as histórias que mais comoviam, então, sabiamente, eram as mais exploradas.
De qualquer forma, depois de tanto tempo, a comoção gerada me fez ver que nós, Curandeiros e Buscadores, não estávamos sozinhos. Como sabíamos agora, havia Conselhos e, principalmente, Representantes do mundo todo discutindo o futuro dos humanos. E foi por isso que eu tinha me juntado ao Conselho de Chicago e me tornado seu Representante.
— Muito bem, caro amigo — observou um colega Conselheiro —, nós já entendemos o plano de retirada em massa. E também entendemos que a permanência dos que não quiserem partir estará, de certa forma, condicionada a um consenso com os humanos integrados, quando esta geração de nossas crianças chegar à idade adulta. Mas o problema óbvio é a falta de hospedeiros. Esse sempre foi, de fato, o grande dilema para todos nós. Se nosso acordo incluir a obrigatoriedade de deixar todos os nossos filhos, a partir de agora, crescerem como humanos, nossa sobrevivência aqui se torna não apenas restrita, mas impossível, mesmo que nossas crianças decidam por isso.
— Impossível, não. Efêmera apenas — corrigi. — Os tratamentos de preservação celular foram pensados justamente para prolongar nossa permanência quando ficou claro que havia relutância dos novos pais em entregar crianças como hospedeiros.
— Contudo, os tratamentos apenas nos garantem mais algumas décadas.
— A mortalidade é uma necessidade, companheiros. Nunca foi sobre nós, mas, sim, sobre salvar o planeta. E o planeta precisa de renovação. Não é sustentável que a Terra receba novas gerações sem que as anteriores cedam seu lugar. Além do mais, prolongamos a vida, mas não evitamos o envelhecimento. O que significa que logo teremos um grande contingente de pessoas que necessitarão de cuidados especiais e descanso. Afinal, não se pode pedir a eles que continuem contribuindo com a sociedade em um ritmo de trabalho incompatível com o de seu corpo.
— Então você está dizendo que devemos nos conformar em partir quando o ciclo de vida de nossos hospedeiros chegar ao fim? — perguntou outra Conselheira. — Mesmo se quisermos ficar?
— No que me diz respeito — respondi —, acho que a experiência da mortalidade é algo que nos ensinou muito. A vida que levamos aqui é única em todos os aspectos imagináveis, então respeitar seu fim natural significa também ser capaz de valorizá-la mais. Contudo, ninguém será obrigado a se retirar. Há novas possibilidades. Esse foi justamente o motivo para chamá-los aqui, para comunicar o que foi discutido nas reuniões de Representantes do último mês. E depois debater formas de melhor distribuir esse conhecimento ao público.
— Que conhecimento?  — questionou a colega.
— O de que será possível ficar, bem como de que haverá lugar para Almas novas que quiserem habitar este planeta, conforme for nosso acordo com os novos humanos.
— Mas como? Você acabou de dizer que teremos que concordar em conservar todas as crianças humanas. Como seria possível sequer cogitar a chegada de novas Almas depois que partirmos?
— Certamente, vocês estão a par das tecnologias que os humanos já desenvolviam antes de nossa chegada. Nossos irmãos cientistas do mundo todo têm trabalhado para aperfeiçoar trabalhos como os dos pesquisadores de São Francisco, por exemplo, que já eram capazes de criar carne comestível a partir de simples células.
— Sim, é claro — confirmou o Conselheiro Ramos Flamejantes. — Isso resolveu a questão da fome, tornou a cruel criação para abate desnecessária e, por fim, resolveu a crise hídrica iminente que os humanos enfrentariam pela má administração do agronegócio. Foi a pesquisa que nos garantiu a salvação do planeta, a prova maior da inteligência dos humanos. Em nossas mãos, isentas de interesses políticos e corruptos, foi a própria criação deles que salvou a Terra.
— Fantástico, fantástico — diziam alguns em burburinho, relembrando.
— Ainda assim — Andarilha das Nuvens, a Conselheira que tinha me questionado antes, retomou —, por mais brilhante que seja essa tecnologia, o que tem a ver com a questão dos hospedeiros?
— Bem, acontece que não ficou restrita à produção de alimentos. Desde que tomamos consciência da escassez de novos hospedeiros, os cientistas têm trabalhado ativamente na aplicação de técnica semelhante para a criação de tecidos vivos. E o resultado é que eles já conseguem.
As respirações ficaram suspensas por um segundo inteiro, mas aquela era uma reação a que eu já estava me acostumando, depois de inúmeras discussões entre os Representantes. O fato era que a ciência nunca se tornava previsível. E ouvir aquilo pela primeira vez, certamente amplificava o efeito, porque já tinha havido conversas prévias a respeito. Embora eu tenha sido pouco específico, sabia que o Conselho entendia para onde estava indo o raciocínio.
— Não são clones — esclareci. — O material genético de origem vem de embriões congelados das antigas clínicas de fertilização in vitro dos humanos. Portanto, estamos falando de perfis únicos.
— Mas isso não faz sentido, amigo Fords — interviu Ramos Flamejantes. — Quer dizer, é fantástico, cientificamente falando. Uma grande realização. Contudo ainda vai de encontro à promessa de manter as crianças humanas. Porque quer sejam criados em laboratório quer não, o hospedeiro desenvolvido a partir desses embriões ainda precisará ser cuidado por alguém até atingir a idade necessária para uma inserção. Isso os colocará na mesma condição dos humanos nascidos por vias comuns.
— Sim, tem razão, Ramos. Seria, de fato, assim, mas há um diferencial importante. Os hospedeiros serão criados em idade adulta para o caso de Almas que já habitam a Terra. E em versões mais jovens para aqueles que virão pela primeira vez. Crianças maiores a serem adotadas por famílias dispostas a tal. Não haverá gestação ou o período de cuidados com os bebês que permite que desenvolvam uma personalidade que os pais sentirão necessidade de proteger. Não haverá tomada de consciência antes da inserção. Desse modo, os hospedeiros serão puros, criados apenas quando requeridos para uso imediato.
O burburinho recomeçou, e meus colegas discutiam entre si em pequenos grupos. Normalmente, meu papel como mediador da conversa exigiria que eu os lembrasse de que as atenções podem dispersar, mas devemos sempre voltar ao foco coletivo. Entretanto, hoje, preferi deixá-los voltar naturalmente, depois de esgotada a primeira onda de comentários entusiasmados e dúvidas.
— Isso é tão instigante quanto controverso, eu acho — disse Ramos. — Vida artificial, quem diria?
— E nos permitirá viver para sempre, completamente sem riscos — observou Andarilha das Nuvens, ao que outros Conselheiros torceram os narizes sutilmente. — Sim, eu sei, não é recomendável... — completou.
— Usufruir de mais de uma vida neste planeta nos daria uma vantagem injusta em relação aos humanos — expressou Ramos.
— Não que fôssemos usá-la para acumular bens ou posições sociais — ela retrucou.
— E, contudo, se queremos uma sociedade de fato igualitária com os humanos, não podemos nos furtar a abraçar a mortalidade. É parte da experiência — Ramos completou, ao que todos aquiesceram.
— Além do mais — disse eu —, para os que fazem parte de famílias mistas seria muito sofrimento sobreviver aos seus indefinidamente. Mas pelo bem do nosso livre-arbítrio, a possibilidade estará garantida a quem quiser. Mesmo assim, sabemos que a maioria agirá pensando no bem comum. Afinal, a superpopulação traria danos novamente ao planeta.
— O planeta é mais importante, definitivamente — falou Andarilha. — Justamente por isso gosto da possibilidade de poder estar aqui para zelar por ele, se for necessário. Não confio plenamente nos humanos, nem mesmo naqueles que estão sendo criados por nós.
— Não controlamos o futuro, cara colega, mas corrigimos erros do passado contra a natureza e agora estamos trabalhando para construir um presente harmonioso. Há de correr tudo bem.
— Assim espero. Estamos todos aprendendo com a experiência — ela me respondeu, demonstrando uma dose saudável de boa vontade para temperar os receios.
“Há de correr tudo bem”, repeti para mim mesmo, enquanto o Conselho de Chicago, provavelmente ao mesmo tempo que muitos ao redor do globo, avaliava todos os aspectos da situação e considerava maneiras próprias de levar a notícia à sua comunidade.

********
— Como foram as coisas? — perguntou David do outro lado da tela do telefone celular.
Nos reuniremos com outros Representantes amanhã, em vídeo conferência, mas gosto de me antecipar e conversar diretamente com ele antes. Seu equilíbrio e sensatez foram inspiração desde que nos conhecemos, apresentados por Peregrina, meses atrás.
— A imprevisibilidade de tudo os deixa um pouco relutantes — confessei. — Mas todos entendem a necessidade de acolhermos os humanos, principalmente suas crianças. A longo prazo é o melhor a se fazer por todos nós. Não podemos deixá-las receber uma educação precária.
— Os pequenos John e Lindsay são encantadores e têm mais a nos ensinar do que a aprender — ele reconheceu. — Mas admito que, hoje em dia, me preocuparia muito saber que existem crianças sendo criadas por humanos amedrontados o suficiente para se tornarem perigosos. Sem falar na debilidade de sua condição de vida em geral nos esconderijos.
— De fato — confirmo. — É um alívio, porém, saber que essas crianças, em específico, junto aos adolescentes da mesma célula, têm uma outra vivência em relação a nós.
— Sim, o que Peregrina e os outros fizeram, abandonando tudo em favor dos humanos, foi realmente ímpar e de valor inestimável. Temos muito que extrair das experiências deles.
— Sempre soube que ela era especial — digo, me lembrando de quando eu mesmo a vi despertar na Terra, ainda que em um corpo diferente do que se encontrava agora. — Mas não fazia ideia do quanto Melanie também era.
David sorriu, concordando.
— Ouvi dizer que conhecê-la foi um grande motivador para que aderisse à nossa causa.
— Elas sabem ser convincentes — ri e David me acompanhou, já que ele mesmo teve a oportunidade de testemunhar o quanto.
A comunidade de Picacho Peak chegou a ele antes de chegar a mim, mas ambos pudemos conhecer suas táticas sorrateiras e habilidades de persuasão.
Comigo foi há pouco mais de seis meses.
Eu já era um Conselheiro quando uma colega Curandeira me procurou. Estávamos em um congresso onde eu dissertava sobre técnicas de renovação dos telômeros das células somáticas e ela me convidou para um almoço, supostamente para sanar dúvidas que tinha sobre meu trabalho.
No telão do restaurante, uma propaganda pró-humanidade chamou minha atenção e ela percebeu. Começamos a conversar a respeito. Em pouco tempo, percebemos muitas afinidades ideológicas. Então, de súbito, a mulher chamada Estrela me disse:
— Preciso confessar que eu já previa que nossos pensamentos se alinhariam. Vim especificamente até você sob recomendação da minha irmã. Talvez você se lembre dela, foi você quem lhe deu o nome de Peregrina.
Peregrina.
A Alma mais impressionante que eu já tinha visto, viajante de quase todos os mundos conhecidos. Designada para a tarefa de encarar as dolorosas lembranças da humana rebelde que tinha preferido o suicídio.
É claro que eu me lembrava.
Imediatamente, a imagem do corpo maltratado da garota hospedeira me veio à mente com uma pontada de comoção. Eu tinha passado dias trabalhando em seus ossos quebrados e órgãos prestes a falir. Jamais poderia esquecer.
— Peregrina é a favor do acolhimento aos resistentes? — perguntei, mas não podia dizer que estava surpreso.
Céus, eu só podia supor o tipo de memórias terríveis com que teve que lidar! Admirável Peregrina.
— Não apenas ela, mas também Melanie — ela me mostrou uma foto em seu celular.
Uma garota loira, jovem e delicada com um bebê de imensos olhos azuis no colo e, abraçada aos dois, estava Peregrina. 
Apreciei os traços de todos por alguns segundos, sem me espantar que a criança fosse humana, mas foi então que notei. Os olhos. A moça morena também não era uma Alma.
— O que... Essa é Peregrina, mas...
— Nós a chamamos de Peg agora — Estrela disse sorrindo. — Nossos amigos humanos acham mais familiar. Esta é Peg com seu filho John — explicou, apontando para a garota loira. Em seguida, apontou para a morena. — E esta é Melanie, nossa irmã.
Nas horas que se seguiram, Estrela me contou a história fantástica de como Melanie Stryder, que ela agora chamava de Mel, tinha permanecido consciente depois da inserção. E de como Peregrina, movida pelos afetos da outra, tinha comprometido a própria segurança para garantir que a Buscadora não chegasse até os entes queridos de sua hospedeira.
Contou também sobre tudo o que tinha acontecido depois, e sobre como ela mesma tinha tido sentimentos tão fortes que a levaram para o exato mesmo caminho de Peregrina, principalmente por carregar o pequeno John em seu ventre. Filho de Peg com um humano fugitivo.
Espantosa Peregrina. Apesar de tudo, eu nunca poderia prever o quanto.
Eu não sabia o que dizer, não sabia como podia ajudar ou como devia reagir. Então Estrela me levou até as duas. E foi Melanie, a garota mais destemida que minha mente jamais poderia conceber, quem me tocou profundamente a favor da causa.
— Melanie me fez ver que é totalmente inadmissível que jovens como Jamie vivam num limbo entre dois mundos. Ele, junto com Kate, Isaiah e Liberdade eram apenas crianças quando tudo começou, mal têm lembranças de como é não estarem escondidos.
— De fato, as crianças também me preocupam especialmente — disse David. — Mas todo o resto da situação precisa ser corrigida. Precisamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance.
— O que me preocupa é o que não está ao nosso alcance, ou seja, o que depende dos humanos. Muitas Almas temem, justificadamente, que eles possam nos causar problemas. E não há argumentos contra o fato de que eles podem, sim, ser violentos.
— Realmente, não temos garantia alguma. Por isso é preciso estarmos cientes de que esse é um risco que teremos que correr. Contudo, não podemos espalhar o pânico entre os nossos. Mas, sim, lembrá-los de que os novos humanos fazem parte da nossa comunidade. De qualquer jeito, temos que nos adaptar à sua imprevisibilidade natural. Portanto, não seria aceitável permitir que os sobreviventes continuem no ostracismo. Além disso, precisamos confiar no trabalho dos humanos que já se dispuseram a empregar seus esforços em prol desse acolhimento. Como Doc, Sharon, Melanie e o companheiro de Peregrina, por exemplo.
— Outra grata surpresa — afirmei, lembrando do rapaz ponderado e gentil que eu tinha conhecido há pouco tempo. — Ian é muito equilibrado e convincente. Apenas não estou certo em relação ao irmão dele.
David gargalhou.
— Entendo — disse. — Mas Kyle tem uma vivência interessante com as Almas, já que também é casado com uma. No que diz respeito ao trato com humanos, desconfio que ele possa ser tão persuasivo quanto o irmão, embora de uma maneira diferente e própria.
— Essa é outra coisa também. Eles todos têm personalidades tão distintas que me deixam tonto, mas acho que leques diferentes de habilidades, neste momento, podem ser mais produtivos do que nossa passividade habitual.
— Concordo com você. É apenas uma questão de adaptação para todos nós.
— Sim, para todos nós — concordei. — Estamos fazendo nosso melhor, não é?
— Estamos, sim — David confirmou.
Respirei, tenso e aliviado ao mesmo tempo. Mas predominantemente esperançoso pelos ventos da mudança.
Novos paradigmas. Transformação. A essência que tanto me encantava na Terra. Finalmente, eu iria vivê-la em sua plenitude. Graças a um grupo particularmente peculiar de humanos e das Almas que os amavam.

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